24 Agosto 2007
O projeto bolivariano, iniciado com Simon Bolívar e retomado por Chávez, na Venezuela, tem gerado inúmeras notícias na mídia internacional. Inclui temas que vão da nacionalização do petróleo à não renovação da concessão à RCTV. Chávez é visto, pelos meios de comunicação, como um ditador, sendo quase diabolizado. No entanto, o povo, em sua maioria, o apóia veementemente. O que há de verdade e o que há de mentira nas notícias sobre a Venezuela? Essa é uma das questões que a IHU On-Line tentou desvendar na entrevista realizada, pessoalmente, com Adrián Padilla Fernández e Norah Gamboa Vela, professores da Universidade Simon Rodriguez e da Universidade Bolivariana, respectivamente.
Adrián e Norah fazem um resgate histórico da política venezuelana para que possamos entender as posições das mídias e o nível do desenvolvimento do país durante o governo Hugo Chávez. Para Adrián, “o povo só era notícia quando estava envolvido com violência, crime ou em momentos cruciais, como as eleições”. “A mídia não refletia o que realmente estava acontecendo no país”, complementa Norah.
Adrián Padilla Fernández é professor do Curso de Comunicação Social da Universidade Simon Rodriguez, focando em disciplinas como Seminário avançado em jornalismo e teorias da comunicação. Por sua vez, com forte experiência em Jornalismo on-line, planejamento gráfico e redação jornalística, Norah Gamboa Vela é professora do curso de Jornalismo da Universidade Bolivariana.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como vocês analisam a relação do povo venezuelano com a mídia antes e depois de Chávez no governo do país? Como a sociedade vive com essa imagem que a mídia faz de Chávez?
Adrián Padilla Fernández – O que aparecia na mídia da Venezuela dava a impressão de que se tratava de um país com uma forte paz social. Parecia ser um país em que não estavam acontecendo problemas e os que aconteciam eram naturais, ou seja, sempre havia existido pobres e miséria e eles continuariam a existir. O povo só era notícia quando estava envolvido com violência, crime ou em momentos cruciais, como as eleições. Então, os conglomerados de comunicação e os grupos de interesses, que detinham tais meios de comunicação, queriam tirar proveito desse momento político e se aliavam aos partidos tradicionais.
Retomando a história
Em 1960, depois que caiu a ditadura do Perez Gimenez (1), que foi um governo militar que caiu por pressão popular, dos partidos políticos, durante quarenta anos quem governou o país foram dois partidos de direita. É engraçado porque na Venezuela ninguém, até 1960, se assumia verdadeiramente como de direita. A nossa história foi desenvolvida sob uma visão liberal e inspirada na Revolução Francesa. Então, no percurso histórico, a pauta era mais liberal. Ninguém de governo se assumiu como de direita, até porque o peso do ideal e da vida do Simon Bolívar (2), chamado “O libertador” da Venezuela, era de emancipação, de liberdade. Naquele momento, não era uma referência, então, ser chamado de direita ou de esquerda. Mas foi, com certeza, um momento antiimperialista. Simon Bolívar foi contra o Império espanhol e já observava, naquele momento, a ameaça do Império Estadunidense, que estava se constituindo. Ele falava que tínhamos que ficar de olho no norte e que era para considerarmos a idéia de uma só nação, ou seja, ele falava na consolidação da Grande Colômbia, que, naquele tempo, era constituída pela Venezuela, Colômbia e Equador.
Depois que Simon Bolívar teve um problema interno, o país foi dividido e começou uma nova história. A Venezuela, em particular, sempre teve um sistema liberal. Todo mundo, inclusive os partidos a que nos referimos, falava que era democrático. Durante a ditadura, os partidos de esquerda, que eram constituídos pelo Partido Comunista e pelo Movimento de Esquerda Revolucionária, participaram dessa luta, mas foram excluídos do poder por um acordo chamado Acordo de Punto Fijo (3). O acordo dizia que o governo seria dividido entre esses dois grupos políticos apenas. A primeira coisa que fizeram foi ilegalizar os partidos de esquerda, prender os líderes e perseguir os militantes. Então, começou esse período conhecido como puntofijismo, que durou 40 anos. Os meios de comunicação estão fortemente ligados a esse processo. Os grupos de esquerda e o povo foram sempre excluídos da centralidade desses meios. Só que no processo histórico esse projeto foi se desfigurando, perdendo o sentido, se esvaziando de doutrina política. A idéia desse projeto era apenas o poder e o lucro.
Norah Gamboa Vela – Era só o poder para um pequeno grupo. A mídia não refletia o que realmente estava acontecendo no país. Havia desaparecidos, mortos, uma grande quantidade de perseguições, mas essas notícias não foram informadas pelos meios de comunicação. Era como se nada disso estivesse acontecendo. Se alguém era morto na rua, havia sido morto, pronto e acabou. Estamos falando de 40 anos de uma democracia que era mais ditadura do que outra coisa. Realmente, era a ditadura de dois partidos políticos formados pelo mesmo grupo. Essa situação persistiu até que houve uma explosão social, porque a gente já não tinha o dinheiro e a situação econômica ficou muito ruim, sobretudo para os setores pobres. 80% da população da Venezuela era muito pobre, mesmo vivendo num país rico. Perguntavam-me: “Mas vocês não têm o petróleo?”. E eu respondia: “Nós não temos o petróleo, pois ele está nas mãos de outro que não é o povo da Venezuela”. O petróleo e toda a riqueza da Venezuela estavam nas mãos de empresas estrangeiras. Nada, portanto, ficava na Venezuela.
IHU On-Line – E como o povo agora vive o desenvolvimento de uma verdadeira democracia dentro de um sistema que não deixa de ser capitalista?
Adrián Padilla Fernández – Vem acontecendo um conjunto de fatos que são inovadores em relação à política nacional e às referências que se tem da esquerda. Tanto é assim que muitos grupos e correntes políticas, que estiveram ligadas às transformações profundas e movimentos políticos bem engajados, no momento em que aparece Chávez não o acompanharam e até o olharam com receio, pelo fato de ser um militar. Nós, como povo, ficamos com um pé atrás, olhando e esperando o que aconteceria. Mas os fatos foram acontecendo e criando um referente novo. A promessa que Chávez fez no processo eleitoral foi: “Vamos refundar a pátria”. Ele prometia refazer a sociedade venezuelana, com um povo que começou a lutar pela independência com o projeto bolivariano e que de 1830 para cá tem sido traído. Então, na hora em que assume o governo, o primeiro decreto de Chávez foi a Reforma Constitucional, a fim de realmente refundar a pátria.
Chávez começou a criar todo um marco jurídico para que esta mudança fosse e seja possível. As pessoas ficavam se perguntando se era possível fazer uma revolução dentro dos parâmetros da democracia liberal, do mundo capitalista de produção. Num primeiro momento, parecia que não, mas, na medida em que os fatos iam acontecendo, parecia cada vez mais possível fazer as mudanças, mudar as regras do jogo dentro da própria dinâmica liberal. E, com isso, a mentalidade das pessoas foi mudando em relação ao presidente.
Norah Gamboa Vela – A primeira lógica dessa mudança era tentar ser um país independente. Para isso, o governo tem se apoiado muito na pequena indústria e não na grande, que era o que acontecia antes. Além disso, apóia-se em cooperativas, empresas de produção social, que são formadas por pessoas que moram em um lugar pequeno e têm um projeto produtivo. Essas empresas têm assessorias técnicas e formação. E como isso tudo começa? Com uma Reforma na Educação. Todo mundo hoje na Venezuela está estudando. Neste momento, podemos dizer que existe 0% de analfabetismo no país. Antes, o nível de analfabetismo era muito alto. Hoje, as oportunidades existem para quem quiser aproveitar e todas elas de graça. Isso está se refletindo em toda a sociedade. Todos têm um parente, um vizinho, um conhecido que está estudando. Desde os pequeninos até os velhinhos estão estudando. Antes, era muito caro estudar.
IHU On-Line – A oposição hoje continua sendo formada pelos grandes empresários da Venezuela?
Norah Gamboa Vela – São os mesmo de sempre. A oposição é formada por aqueles que antes eram os donos do país.
Adrián Padilla Fernández – Na medida em que esses 40 anos passaram, esses partidos foram perdendo sentido, mas a luta em termos de projeto político continuou. Construiu-se um projeto novo que não tinha liderança de um partido. O pessoal juntou forças políticas, alguns partidos de esquerda, expressões políticas novas, agrupamentos, comunidades e apóiam o atual projeto político na participação do povo. Até então, os partidos tradicionais tinham o controle da população e, além de fazerem fraudes, utilizavam benefícios sociais e a mídia para se manterem no poder e manter a população calma. Essa possibilidade de influenciar pessoas também foi se perdendo. No final da sua hegemonia, eles já não tinham forças para articular e, na medida em que isso foi acontecendo, os atores políticos mudaram. Os atores políticos mais dominantes serão outros, no caso Chávez. Depois que os conservadores perdem a hegemonia, aparecem, inclusive, os grupos indígenas para participar da reconstrução da Venezuela.
A presença dos indígenas na Venezuela, comparada a outros países da América Latina, não é tão grande, tão significativa, porque foram aniquilados no processo da conquista. Mas existem e são importantes. Hoje, na Venezuela, são reconhecidos 47 grupos indígenas, que têm língua e cultura própria e são considerados agentes importantes para o país. Esses agentes (indígenas, camponeses, operários etc.) aparecem nesse novo momento e com isso aparece, finalmente, a igreja, que antes era ligada aos partidos conservadores sem assumirem.
Hoje, a mídia considera como notícia denúncias de problemas sociais estruturais que antigamente não apareciam. Há miséria, problemas de segurança, tráfico, mas isso já existia. E, para mudar tudo isso, precisa ser feita uma dinâmica de transformação profunda, que passa pela educação, pela moradia, pelas condições sociais de vida das pessoas. Por exemplo, acabaremos com a criminalidade quando trabalharmos com as crianças dos bairros pobres, que provavelmente virariam criminosos no futuro. Ao atender seus problemas, muda-se toda uma realidade. Isso é uma estratégia integral para tentar transformar a sociedade. Mas, para a mídia, o que está sendo feito pelo governo não vale nada.
A mídia diz que essas mudanças não servem, pois são de baixa qualidade, uma farsa. Agora, essa mídia que antigamente era passiva em relação aos problemas sociais, é ativa e está denunciando, atenta a tudo o que acontece. Ela está "preocupada" com o que está acontecendo com o povo. Antigamente, quando isso acontecia, não existiam problemas de abastecimento nem problemas que hoje estão sendo gerados por causa das ações desses grupos empresariais.
Norah Gamboa Vela – Eles não fazem a produção que precisam fazer; pelo contrário; têm parado a produção.
Adrián Padilla Fernández – Além do mais, o povo, para comprar, tem hoje dinheiro que antes não tinha.
Norah Gamboa Vela – Porque o dinheiro que as pessoas têm nesse momento, a partir do aumento do salário mínimo e do emprego, é maior. Mas, agora que elas podem comprar, não há produtos. Essa é uma forma de sabotar o que está sendo feito no governo. Então, o governo, até agora, vem dando algumas respostas, formando mercados nos bairros. Infelizmente, com o boicote à produção de alimentos, ficou muito evidente a fraqueza do governo enquanto à distribuição de alimentos. Por isso, a solução foi criar centros de distribuição de alimentos.
Além disso, o preço dos alimentos nesses centros é regulado e, portanto, mais barato do do que nos supermercados. Na primeira fase, os centros importaram muitos produtos brasileiros. Eram acordos comerciais feitos entre a Venezuela e empresas brasileiras, e muitos disseram que o governo brasileiro estava apoiando a Venezuela, mas não é verdade, não nesse sentido. Na Venezuela, os grupos que comandavam o governo sempre incutiram a cultura de que os venezuelanos não tinham a capacidade de fazer nada, de produzir nada. Essa mentalidade é criada e mantida ainda, embora não tanto quanto antes. Quando as grandes empresas pararam de produzir, surgiram pequenas para produzir as coisas que não tinham durante a crise e com custo muito menor. Há uma quantidade de marcas novas no mercado e todas são de produção nacional. Então, é possível fazer: as pessoas só precisam de tecnologias e apoio. O comerciante não tem dinheiro para manter uma empresa se não receber apoios, taxas baixas. Esses apoios existem por parte do governo.
Adrián Padilla Fernández – Outra questão que foi incorporada na época é a questão do desenvolvimento endógeno e a questão da soberania. A soberania era vista como um tema militar, em termos de produção de território, como um problema integral, em que a alimentação é fundamental. Um povo que não é capaz de se auto-abastecer na alimentação é um povo dependente. Sendo dependente, jamais poderia ser soberano. Então, a soberania é tratada nesse sentido. Precisamos garantir a produção nacional de alimentos pelo próprio país. Nisso se trabalha, hoje em dia, com os acordos comerciais, como com o Irã. Antes, os Estados Unidos eram quase o único sócio comercial da Venezuela. Tudo era feito por eles e agora não é mais, o que gera algumas crises.
Eles dizem que a Venezuela está se armando, está entrando numa corrida armamentista, se armando com os russos, mas essas compras e acordos sempre foram feitos. Só que os únicos fornecedores, anteriormente, eram os Estados Unidos. Então, apenas mudamos o local dos contratos. Tudo começou porque esse governo tem sido pressionado. O governo e o processo bolivariano têm se radicalizado na medida em que têm sido pressionados pelos conservadores. Se eles pressionam, o governo radicaliza mais. É assim a relação com os Estados Unidos. No caso, a compra de armamento russo tem a ver com um tema: os aviões de fabricação estadunidense F16 estavam sucateados. Era, então, necessário comprar peças, trocar, e o mercado dizia que só era possível comprar novas peças nos Estados Unidos e na Espanha, que, no entanto, não quiseram vender à Venezuela. Então, a Venezuela comprou aviões dos russos. Ou seja, eles nos levaram a isso. Assim acontece internamente, como disse: quanto mais pressionam o governo, mais decisões radicais vão sendo tomadas.
As ações em relação à mídia têm sido cada vez mais radicais, pois ela tenta desmontar o projeto político bolivariano. Aí podemos pegar um referente teórico do Pierre Bourdieu (4), quando fala do capital simbólico e no caso do jornalismo seria o caso da credibilidade, pois cada vez mais esse capital simbólico da mídia tradicional tem caído mais e mais. Tanto que as pessoas comuns, e não falo em analistas e pesquisadores, pegam um jornal e falam que aquelas denúncias relacionadas ao governo devem ser mentiras, pela maneira como estão sendo trabalhadas as informações.
Norah Gamboa Vela – Um exemplo disso: estão investindo muito no transporte. O governo está fazendo uma rede ferroviária, em todo o país. Quando inauguraram um trecho dessa rede, que vai até outra cidade próxima a Caracas, que é onde nós moramos, falavam que ele não existia, que era mentira que o tinham inaugurado, que pagavam as pessoas para falar que existia um. Os jornais, a TV e algumas rádios já não têm a credibilidade que tinham. Quando fecharam a Rádio Caracas (5), ninguém acreditava nesse canal mais, apesar de ter o maior ibope. Então, quando se fala na liberdade de expressão, se fala em quê? Na liberdade de expressão de quem? Do grupo econômico, porque, na verdade, o povo comum não tem acesso à mídia.
Adrián Padilla Fernández – Em termos jurídicos, a liberdade de expressão é um direito individual das pessoas, não das corporações. Então, o direito de expressão é de quem? De um canal? De um grupo econômico? Ou das pessoas naturais? Muitas pessoas que falavam em defesa da liberdade de expressão não assistiam a esse canal.
Norah Gamboa Vela – A maioria dos estudantes universitários que saíram às ruas, querendo as universidades privadas, não sabiam o que sentiam falta do Canal Caracas. Eles não tinham a menor idéia da programação, não assistiam, mas estavam contra a liberdade de expressão. Eles têm TV por assinatura e não assistiam a esse canal, que é muito popular.
IHU On-Line – Como vocês vêem as articulações para tentar inserir a Venezuela no Mercosul e os Estados sendo, abertamente, contrários a isso?
Adrián Padilla Fernández – O caso do Mercosul é interessante para a Venezuela, pois vemos a integração como um tema importante para o desenvolvimento de todos os países participantes. Desde o começo do Governo Chávez, ele manifestou o interesse da Venezuela em fazer parte do Mercosul. Uma questão que já se discutiu no Mercosul, não só pela Venezuela, é o fato de ir além da questão comercial. O Mercosul não pode ficar tratar de um acordo comercial, mas ampliar para a integração cultural, de intercâmbio, de aprofundar o que seria uma identidade, que possui sua unidade e diversidade. No caso da América Latina, é no Mercosul que está a possibilidade de podermos nos fortalecer para poder negociar em melhores condições com outros exemplos de poder, como os Estados Unidos e a Europa. Então, nesse sentido, é importante para a Venezuela essa participação.
Só que, nos últimos tempos, apareceu com bastante força este posicionamento político, estas forças políticas, que se articulam no continente, onde, em algum momento, grupos mais conservadores de direita tentam evitar que esta integração aconteça. Há o temor de que possa vir por um outro caminho, que não o tradicional. Mas isso aparece hoje com a questão discutida no Congresso no Brasil, em que a isca foi o caso da RCTV, quando veio uma pessoa para cá criar todo um condicionamento. Já tinha um acordo, devido às reuniões que já aconteceram entre os países do Mercosul. Tudo vinha sendo feito até agora e, de repente, já não convém, tornou-se perigoso.
Existe um outro projeto também, que é a Alba – Alternativa Bolivariana para as Américas (6), que tem uma questão política, um acordo comercial, mas de solidariedade, já em prática. Esse acordo existe na Bolívia, na Nicarágua e em Cuba. São trocas comerciais justas, com apoio e solidariedade. Mas a Venezuela não quer só a Alba; também precisa do Mercosul. É importante para a Venezuela estar nele. E é importante para o Mercosul que a Venezuela esteja inserida também. É evidente que existe um jogo de interesses políticos e há grupos econômicos sem interesse que a Venezuela possa fazer parte deles. A influência que a Venezuela tem hoje no cenário internacional é muito grande, fazendo com que algumas pessoas apóiem e outras não.
IHU On-Line – Com isso, podemos dizer que Lula e Chávez estão disputando uma liderança na América Latina?
Adrián Padilla Fernández – Acho que não. Até eles falam que se olham como aliados e, como chefes de Estado e líderes políticos, se respeitam muito. Ainda não conseguiram fazer com que o Lula falasse mal do Chávez. E Chávez também fala muito bem do Lula. O Brasil é importante, mas a relação do Brasil com os demais países, hoje, está mais aberta, em termos de propostas. No caso da liderança e do projeto, poderia ter mais peso para o Chávez, mas não é isso que está em questão neste momento. Acho que esta é mais uma questão de liderança coletiva, na qual estão todos os chefes de Estado, que é a proposta que está sendo feita pela Venezuela. Deve existir a vinculação dos chefes de Estado, cada um com sua particularidade, mas com um ponto em comum, que é o continente.
IHU On-Line – Chávez prometeu cem anos de energia para o Uruguai. A Venezuela tem toda esta energia prometida?
Adrián Padilla Fernández – Tem. Em algum momento, alguém falou que o petróleo que temos é uma maldição. Mas alguém falou isso em uma época em que ele estava na mão dos Estados Unidos e de um grupo da Venezuela muito pequeno. Então, é um paradoxo, porque o petróleo é sustentação de um modelo de desenvolvimento, diante do qual nós somos contra. É um modelo de desenvolvimento industrial responsável por muitos problemas globais e ambientais que temos neste momento. A idéia é partir desta fortaleza e aproveitá-la para mudar este modelo. No caso da Venezuela, Chávez falou isso, e trata-se de uma verdade. As reservas de petróleo da Venezuela são as maiores do mundo. Se nós continuamos no mesmo nível de exploração, sem mudar nada que precisa ser mudado, em termos mecânicos, acabaria primeiro o petróleo dos países árabes. Por isso, a Venezuela é tão importante para a geopolítica internacional. Existe aí uma faixa de petróleo que, até agora, era considerada pelas empresas como um petróleo de baixa qualidade. Os Estados Unidos chegaram a falar que sequer era petróleo, e sim betume. Então, eles quiseram tomar conta da faixa, pagando um valor mínimo.
Norah Gamboa Vela – Apenas 1% da exploração ficava na Venezuela.
Adrián Padilla Fernández – Hoje em dia está demonstrado que a qualidade do petróleo é muito alta.
Norah Gamboa Vela – Desde o momento em que começou a exploração do petróleo, os presidentes entregaram a exploração aos Estados Unidos. Eram eles que decidiam, davam o quanto queriam. E isso ficou assim até agora. Então, a Venezuela pode investir em educação e saúde porque o petróleo está dando suporte. Ou seja, o dinheiro do petróleo está ficando no país. O dinheiro é do país, por que não usar? Até ontem as reservas ficavam nas mãos dos Estados Unidos, que eram os administradores. Eles entendiam que faziam um favor.
Notas:
(1) O General Marcos Pérez Gimenez foi Ministro da Defesa da Venezuela até 1952 e logo assumiu a presidência do país. Seu governo era considerado uma ditadura autoritária e personalista, que silenciou as forças da oposição, tanto de direita quanto de esquerda. Fechou os jornais que o criticaram e impôs a ditadura à TV e Rádio. Foi deposto de seu cargo em 1958.
(2) Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar Palacios y Blanco foi um militar venezuelano e líder revolucionário responsável pela independência de vários territórios da América Espanhola. Na França, participou da vida cultural e científica, travando amizade com os naturalistas e exploradores Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland. Em 1805, no Monte Sacro, em Roma, Bolívar proclamou, diante de Simón Rodríguez e do seu amigo Francisco Rodríguez del Toro, que não descansaria enquanto não libertasse toda a América do domínio espanhol. Em 1813, liderou a invasão da Venezuela, sendo proclamado El Libertador.
(3) O Pacto de Punto Fijo (Ponto Fixo, em português) aconteceu em 1959 de uma articulação entre Rómulo Betancourt, Rafael Caldera, Jóvito Villalba. Ele asegurava a alternância no poder de três partidos vetados pela ditadura: Acción Democrática, COPEI e Unión Republicana Democrática (URD). Com isso, os partidos de esquerda foram execrados do pacto, o que gerou a perseguição dos líderes desses partidos e, depois, a luta armada, o que também desencandeou a divisão da Ação Democrática no Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR).
(4) A discussão sociológica do francês Pierre Bourdieu centralizou-se, ao longo de sua obra, na tarefa de desvendar os mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas formas de dominação. Para empreender esta tarefa, Bourdieu desenvolve conceitos específicos, retirando os fatores econômicos do epicentro das análises da sociedade, a partir de um conceito concebido por ele como violência simbólica, no qual advoga sobre da não-arbritariedade da produção simbólica na vida social, advertindo para seu caráter efetivamente legitimador das forças dominantes, que expressam por meio delas seus gostos de classe e estilos de vida, gerando o que seria uma distinção social.
(5) Radio Caracas Televisión (RCTV) é uma rede de televisão privada venezuelana fundada em 1953. Foi a primeira emissora de televisão da Venezuela. A RCTV deixou de transmitir em sinal aberto às 23h59min do dia 27 de maio de 2007, entrando em seu lugar a TVes (Televisora Venezolana Social), ao ser negada a renovação de sua concessão de transmissão, alegando que a emissora teria participado na tentativa do golpe em 2002, fato abordado no documentário “A revolução não será televisionada”.
(6) A Alba é um modelo de integração para os povos da América Latina e Caribe, inspirado nos ensinamentos de Simón Bolívar, alternativo à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta de um mercado comum americano defendido pelos Estados Unidos, porém muito atacado pelos grupos de esquerda de toda a América Latina.
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A reconstrução de um país: a realidade contemporânea da Venezuela. Entrevista especial com Adrián Padilla Fernández e Norah Gamboa Vela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU