01 Setembro 2007
O economista e apresentador do programa Faixa Livre, transmitido pela Band AM, Paulo Passarinho conversou, por telefone, com a IHU On-Line na semana que antecede plebiscito sobre a anulação do leilão da Vale do Rio Doce.
Passarinho defende a anulação da venda da empresa e afirma que ela é fundamental para a constituição de um novo projeto de desenvolvimento para o País. “A Vale do Rio Doce pode ajudar o Estado brasileiro a potencializar o seu papel de dirigente para um novo projeto nacional de desenvolvimento que garanta soberania ao Brasil e, ao mesmo tempo, melhores condições de vida para a população brasileira”, destacou.
Em entrevista especial à IHU On-Line, Passarinho criticou a não participação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), no plebiscito. Para ele, as “entidades não querem ajudar o povo brasileiro a ter percepção” dos “problemas relativos à forma como o Brasil vem sendo governado”. O economista ressaltou que essas instituições estão omitindo as outras questões que compõe a campanha. Com essa atitude, eles isolam o problema da Vale do Rio Doce e demonstram que estão “subordinadas ao governo Lula”, complementou.
Ele relembrou que muitos integrantes do atual governo participaram das campanhas de resistência à privatização da Vale, na década de 1990. Nesse sentido, afirmou que se o governo fosse coerente com sua proposta de trabalho, mudaria de posição e passaria “a concordar com os argumentos que questionam a venda da Companhia”.
Paulo Passarinho é mestre em Políticas Públicas pela UFRJ e âncora do programa Faixa Livre, transmitido de segunda a sexta, de 7h30 às 9h, na Rádio Bandeirantes (AM 1360). Foi coordenador geral do Sindicato dos Economistas do Estado do Rio de Janeiro (Sindecon).
A campanha A Vale é nossa ocorre entre os dias 01 a 9 de setembro, em todo o País. A expectativa dos organizadores é conseguir 10 milhões de votos no plebiscito.
O sítio do IHU tem realizado ampla cobertura sobre o tema. Confira abaixo.
Confira a entrevista
IHU On-Line - Qual é o seu engajamento com a campanha de reestatização da Vale do Rio Doce?
Paulo Passarinho – O meu engajamento vem se dando, principalmente, através do programa de rádio que eu apresento, e que trata dos problemas brasileiros, no Rio de Janeiro. Mesmo vinculado por uma emissora comercial, a Bandeirantes, ele é mantido a rigor por um conjunto de associações, sindicatos, entidades profissionais. Esse programa entrou no ar em 1994, e, desde então, ele se constitui no que chamamos de trincheira radiofônica.
Lutamos pela ampliação da democracia do ponto de vista da participação popular, por um novo Brasil, em termos sociais e econômicos e pela defesa da soberania do Brasil, enquanto nação. A partir dessa ótica é que nós estamos atuando na campanha do plebiscito, divulgando não só os aspectos operacionais e funcionais da campanha, mas especialmente esclarecendo e discutindo com a população as questões que dizem respeito ao Estado constituído, atualmente no País. Um estado, ainda, intensamente privatizado, e muitas vezes dirigido de fora pra dentro.
IHU On-Line – Por que a Vale deve ser reestatizada?
Paulo Passarinho – Em primeiro lugar, defendemos que a Vale fique sob comando do Estado, pelo caráter estratégico que essa empresa tem. Por que o caráter dela é estratégico? Porque ela foi uma empresa criada, especificamente, para potencializar toda a capacidade do País em torno de elementos que são fundamentais para o nosso desenvolvimento: os minérios. Assim, ela é uma empresa que domina e possuí jazidas muito ricas de minerais, possui um estoque de terras importantíssimo, uma rede de logística envolvendo ferrovias, portos. Nesse sentido, ela é uma companhia que tem capacidade de articular de maneira importante, outros setores econômicos. Então, por essas razões, nós achamos um equivoco transferi-la das mãos do Estado para a iniciativa privada, num momento inclusive, muito grave da nossa história, onde existe um processo de internacionalização da própria economia brasileira de maneira intensa. Então, manter a empresa sob o controle do Estado significa também preservá-la de associações empresariais, inclusive do comando estrangeiro.
Um novo Estado
Agora, quando nós defendemos que a Vale esteja a cargo do Estado, cabe discutir o tipo de Estado que temos. Eu não quero passar nenhuma ilusão em relação ao papel que a própria Vale do Rio Doce exerceu na época da ditadura militar. Na ocasião, ela servia muito mais para articular interesses privados do que interesses públicos, que dizem respeito ao conjunto da sociedade brasileira.
O que nós queremos também com a reestatização da empresa é uma transformação do Estado, pois ele é muito voltado e eficaz quando se trata de atender aos interesses corporativos e empresariais. O governo, quando se volta para as necessidades da nossa imensa população, especialmente a pobre, ele se mostra extremamente ineficaz. Ao mesmo tempo, nós temos muitos exemplos de intervenções do governo, que demonstram uma capacidade de resposta muito rápida e dinâmica. Uma prova disso foi o esforço realizado conjuntamente pelas esferas da União e do Estado do Rio de Janeiro, na realização recentemente dos Jogos Pan- Americanos, numa cidade em que a carência de alguns serviços básicos é notória. Em função disso, na época da campanha de constituição dos jogos no Rio de Janeiro, foram estabelecidos várias compromissos. Com a realização das atividades esportivas, seriam feitas obras na cidade, englobando o campo da habitação, do transporte público, por exemplo, de modo a responder essas lacunas e deixar um saldo para a cidade carioca. Qual foi o resultado que tivemos? O Estado demonstrou muita agilidade e capacidade de gastos para viabilizar todos os projetos concernentes aos jogos. E o saldo, em termos, da chamada agenda social do Pan-Americano não foi contemplada. Por isso, eu digo que o Estado brasileiro é eficaz quando diz respeito aos interesses de grupos privados, fortes politicamente e economicamente. E extremamente ineficaz quando diz respeito a necessidade de responder as questões da nossa população.
IHU On-Line - A reestatização da Vale pode contribuir para que o Brasil crie um projeto de desenvolvimento consistente, obtendo um crescimento econômico para a União, e consequentemente trazer benefícios para a população? De que maneira?
Paulo Passarinho – A Vale é fundamental para o povo, dentro de um novo projeto de desenvolvimento, onde as questões relativas à geração de emprego, crescimento econômico, e à distribuição de renda e riqueza passam a ser as prioridades de um novo Estado que precisamos construir no Brasil. A Vale do Rio Doce pode ajudar o Estado brasileiro a potencializar o seu papel de dirigente para um novo projeto nacional de desenvolvimento que garanta soberania ao Brasil e, ao mesmo tempo, melhores condições de vida para a população brasileira, levando em conta as necessidades de emprego, de crescimento econômico e de distribuição de renda e riqueza.
IHU On-Line - Por que a campanha para a reestatização não ocorreu antes? Que motivos conduzem os movimentos sociais a se mobilizarem pela anulação do leilão, dez anos após a venda da Companhia?
Paulo Passarinho – No momento em que o governo Fernando Henrique tentou privatizar a Vale, houve um fortíssimo movimento de resistência que culminou com manifestações importantes por ocasião do leilão. Nesse período, mais de cem ações foram impetradas na Justiça e reunidas na Comarca de Belém do Pará, por decisão da própria Justiça. Recentemente, uma juíza de Brasília concedeu parecer favorável para a Justiça realizar uma revisão de toda a avaliação dos ativos da empresa que serviram de base para a definição e fixação do preço mínimo do leilão. Esse precedente foi importante, porque isso abre objetivamente a possibilidade da Justiça decretar a anulação do ato de venda da empresa.
IHU On-Line - O Governo FHC recebe muitas críticas pela privatização da Vale. Como deveria, frente a essas mobilizações para a anulação do leilão, ser a posição do governo?
Paulo Passarinho – Boa parte daquelas pessoas que integram o governo atual tiveram um papel muito destacado nessa luta de resistência da venda da Vale do Rio Doce. O Governo Lula, hoje, pode incentivar politicamente a participação dos movimentos sociais na luta de resistência. Mas isso nem é mais tão importante nessa altura do campeonato. Caso o governo fosse coerente, ele orientaria, enquanto executivo, uma mudança de posição de advocacia geral da União. A advocacia que hoje defende a União, procurando defender a lisura do processo de venda da Vale, poderia mudar de posição e passar a concordar com os argumentos que questionam a venda da Companhia. O mínimo de coerência do governo Lula exigiria isso.
IHU On-Line - Como o senhor avalia a divulgação do plebiscito nos meios de comunicação?
Paulo Passarinho – Muito fraca. Não temos acompanhado, dentro dos mais importantes veículos de comunicação do País, e principalmente as redes nacionais de televisão, a relevância que o assunto merece, sob o ponto de vista do interesse nacional. Essas atitudes mostram o caráter faccioso da grande imprensa no Brasil. Num momento em que se discute a questão da liberdade de imprensa, fica claro que essa liberdade de imprensa está condicionada aos interesses do grande capital.
IHU On-Line - E como o senhor percebe a atitude da empresa, que se utiliza de publicidade televisiva em horário nobre para contrapor à campanha e mostrar seu vínculo com o Brasil e o meio ambiente?
Paulo Passarinho – É uma contra-propaganda, uma tentativa de resposta institucional do eventual crescimento do movimento que contesta essa venda criminosa da Vale para grupos privados. Eles estão partindo para uma contra-ofensiva, procurando destacar uma chamada política de responsabilidade social da empresa, que nós sabemos que é questionada pelos próprios trabalhadores. Eles são submetidos a péssimas condições de trabalho, que, infelizmente, o mundo do trabalho vem sofrendo de forma assídua no Brasil.
Meio ambiente
Um dos aspectos mais graves que a Vale acaba incorrendo é nas agressões ao meio ambiente. Hoje, em vários estados em que a Companhia possui instalações, os trabalhadores reclamam da maneira como a empresa atua, prejudicando populações que se vêem vulneráveis à agressiva política da empresa.
IHU On-Line - A campanha do plebiscito da Vale tem conseguido despertar a consciência do povo brasileiro sobre a importância da empresa para o País?
Paulo Passarinho – Eu vou ser sincero. A campanha atual do plebiscito está carecendo de uma adesão mais firme por parte de vários setores que já estiveram engajados em outros plebiscitos populares. Particularmente, posso citar o caso da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), que, embora formalmente estejam engajadas na campanha do plebiscito no tocante da Vale do Rio Doce, estão omitindo as três outras questões fundamentais do plebiscito. Essas perguntas refletem sobre o endividamento do Estado brasileiro, o processo de tarifas residenciais de tarifa elétrica e os processos de contra-reforma da previdência.
O próprio engajamento dessas entidades na campanha da Vale deixa muito a desejar, na medida em que os seus militantes não têm despendido a mesma prioridade a essa frente de luta que já foi objeto, em outras ocasiões, de um envolvimento muito mais forte por parte dessas entidades. O que tenho a destacar é que o esforço é muito grande, mas há uma fratura na unidade do movimento, seja em termos de todas as unidades aceitarem o conjunto das quatro perguntas formuladas, como o próprio engajamento direto na campanha.
IHU On-Line – A resistência em divulgar as outras três perguntas que compõem o plebiscito pode ser atribuída ao fato dos movimentos sociais não quererem criticar o governo?
Paulo Passarinho – Essas entidades não querem ajudar o povo brasileiro a ter percepção que os problemas relativos à forma como o Brasil vem sendo governado são a rigor de uma natureza estratégica em relação ao conjunto das ações do governo. Os equívocos do atual governo não estão relacionados, necessariamente, a uma não revisão do processo de privatização. Estão relacionados, sim, às opções de política econômica, que se manifestam naturalmente na continuidade do processo criminoso de endividamento do Estado brasileiro e na não revisão de toda a desestruturação que o Governo FHC promoveu no setor elétrico brasileiro, e inclusive pelo comprometimento de o Governo Lula em avançar no processo de retirada de direitos dos trabalhadores na área da previdência social pública. Então, quando as direções da UNE e da CUT omitem essas três questões, parece que eles pretendem quebrar essa possibilidade de se estabelecer um entendimento global dos equívocos do próprio Governo Lula. Quando eles isolam o problema da Vale do Rio Doce desses outros aspectos, demonstram muito bem que, em pleno governo de Lula, as privatizações continuam. Mostrar esses aspectos não interessam a essas direções que, hoje, se colocam muito subordinadas ao Governo Lula.
IHU On-Line - O que o Brasil pode ganhar e, pensando em questões financeiras, lucrar com a reestatização da Vale do Rio Doce?
Paulo Passarinho – Em primeiro lugar, anular um processo de venda que foi ridículo no seu preço, levando em conta os ativos da Petrobras. A Vale foi vendida por R$ 3,3 bilhões, e gera, atualmente, lucros semestrais astronômicos. Em segundo lugar, voltar a ter o controle do estoque de terras, jazidas, da malha de ferrovias que a empresa dispõe e que hoje opera de forma monopolistica, e especialmente, poder enquadrar a Vale dentro deste esforço de mudar o Estado brasileiro e o modelo de desenvolvimento que nós temos.
IHU On-Line - Atualmente, o patrimônio da Vale está avaliado em mais de 200 bilhões de reais, com faturamento de mais de 70 bilhões de reais. O que esse valor significaria para o Brasil, caso a empresa fosse totalmente estatal?
Paulo Passarinho – O mais importante não seria o valor em si, mas a capacidade de articulação da corporação Vale do Rio Doce com outros setores econômicos. A empresa poderia colocar sua malha ferroviária a serviço de um processo muito mais amplo de integração de segmentos produtivos, de integração regional do País. Seria possível também, aproveitar a sinergia que a empresa tem com outros setores para poder alavancar e criar melhores condições para esse novo de funcionamento da economia brasileira.
IHU On-Line - Quais são as expectativas para a semana de votação?
Paulo Passarinho – A expectativa é aumentar o grau de conhecimento de parcelas da população brasileira com relação aos nossos problemas, e à importância da Vale. Esperamos que, principalmente, isso venha a se manifestar no comparecimento expressivo de brasileiros às urnas do plebiscito popular. Essa atitude funcionaria como um instrumento de pressão política sobre o Governo Lula, extremamente importante, para sensibilizá-los para uma mudança em relação ao processo de privatização que o Estado brasileiro sofreu nos anos 1990.
IHU On-Line - Se as votações pela anulação do leilão forem positivas, qual será o próximo passo para reestatizar a empresa?
Paulo Passarinho – O próximo passo é fazer valer os processos que estão na Justiça e que, inclusive hoje, abre a oportunidade de uma revisão legal e formal daquele preço mínimo que foi estabelecido em 1997.
IHU On-Line - De que maneira os votos conseguirão influenciar na decisão final? Se a Vale for reestatizada, quando isso irá ocorrer? Há previsões?
Paulo Passarinho – Os votos demonstrarão que a população está sensibilizada pela questão da Vale, e lutando pela sua reestatização através da decretação da Justiça, pela anulação do leilão. A decisão vai depender da Justiça. Nossa esperança é que a luta no campo jurídico venha resultar em uma vitória.
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A Vale é nossa. O plebiscito popular e a pouca participação da CUT e da UNE. Entrevista especial com Paulo Passarinho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU