20 Junho 2007
Encerrou-se, no último dia 15, o 5º Congresso Nacional do MST. Debatendo os valores humanistas que norteiam a organização, o evento abriu a possibilidade de reafirmar a necessidade de fortalecer as alianças com os movimentos sociais contra o modelo econômico neoliberal que vem sendo executado pelo governo Lula. Só assim o projeto tão idealizado de Reforma Agrária poderá ser executado no Brasil. A IHU On-Line, seguindo o debate sobre o Congresso, entrevistou Jaime Amorim, do Movimento dos Agricultores Sem Terra.
Na entrevista, Jaime faz sua própria avaliação deste 5º Congresso, da relação do governo com o MST, da previsão dos rumos políticos que o país seguirá e das expectativas do Movimento a partir deste evento. “Nós temos a tarefa de massificar a luta pela Reforma Agrária, organizar mais gente, construir a consciência dos sem-terra e da sociedade em torno desse processo. E ainda, nesse processo, manter cada vez mais forte a nossa luta de pressão contra o governo, de resistência contra o latifúndio”, conclui Jaime.
Jaime Amorim é formado em pedagogia pela Faculdade de Educação de Joinville. Faz parte do MST desde o primeiro Congresso, há 20 anos. Atualmente, faz parte da coordenação nacional do MST e da Direção do movimento em Pernambuco.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a sua avaliação do 5º Congresso do MST?
Jaime Amorim – A avaliação que temos ainda é um pouco geral, pois não realizamos a nossa reunião para podermos ter uma avaliação mais profunda. Nós tínhamos, como objetivo principal, reunir em torno de 15 mil pessoas no Congresso, mas cadastramos 17 mil e quinhentas pessoas. Então, houve uma grande participação, em função exatamente do entusiasmo que o Congresso gerou na preparação das bases do movimento. Foi gerada toda uma expectativa, emoção, motivação, e o congresso foi realizado em cima desse sentimento. A conjuntura política é bastante delicada, porque, infelizmente, o governo abdicou do sonho, da vontade pessoal do presidente, de fazer a Reforma Agrária, e fez a opção pela monocultura agroexportadora, ao invés de fazer a mudança do modelo de desenvolvimento da agricultura. Isso, é claro, cria um processo de desestímulo e, ao mesmo tempo, de desmobilização no meio camponês e de todo processo de resistência e de luta do povo. Então, há um processo de desmobilização, ao mesmo tempo em que temos um governo vinculado ao modelo tradicional da monocultura exportadora. Há, ainda, uma ofensiva do agronegócio no país. Este Congresso tentou apontar justamente para o caminho da mobilização, para as organizações das bases e para a consolidação das experiências de Reforma Agrária. O Congresso tentou interpretar essa questão da conjuntura internacional, da situação da agricultura a nível internacional, dos problemas que vivemos no Brasil, os quais são os mesmos vividos em toda a América Latina, e que há necessidade urgente de fazer lutas e mobilizar-se contra esse modelo que destrói as pessoas, o meio ambiente, além de gerar exclusão. Mesmo assim, o Congresso aponta que nossa tarefa principal, nesse momento, é fortalecer a nossa luta na base, massificando nossa luta na base e estruturando melhor o nosso processo de educação e de formação. Tendo em vista esse contexto, podemos dizer que o nosso Congresso teve grande êxito, não só porque mobilizou uma quantidade recorde de pessoas, mas também pela qualidade da participação, das exposições e pelas intervenções que foram feitas durante ele.
IHU On-Line - O MST rompeu com o governo?
Jaime Amorim – Não era tarefa do Congresso, nem muito menos do movimento, romper com o governo. Nunca rompemos com governo nenhum, pois não essa não é nossa tarefa. Não somos e nunca pertencemos a algum governo; esta idéia é muito mais da grande mídia do que do Movimento Sem Terra. Desde o primeiro dia em que o governo Lula tomou posse, nós decidimos que o MST manteria a nossa autonomia e a mantém até hoje. A tarefa de realizar a Reforma Agrária é do governo. Nosso propósito é mobilizar o povo para que pressione o governo a cumprir aquilo que determina a legislação brasileira. Nós nem rompemos nem ficamos como oposição ao governo. Reafirmo: continuamos mantendo aquilo que temos feito até hoje. A única coisa que o Congresso de fato aponta é que estamos cada vez mais críticos em relação à política adotada pelo governo.
IHU On-Line – A direção do movimento ainda se identifica com o PT?
Jaime Amorim – Nós temos uma relação histórica com o PT, com a CUT e outros partidos, que, no início dos anos 1980, surgiram como organização de massas. O PT realizou uma mudança, que é importante para a história do país em relação aos partidos tradicionais. Houve, aí, uma inversão, dos partidos de núcleos para um partido de massas. O PT passa, então, a ser uma das principais opções no contexto eleitoral. Porque nem sempre, na história clássica, os partidos disputaram eleições. Infelizmente, no Brasil, os partidos se constituem para disputarem eleição, e não para organizar o povo. Então, nós partimos dessa idéia de que o movimento sempre teve o PT como aliado na luta, e é claro que, nos últimos anos, com o partido no governo, mantemos muitos companheiros que possuem vínculos com ele. Mas, nesse exato momento, a relação é apenas histórica, pois o PT é governo e nós não somos e nem pretendemos pertencer a ele. Claro que uma mudança ocorrerá quando o PT sair do governo e vir para a oposição, somando-se ao processo de organização dos companheiros. Mas nós não somos o PT. A grande maioria da direção e militantes não são filiados a esse partido, como também não são filiados a outros partidos.
IHU On-Line - O MST avalia que com os rumos do governo Lula se encerrou um ciclo da esquerda brasileira, que teve início com a construção do PT e da CUT nos anos 1970. No que apostar daqui para frente, nesse novo “ciclo” do governo Lula?
Jaime Amorim – O PT se preparou, montou toda a sua estratégia e táticas, em função do processo eleitoral e de chegar ao governo do Brasil. Desse ponto de vista, encerrou-se sim. O PT conseguiu a sua estratégia máxima. Desde 1989, quando ele viu a possibilidade de chegar à presidência da república, trabalhou todas as táticas e as direcionou a esse objetivo máximo. O partido chegou ao poder, dando por encerrado esse ciclo. Agora, esperamos que novos ciclos sejam iniciados, mas, infelizmente, o PT fez coisas diferentes do que o povo esperava. Nós acreditávamos que o partido, finalmente, no governo, faria mudanças históricas dentro da estrutura do Estado, a fim de fortalecer a luta do trabalhador, para que dentro do governo fossem criadas condições para que os trabalhadores pudessem estar mais mobilizados, mais organizados e mais fortalecidos. O PT, no governo, optou dar sinais à burguesia de que ele tem capacidade de administrar o Estado burguês e passou a fazer isso com mais competência do que as elites. O Governo Lula não está mais do que administrando, com mais competência, o mesmo projeto que foi de Fernando Henrique Cardoso, ou seja, a implantação do modelo neoliberal no país. Então, em função disto, acredita-se que o PT terá que construir outras estratégias, já que seu principal objetivo foi atingido. A crise das esquerdas e a crise no PT, que não é nossa crise, pois nossa estratégia máxima é a realização de uma ampla e massiva Reforma Agrária no país com mudança social, obrigará a uma reformulação de estratégias. É nisso que nós teremos de apostar.
IHU On-Line – Como será a luta contra a transposição do Rio São Francisco? Como relacionam este fato com as privatizações?
Jaime Amorim – O Congresso aponta essa nossa tarefa, digamos, mais ampla. Uma de nossas principais tarefas é que a questão da reforma deve ser a forma de resolver os problemas sociais, das injustiças sociais, da fome, do desemprego, do trabalho, da produção de alimentos, da mudança da matriz tecnológica no campo. Então, a Reforma Agrária tem que resolver esses problemas sociais. Mas o Congresso acredita que a luta pela Reforma Agrária precisa apontar para a construção da soberania popular. A primeira grande luta que vamos fazer no Brasil, e eu creio que como o movimento sai fortalecido do Congresso, é a luta pela reestatização da Vale do Rio Doce. Acho que ela une o Brasil todo. É claro que tantas outras lutas, como a questão da transposição do Rio São Francisco, não unem, pois muitos movimentos sociais do Nordeste são a favor. Apesar de entender a realidade do Nordeste, passam a defender a transposição como alternativa de desenvolvimento e geração de empregos. A transposição não unifica. Mas a luta pela Vale do Rio Doce unifica do Norte ao Sul do País, e acho que será o grande ponto de construção da unidade de todos os trabalhadores organizados no Brasil.
IHU On-Line – Qual será a estratégia, daqui para frente, em relação à luta pela Reforma Agrária?
Jaime Amorim – Eu creio que o grande problema da Reforma Agrária, e o Congresso apontou isso, é: primeiramente, a opção feita pelo governo, que foi optar por um modelo que não é o nosso. Agora, teremos que fazer uma luta, extensiva e permanente, contra esse modelo excludente, que hoje é chamado de agronegócio. Ele, na verdade, é Reforma Agrária a continuidade do modelo histórico. Em segundo lugar, é a idéia de que a luta pelaprecisa ser fortalecida. Então, surge a idéia de que essa luta não é apenas do trabalhador, ou seja, ela precisa ser compreendida por toda a sociedade. Essa Reforma Agrária não pode ser apenas de interesse dos pequenos agricultores ou dos sem-terra, mas sim interesse de um projeto de desenvolvimento nacional. E, por último, nós temos a tarefa de massificar a luta por essa reforma, organizar mais gente, construir a consciência dos sem-terra e da sociedade em torno desse processo. E ainda, nesse processo, manter cada vez mais forte a nossa luta de pressão contra o governo, de resistência contra o latifúndio, garantindo, ao mesmo tempo, um processo de negociação permanente com o Governo Federal e com os governos estaduais.
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"Nossa tarefa é massificar a luta pela Reforma Agrária". Entrevista especial com Jaime Amorim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU