11 Fevereiro 2009
Nesta quinta-feira, dia 12, completam-se os quatro anos da morte da Irmã Dorothy Mae Stang, assassinada em 2005 com seis tiros a queima-roupa, aos 73 anos de idade, em uma estrada de terra de difícil acesso no interior do município de Anapu, no Estado do Pará. Seu assassinato ocorreu a mando de grileiros e madeireiros da região que já a ameaçavam há muito tempo por seu compromisso com a defesa da terra e dos direitos humanos.
Nascida nos Estados Unidos em 1931 e naturalizada brasileira, Dorothy fazia parte das Irmãs de Nossa Senhora de Namur, uma congregação com mais de duas mil integrantes que realizam trabalho pastoral nos cinco continentes. Foi em 1966 que ela decidiu mudar-se para o Brasil. Chegou primeiro ao Maranhão, onde se dedicou às comunidades eclesiais de base, e, em 1974, Irmã Dorothy mudou-se para o Pará, onde ajudou a estabelecer a Comissão Pastoral da Terra na diocese de Marabá.
Em 1982, vai para Anapu, onde quase 90% do município é formado por terras pertencentes à União. Lá, sua atividade pastoral e missionária busca a geração de emprego e renda com projetos de reflorestamento e de desenvolvimento sustentável, além da luta pela reforma agrária, com uma intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções para os conflitos relacionados à posse e à exploração da terra na Amazônia, crimes sempre denunciados por ela.
Nesta entrevista, IHU On-Line conversou por telefone com a Irmã Margarida Pantoja, das Missionárias de Santa Teresinha, de Belém do Pará. Ir. Margarida é coordenadora do Comitê Dorothy Stang, grupo formado por religiosos e religiosas de diversas congregações, ativistas dos direitos humanos e jovens de Belém. Uma das fundadoras do Comitê, criado com o apoio da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), Ir. Margarida nos fala sobre as celebrações em homenagem a Ir. Dorothy, as iniciativas tomadas pelo Comitê para que a justiça seja feita no caso dos assassinos e também sobre o “banho de conscientização” provocado por Dorothy, uma mulher que “levou muito a sério o profetismo e a missão dentro da Igreja”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que está sendo programado para marcar os quatro anos da morte da irmã missionária Dorothy Stang?
Margarida Pantoja – Neste ano, estamos fazendo diferente, porque todo ano vamos para a rua, fazemos protestos. Neste ano, preferimos marcar uma audiência, nesta quinta-feira às 10h, com o presidente do Tribunal de Justiça [do Estado do Pará], porque está entrando um presidente novo [Desembargador Rômulo Nunes]. Nessa audiência, iremos pedir e tentar pressionar para que aconteça o julgamento do Regivaldo [Pereira], que não foi julgado até agora pelo crime de mando do assassinato da Ir. Dorothy, e do Bida [Vitalmiro Bastos de Moura], para que seja anulado o julgamento que o inocentou.
Às 18h, temos a missa presidida por Dom Orani [João Tempesta], arcebispo de Belém, na Paróquia Maria Goretti, onde o corpo da Ir. Dorothy ficou durante a noite em que saiu do IML [Instituto Médico Legal], do dia 13 para o dia 14 [de 2005]. Em Anapu, vários movimentos também fizeram um documento que, amanhã, vai dar entrada junto com o nosso, com esses mesmos pedidos, fazendo pressão também.
IHU On-Line – Qual o significado dessas celebrações?
Margarida Pantoja – O significado forte disso tudo é não deixar o sonho da Ir. Dorothy se acabar. Precisamos fortalecê-lo, e as pessoas precisam continuar acreditando que é possível realizá-lo.
IHU On-Line – Após quatro anos do assassinato, como é possível avaliar o legado da Ir. Dorothy com relação à questão ecológica, à preservação da floresta amazônica e à defesa dos direitos humanos dos povos rebeirinhos?
Margarida Pantoja – Sem dúvida nenhuma, foi um banho de conscientização. A partir da morte da Ir. Dorothy, parece que as pessoas começaram a tomar consciência de que aquilo que ela fazia era muito importante, era vital para a continuidade desse ecossistema amazônico que está aqui. Não adianta tentar manter seres humanos vivos onde não há uma floresta viva. Então, um precisa do outro, um depende do outro.
Depois da morte da Ir. Dorothy, uma gama de trabalhos começou a ser feita ou foram reiniciados, porque havia muitos trabalhos do Incra e do Ibama que estavam parados, especialmente no que toca às políticas das questões agrárias, de reforma agrária, de regularização de lotes de terra. Tudo isso continua a ser feito.
IHU On-Line – Qual a importância de Dorothy Stang como mulher, tanto na sociedade como na Igreja?
Margarida Pantoja – Apesar de ser uma mulher tão pequenininha, em sua forma física, a Ir. Dorothy deixa um legado muito grande no sentido do seu profetismo, de mulher missionária. Ela levou muito a sério o profetismo e a missão dentro da Igreja. Sempre dizemos que ela foi como um Moisés, que acompanhou o povo no deserto. Ela fez isso com o povo que saiu do Maranhão, veio caminhando com esse povo até chegar em Anapu [uma distância de mais de mil quilômetros, n.dr.], onde começou a fazer seu trabalho e disse: “Olha, daqui nós não saímos mais, porque aqui tem uma terra que é da União, uma terra propícia para a reforma agrária”.
Para nós, é um verdadeiro exemplo de uma pessoa que seguiu esse projeto e que assumiu com muita garra o projeto de Jesus Cristo, que soube ser profeta seguindo o exemplo de Jesus Cristo, se entregando até a morte.
"Ir. Dorothy levou muito a sério o profetismo e a missão dentro da Igreja. Soube ser profeta seguindo o exemplo de Jesus Cristo, se entregando até a morte" |
IHU On-Line – Das cinco pessoas acusadas pelo assassinato da Ir. Dorothy, dos dois fazendeiros apontados como mandantes, Vitalmiro Bastos de Moura, foi absolvido. Já Regivaldo Pereira aguarda julgamento. O executor do crime, Rayfran Sales, foi condenado a 28 anos de prisão. Seus comparsas, Amair da Cunha e Clodoaldo Batista receberam penas de 18 e 17 anos de prisão, respectivamente. Quais são as próximas ações que o Comitê aguarda ou irá tomar dentro do processo de punição dos assassinos e mandantes do crime?
Margarida Pantoja – De imediato, é a audiência desta quinta-feira. Nós precisamos que o caso Dorothy seja um caso exemplar. E, para ser um caso exemplar, ele precisa chegar até o fim dos julgamentos. Para nós, é de fundamental importância que o Regivaldo seja julgado e condenado pelo crime de mando. O Rayfran assumiu o crime sozinho. Se ele não assumir enquanto crime de mando, ele inocenta os fazendeiros. Então, é preciso acrescentar nos autos – e isto vai ser pedido nesta quinta-feira – a culpabilidade do Rayfran de crime de mando também. Ele precisa assumir isso. Daí sim, iremos pegar os fazendeiros, que fizeram o consórcio. Para encerrarmos esse caso no âmbito da justiça, precisamos julgar e condenar esses fazendeiros.
Regivaldo, conhecido como Taradão, foi preso no dia 26 de dezembro, mas não porque matou Dorothy. Ele foi preso porque foi mais uma vez pego falsificando documentos de terra, inclusive do mesmo lote 55, que é onde Ir. Dorothy foi assassinada.
IHU On-Line – Como você avalia a postura do governo, tanto federal como local, na questão desse processo de punição e julgamento?
Margarida Pantoja – Eu cheguei a mandar uma carta ao presidente Lula, quando ele esteve em Belém, e a resposta que recebi é de que isso não é do seu âmbito, é do Judiciário, e que ele não pode fazer nada. Mas é impressionante como um poder não pode interferir no outro. E o mesmo governo que se diz popular não pode fazer nada. Pessoas continuam sendo mortas e assassinadas, principalmente no campo, no Estado do Pará. E, mesmo estando com os dois governos, em nível estadual e federal, que se diziam do lado do povo, as coisas continuam acontecendo, infelizmente.
IHU On-Line – Como as organizações sociais avaliam a viabilidade do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) para a Amazônia, defendido pela Ir. Dorothy? Como estão avançando as negociações?
Margarida Pantoja – Segundo o doutor Felício Pontes Júnior, procurador da República aqui de Belém, que conhecia a Ir. Dorothy e o seu trabalho e que continua apoiando os grupos de Anapu, os PDSs Virola, Esperança e Jatobá estão sendo dados como modelo em nível de Brasil. Ele disse que em lugar nenhum existem projetos como esses de desenvolvimento sustentável que deram certo como os de Anapu, com todas as dificuldades que se tem, que são muitas. Mas o povo está plantando, está colhendo, está tendo dignidade e está vivendo da sua produção, porque é isso que o povo quer.
É interessante quando você ouve o povo de Anapu. Na apresentação do documentário "Mataram a Irmã Dorothy", agora no Fórum Social Mundial, um trabalhador disse: “Nós não queremos esmola. Nós não queremos bolsa disso e daquilo. Nós queremos terra para trabalhar. Nós queremos trabalhar para nos manter”. É bonito ouvir o povo dizer isso, porque isso também é dignidade. E os povos dos PDSs querem trabalhar, querem viver do seu suor.
IHU On-Line – A Irmã Dorothy recebeu recentemente o Prêmio de Direitos Humanos das Nações Unidas, em razão de seus trabalhos na Amazônia. Como você avalia o reconhecimento do trabalho e da vida da Ir. Dorothy no Brasil?
Margarida Pantoja – Durante o Fórum Social Mundial, nós tivemos muitas manifestações de apoio ao trabalho da Ir. Dorothy. O espaço do Comitê Dorothy foi muito visitado. Já estamos tentando formar uma rede internacional de apoio ao Comitê e ao povo de Anapu. O Comitê existe por conta do povo de Anapu, então agora também é preciso que o trabalho daquele povo seja reconhecido. Não fica só na questão dos PDSs, na questão do assassinato, mas fica para nós um questionamento muito grande sobre o futuro dessa floresta, sobre o futuro desse planeta também. Porque se não cuidarmos, se não vivermos de forma sustentável, com aquilo que precisamos – porque tem muita gente acumulando, derrubando florestas, criando gado simplesmente para acumular, para ter regalias, e não para viver, para sustentar a humanidade –, se continuarmos com esse padrão de vida, daqui a pouco não vamos mais ter floresta, não vamos mais ter água, mas sim seres humanos escravos.
"A vida religiosa, após o sangue da Ir. Dorothy ter sido derramado, se levanta e assume, com muito mais vigor, com muito mais paixão, a causa da vida, a defesa dos povos" |
IHU On-Line – Latifúndio, monocultura, escravidão, devastação ainda persistem. É possível ainda acreditar no sonho da Ir. Dorothy, sonhado com tantos outros, com relação à Amazônia?
Margarida Pantoja – Sem dúvida nenhuma, é possível. Quando visitamos os PDSs, a floresta, sentimos a presença da Dorothy e sentimos que, sim, é possível continuar sonhando e que muita coisa está acontecendo. Porque essas pessoas agora têm, dignidade, estão vivendo daquela terra, sem precisar derrubar. O trabalho que é feito com as biojóias, com a produção dos próprios produtos da terra que são comercializados sem muito barulho, sem muito alarde: é a agricultura familiar que está acontecendo, e isso é muito bonito.
IHU On-Line – Considerada uma mártir da terra, quais são os primeiros frutos e conquistas que a vida e a morte da Ir. Dorothy produziram para a sociedade e para a Igreja locais?
Margarida Pantoja – Um grande levante. Especialmente para a vida religiosa. A vida religiosa, após o sangue da Ir. Dorothy ter sido derramado, se levanta e assume, com muito mais vigor, com muito mais paixão, a causa da vida, a defesa dos povos, especialmente dos povos da floresta, dos povos indígenas, dos quilombolas. Mas também na Igreja como um todo, nas Pastorais Sociais que se reanimam, nos próprios bispos que estavam ameaçados de morte: nós tínhamos um, Dom Erwin [Kräutler, bispo da prelazia do Xingu, no Pará], e hoje temos três bispos sendo ameaçados de morte [além de Dom Erwin, Dom José Luiz Azcona, da prelazia do Marajó, e Dom Flavio Giovenale, de Abaetetuba, ambos no Pará], porque assumiram essa causa com muito mais vigor e de peito aberto, saindo dos seus esconderijos.
(Reportagem de Moisés Sbardelotto)
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O grande levante social e religioso de Irmã Dorothy. Entrevista especial com Margarida Pantoja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU