07 Julho 2015
“O Manifesto Eco Modernista se indispõe com o que acredito ser uma das maiores contribuições do ambientalismo: a defesa da justiça social”, critica o pesquisador.
Imagem: revistaemdia.com.br |
Na avaliação do pesquisador, o Manifesto “revela adesão apaixonada ao ideário da ecoefiência, matriz de linhas de pensamento como o capitalismo ecológico ou a economia verde. Isto explica a razão de as considerações associadas ao meio natural e à noção de justiça ambiental serem raras ou inexistentes”.
Entre os pontos centrais do Manifesto Eco Modernista, destaca-se a discussão sobre o papel das tecnologias para resolver os problemas ambientais, em oposição aos impactos promovidos pelo moderno estilo de vida. “Note-se que o Manifesto sequer menciona os impactos promovidos pelo moderno estilo de vida e seus sucedâneos, o consumismo e a sociedade do descartável. Isto apesar de serem inseparáveis dos mecanismos que estão alimentando a crise ambiental dos tempos modernos. (...) A aposta básica do documento é a intensificação das atividades humanas respaldadas por técnicas avançadas, tendo por meta o avanço da modernização”, frisa.
Waldman também comenta rapidamente a Encíclica Laudato Si’, chamando atenção para o fato de o documento ter sido publicado num momento marcado por uma “encruzilhada ambiental, impondo a necessidade de instauração de um novo equilíbrio a zelar pelo ambiente”. Mas essa harmonia, ressalta, “somente será assegurada com avanços sociais, posição consignada pela Encíclica juntamente com a crítica ao consumismo e à sociedade do descartável”.
Maurício Waldman é doutor em Geografia, mestre em Antropologia e graduado em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP. Cursou pós-doutorado em Geociências pela Universidade de Campinas - Unicamp e em Relações Internacionais pela USP. Iniciou em janeiro de 2014 seu 3º pós-doutorado, pesquisa centrada na área do meio ambiente com foco na questão dos catadores, incineração e reciclagem dos resíduos sólidos. A investigação possui respaldo institucional da Universidade do Oeste Paulista - Unoeste, de Presidente Prudente, e financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Maurício Waldman foi Chefe da Coleta Seletiva de Lixo da Capital paulista e Coordenador do Meio Ambiente em São Bernardo do Campo. Realizou duas traduções de monta: El Ecologismo de los Pobres - Conflictos Ambientales y Lenguajes de Valoración (de Joan Martinez Alier) e Fifty Major Philosophers (de Diané Collinson). Mais informação no Portal Acadêmico do Professor Maurício Waldman: www.mw.pro.br.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que é o Manifesto Eco Modernista?
Foto: Arquivo Pessoal
Maurício Waldman - O Manifesto é um documento lançado em abril de 2015, assinado por 18 personalidades de proa do campo ambiental. Este texto contesta muitas teses clássicas do ambientalismo. Em particular, coloca em discussão as percepções presentes no imaginário social a respeito da natureza. Nesta linha de compreensão – e independentemente da opinião que venha a ser formada sobre o material – o Manifesto cria um fato midiático, conceitual e político. Isto é inerente ao fato de o documento fazer uso da nomenclatura Manifesto.
Manifesto sempre é uma declaração pública e solene, trazida a público com o fito de externalizar uma dada posição ou programa, adotada por pessoas interessadas em questionar determinado estado de coisas. Se, como lembram os manuais de ciência política, todos os atos humanos possuem um reflexo político, isto é ainda mais verdadeiro quando um texto é investido do caráter de Manifesto.
IHU On-Line – Quais são os questionamentos propostos pelo Manifesto?
Maurício Waldman - Atente-se que o Manifesto vem à luz num momento extremamente crítico para a humanidade. Especialmente pelo acirramento de uma crise ambiental historicamente sem precedentes. Para piorar, os programas existentes que tentam dar conta da destruição do meio ambiente, têm fracassado. Demonstram soberba incompetência até mesmo para mitigar as sequelas ambientalmente mais imediatas da crise. Só por isso, o material não tem como ser ignorado. Contudo, isto não implica em aceitar as teses do Manifesto. Até por friccionar com amplos setores da comunidade ambientalista, o documento defende propostas de difícil pactuação.
IHU On-Line – Há resistências ao Manifesto? Por quais razões?
Maurício Waldman - Note-se que o ambientalismo nunca configurou um corpo de ideias coeso. Aliás, o ambientalismo é refratário ao monolitismo. Nesta perspectiva, Joan Martinez Alier, em sua obra icônica O Ecologismo dos Pobres, alerta que o ecologismo exibe três vertentes básicas: o evangelho da ecoeficiência, o culto ao silvestre e o ecologismo dos pobres ou justiça ambiental. Ao mesmo tempo, Alier recorda que a despeito das diferenças existentes entre estas três correntes, a regra é que na materialidade social encontramos grupos, pessoas e instituições que combinam de modo variável as três linhas. Entretanto, até porque o que está em foco é uma narrativa autointitulada Manifesto, o que se tem são proposições muito centradas numa tomada de posição específica.
IHU On-Line – Qual é a posição sugerida pelo Manifesto?
Maurício Waldman - O Manifesto revela adesão apaixonada ao ideário da ecoeficiência, matriz de linhas de pensamento como o capitalismo ecológico ou a economia verde. Isto explica a razão de as considerações associadas ao meio natural e à noção de justiça ambiental serem raras ou inexistentes. Quando o texto em algum momento sinaliza nesta direção, é sempre articulando tais concepções enquanto ator coadjuvante, expurgadas de papel determinante. A viga mestra do documento está firmemente calçada na apologia da ecoeficiência. A mais ver, seria do mesmo modo pertinente advertir que a despeito de as teses do Manifesto não configurarem unanimidade, nada disto retira validade do documento. Pelo contrário, o debate proposto pelo Manifesto é útil, necessário e fundamental.
"Por friccionar com amplos setores da comunidade ambientalista, o documento defende propostas de difícil pactuação" |
IHU On-Line – Quais são as propostas básicas do Manifesto para o meio ambiente?
Maurício Waldman - Um ponto essencial diz respeito à tecnologia, pautada com insistência ao longo de todo o Manifesto. Porém, é importante rubricar que as técnicas estão imersas em totalidades sociais, que as sancionam ou não. Não é a técnica que faz a história. O contrário é que estaria mais próximo da verdade. A matriz social é pressuposto básico para que novas criações ou ideações se integrem ao universo concreto. Inclusive à revelia das próprias condições materiais. Afinal, a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra. A humanidade parou de lascar pedra em face da mudança das prioridades sociais, instigando-a a explorar novos patamares ecológicos. Portanto, ao empossar as tecnologias do papel de protagonista, o Manifesto tende a enveredar por uma visão tecnicista.
IHU On-Line – O Manifesto sugere que a técnica é fundamental para superar a crise ecológica. Como vê essa proposta?
Maurício Waldman - Sem dúvida alguma. Ausentes tecnologias versáteis e eficientes, o quadro de calamidade ambiental que observamos não tem como ser revertido. De maneira alguma. Por outro lado, não é simplesmente por existirem que as técnicas, por um passe de mágica, passarão a ser adotadas. Isso sem contar que o tecido social da Modernidade está perpassado por clivagens e contradições de todo tipo, transformando qualquer prognóstico num precário exercício de futurismo. Decerto, o Manifesto expõe alternativas que podem, por exemplo, revolucionar a matriz energética em vigor. Contudo, são necessárias diversas outras flexões para que as formas de geração de energia que estão carbonizando a atmosfera sejam definitivamente abolidas.
O Manifesto defende o ciclo combustível do tório, opção contraposta às usinas nucleares convencionais, baseadas na fissão do urânio. Mas os signatários do Manifesto parecem ignorar que o protótipo dos reatores à base de tório remonta aos anos 50. Ou seja: 60 anos atrás. Apesar de serem menos perigosos que os reatores abastecidos com urânio, gerarem menos lixo nuclear e emitirem níveis mais baixos de radioatividade, o ciclo combustível do tório não vingou. Basicamente por ter contrariado o nascente lobby nuclear pró-urânio e por dificultar a construção de artefatos nucleares. No clima da Guerra Fria, tal particularidade sentenciou à morte os programas energéticos à base de tório.
O quadro hoje é, sem dúvida alguma, diferente. Todavia, persevera sob a batuta de premissas políticas e econômicas. As nações que hoje estão implantando projetos baseados no ciclo combustível do tório são, no geral, países como o Chile e a Noruega, nações secundárias na ordem mundial. Ou então são nações como Israel, China, Rússia e Índia, que, por motivos variados, estão no encalço de um protagonismo próprio no cenário global. Chama a atenção que países como os EUA, França e Reino Unido continuem fiéis ao urânio, tanto por motivações políticas quanto pela influência dos complexos industriais e tecnológicos existentes. Portanto, não são as possíveis virtudes do tório que justificam novos programas energéticos. Pelo contrário, são prescrições políticas, sociais e econômicas que uma vez mais direcionam, comandam e certificam a pauta tecnológica.
IHU On-Line – Além da questão tecnológica, o manifesto gera outras polêmicas?
Maurício Waldman - Sem dúvida. Exemplificando, no Manifesto, a Modernidade é avaliada como parteira dos avanços técnicos, do progresso econômico e da igualdade de gênero. Outros feitos seriam a dinamização da vida urbana e de novas formas de relacionamento político e social. Em si mesmas, não há como contestar a factualidade destas mudanças. Sob impulso da Modernidade, ocorreram transformações consideráveis no modo de vida da humanidade, das quais vastos setores não se dispõem a abrir mão. Assim, a Modernidade se tornou um elemento central para a história humana. Entretanto, o Manifesto omite qualquer tipo de visão crítica, um dado complicado se pensarmos as formas de reprodução social que a Modernidade implantou.
Note-se que o Manifesto sequer menciona os impactos promovidos pelo moderno estilo de vida e seus sucedâneos, o consumismo e a sociedade do descartável. Isto apesar de serem inseparáveis dos mecanismos que estão alimentando a crise ambiental dos tempos modernos. Nesta lógica, o Manifesto se indispõe com o que acredito ser uma das maiores contribuições do ambientalismo: a defesa da justiça social. Digo também que não poderia ser diferente disso. Não há como fechar os olhos diante dos gritantes contrastes difundidos na sociedade contemporânea.
"O meio urbano está no centro do debate ambiental" |
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IHU On-Line – Como o manifesto se posiciona diante da questão da pobreza?
Maurício Waldman - Sabe-se de longa data que as disparidades de renda e de consumo estão firmemente apoiadas em estacas socioeconômicas. Porém, não é desta forma que o Manifesto aborda a questão. A narrativa do documento tem por pressuposto a compreensão de que a pobreza é um problema em si. Adotando este axioma como princípio, no Manifesto os processos de pauperização são dissociados da lógica estrutural que gera dessimetrias sociais e econômicas que excluem povos, grupos e pessoas.
Tal como noutras abordagens carentes de sociologia e de economia política, o Manifesto subverte os dados da questão. A pobreza seria um acaso, um desvio de percurso, um evento aberrante que pouco ou nada tem a ver com o funcionamento do sistema econômico. Portanto, as desigualdades econômicas seriam passíveis de serem zeradas ou corrigidas via aplicação mais intensa - e poder-se-ia adjetivar - mais radical das normas econômicas existentes. Dito de outro modo, with more of the same. Isto é: com mais do mesmo. No horizonte utópico do Manifesto, um remake ou repaginação modernizante não só livraria o Planeta dos problemas sociais, como também pavimentaria caminhos para a preservação do meio natural. Isto explica a razão do Manifesto advogar a aceleração da desconexão entre desenvolvimento e natureza como solução para a crise ambiental.
IHU On-Line – De que modo o Manifesto dissocia desenvolvimento e meio natural?
Maurício Waldman - Os autores do Manifesto alegam - nisto apelando para um consistente e bem fundamentado universo conceitual acadêmico - que uma natureza propriamente natural não existe. Aliás, uma ideia que de nova não tem nada. Desde o século XIX estudos realizados por biólogos, geógrafos e antropólogos demonstram a decisiva influência dos humanos no meio ambiente. Assim, o que chamamos de natureza seriam espaços regrados por sansões sociais, e a naturalidade, uma decorrência da esculturação humana do espaço. Das intervenções humanas no meio natural resulta justamente o Antropoceno. No texto do Manifesto, Antropoceno é a palavra chave por excelência. Deste conceito advém a segunda noção básica do documento: o Bom Antropoceno.
IHU On-Line – O que o Manifesto apresenta como sendo o bom Antropoceno?
Maurício Waldman - Antes, seria importante esclarecer que a noção de Antropoceno está inserida de modo muito genérico no texto do Manifesto. Note-se que tal como a compreensão do papel dos humanos na construção da fisionomia da Terra, a noção de Antropoceno acumula décadas de discussões. Já no início do século XX o geoquímico e mineralogista soviético Vladimir Vernadsky deu os primeiros passos nessa direção. Vernadsky lança em 1926 o livro A Biosfera, sugerindo a hipótese de que a fisionomia terrestre foi biologicamente determinada. Avançando nesta discussão, concluiu que a paisagem terrestre não poderia ser desconectada das ações antropogênicas. Ou seja, transformações desenvolvidas pelos humanos. Este é o eixo que justifica uma famosa frase do cientista: “O homem tornou-se uma poderosa força geológica”. Mais adiante, o empenho de Vernadsky inspirou o biólogo norte-americano Eugene Stoermer a propor, nos anos 1980, o neologismo Antropoceno. Desde então, o conceito transita difusamente no meio acadêmico.
Foi dito que o Manifesto carece de sociologia. Infelizmente carece também de antropologia. Do modo como o Antropoceno integra a grade conceitual do Manifesto, a falta de perspectiva social e cultural compromete a argumentação do documento.
IHU On-Line – Por quê?
Maurício Waldman - Mesmo uma leitura superficial do Manifesto é suficiente para notar que o texto cita repetidamente o Antropoceno no singular, tal como se as paisagens humanizadas pelas diferentes sociedades ao longo da história fossem parte de um único processo. Acontece que a realidade é bem mais complexa. O geógrafo brasileiro Milton Santos na sua análise do espaço geográfico frisava que as múltiplas sociedades humanas criaram múltiplos espaços. Qual seja, muitas leituras da relação com o meio natural. Em comum, todas as antigas interpretações da territorialidade foram radicalmente diferentes do Antropoceno da Modernidade. No passado, rompimentos drásticos com os ciclos naturais ocorreram em caráter excepcional. Isto dificulta que se trace uma linha de continuidade entre as sociedades tradicionais e o mundo contemporâneo. Na história humana existiram Antropocenos e não O Antropoceno.
IHU On-Line – Quais os desdobramentos da forma como o Manifesto entende o Antropoceno?
Maurício Waldman - Um destes é que para o documento a oposição dos humanos ao meio natural é praticamente atávica. O Manifesto recorda, por exemplo, que as sociedades antigas derrubaram três quartos das florestas mundiais antes da revolução industrial. Certamente isto é verdade. Mas importa também sublinhar que este processo ocorreu ao longo de dois milhões de anos. E mais: que a quarta parte restante está sendo dizimada no frigir de poucas décadas. Ninguém ignora que as culturas tradicionais promoveram transformações de monta no ambiente natural.
Tanto isto é verdade que em certos contextos - como no bojo das civilizações Anashazi, Maia, Khmer, Sabá e da ilha da Páscoa - irromperam severas crises ecológicas. Mas em nenhum momento a ação dos humanos do passado colocou em perigo a biosfera como um todo. Tampouco ameaçando a existência da Humanidade. Portanto, nada nas formas assumidas pelo Antropoceno na antiguidade permite filiação direta com o que acontece na sociedade atual. A Modernidade é única quanto à ferocidade da devastação e fome insaciável por recursos. Trata-se de uma singularidade que, a propósito, constitui seu dilema civilizatório central.
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"Na história humana existiram Antropocenos, e não o Antropoceno" |
IHU On-Line – Como o Manifesto propõe um bom Antropoceno?
Maurício Waldman - No que considero um ponto alto do Manifesto, o texto frisa com muita propriedade que o meio urbano está no centro do debate ambiental. Não podemos esquecer que atualmente a população humana é majoritariamente urbana, tendência que escancaradamente se acentua a cada dia que passa. Basta consultar Planeta Favela, obra do geógrafo norte-americano Mark Davis, um trabalho que não admite contestação quanto à centralidade do fato urbano na vida moderna. Nesta ordem de considerações, o Manifesto contesta com razão um clássico imaginário ambientalista, altamente ideacionado, que desloca a questão ambiental para os espaços romanticamente carimbados como naturais: florestas, oceanos e paisagens sob domínio da vida selvagem. Mas, novamente enveredando por visões avessas ao contraditório, o Manifesto reporta a uma cidade alegórica, também romanceada. Exatamente por esta razão, não possui densidade conceitual suficiente para pensar o meio urbano.
Porque não leva em consideração que a cidade moderna constitui um tecido urbano umbilicalmente associado às contradições gerais da sociedade contemporânea. Novamente recorrendo a Milton Santos, a cidade moderna não é nem um pouco isonômica. Para as imensas massas de excluídos, a chamada rede urbana simplesmente não existe. A imagem de cidade exposta pelo Manifesto é uma caricatura da cidade real. É uma metrópole com altos arranha-céus cercados de verde. Mas onde estão os de fora da “cidade formal”? Nesta perspectiva, o chamado Bom Antropoceno poderá ser unicamente bom para alguns, para poucos.
IHU On-Line – Como fica a sustentabilidade nessa discussão?
Maurício Waldman - Na maneira como tem sido proposta, não fica. Contudo, não seria justo estigmatizar o Manifesto por conta disso. A sustentabilidade é um conceito que mostrou fragilidade e incapacidade em deter o avanço da crise ambiental. Entendo que conjunturalmente o Manifesto surge em função das lacunas operacionais do conceito de desenvolvimento sustentável. No tocante à dinâmica social, a tomada de posição do Manifesto não acontece por acaso. Presumivelmente, o documento expressa de um modo ou de outro uma corrente de opinião para a qual a sustentabilidade, além de ter malogrado, está conceitualmente desmoralizada.
O desenvolvimento sustentável enfrenta dúvidas e incertezas em duas frentes. Primeiro, existem problemas concretos. Após mais de 20 anos de consagração do conceito no Encontro do Rio-92, simplesmente inexistem avanços palpáveis da sustentabilidade em nível global. O Relatório Panorama Ambiental Global 2012, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, revela cenário desalentador. Nos últimos 40 anos apenas quatro dentre 90 metas ambientais estratégicas tiveram avanço significativo. Outros 40 objetivos avançaram minimamente. Para arrematar, 24 metas simplesmente estancaram. O fracasso é tão retumbante que até mesmo Gro Brundtland, mentora do Relatório Nosso Futuro Comum - ONU, expôs suas frustrações publicamente. Reverenciada como “Mãe” do conceito de desenvolvimento sustentável, Brundtland advertiu em entrevista concedida em 2012 que a sustentabilidade aguardava materialização como prática real. Mais: admoestou que o termo é utilizado abusivamente, desconectado de práticas reais. Desabafou por fim sem maiores delongas: “O desenvolvimento sustentável ainda não aconteceu”. Ora, se a própria mãe da sustentabilidade emite declaração deste tipo, quem somos nós a objetar?
Lado a lado com vicissitudes operacionais, o desenvolvimento sustentável demonstrou fragilidade teórica. Dado estar esvaziado de sustentação metodológica, o conceito terminou facilmente assimilável a qualquer tipo de situação. É o que explica a notória polissemia do termo. Numa conjuntura em que a insustentabilidade se tornou regra geral, existe toda sorte de objetos e serviços “sustentáveis”. Tudo é sustentável: existem fogões, canecas, computadores, cemitérios, carros, detergentes e roupas sustentáveis. Eu até brinco em sala de aula dizendo que um dia inventarão professores e alunos sustentáveis.
IHU On-Line – Que tipo de avaliação o Manifesto faz da ideia de sustentabilidade?
Maurício Waldman - Para os autores do Manifesto, a sustentabilidade não é um paradigma central. A aposta básica do documento é a intensificação das atividades humanas respaldadas por técnicas avançadas, tendo por meta o avanço da modernização. Decerto, a maior tecnificação das redes produtivas propiciaria uso mais eficiente dos insumos naturais. Por extensão, contribuiria para conservar e proteger o patrimônio natural. Entretanto, esta noção pode ser questionada. Mantendo-se a tendência ao crescimento ilimitado típico da economia moderna, não está garantido que existirão limites na exploração dos recursos naturais. Com isso se recoloca novamente a questão do tipo de desenvolvimento apropriado para garantir um futuro viável para as gerações que herdarão a Terra.
"A viga mestra do documento está firmemente calçada na apologia da ecoeficiência" |
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IHU On-Line – Está aberta a possibilidade de pautar novamente a sustentabilidade?
Maurício Waldman - Sim e não. Evidência sobre a qual não se permite calar, caso o desenvolvimento fosse em si mesmo sustentável, não haveria necessidade de adjetivá-lo. Fala-se em “desenvolvimento sustentado” porque o tipo de relação mantida pela economia com a natureza não tem nada de sustentável. Fosse a sustentabilidade plenamente operacional, o mundo já estaria livre dos problemas ambientais. Conforme foi destacado, a pregação da sustentabilidade não obteve a repercussão esperada. Nesta sequência, o Manifesto implicitamente reconhece que o desenvolvimento não é sustentável e ponto final. E talvez paradoxalmente - em coerência com o discurso da dissociação entre desenvolvimento e natureza - afirma que um futuro ambientalmente seguro seria viabilizado por mais, e não por menos desenvolvimento.
IHU On-Line – Que avaliação inicial faz da abordagem ecológica da Encíclica Laudato Si’?
Maurício Waldman - A discussão sobre o meio ambiente na esfera das religiões é extremamente importante. No âmbito das religiões inspiradas na Bíblia, a criação é sempre avaliada como um ato divino. Por conseguinte, cabe aos humanos a responsabilidade em zelar por este acervo. A Encíclica Laudato Si’ - Louvado Sejas, tendo por subtítulo Sobre o Cuidado da Casa Comum - se inscreveria, conforme foi colocado, num momento histórico marcado por uma encruzilhada ambiental, impondo a necessidade de instauração de um novo equilíbrio a zelar pelo ambiente. Mas esta harmonia somente será assegurada com avanços sociais, posição consignada pela Encíclica juntamente com a crítica ao consumismo e à sociedade do descartável. Lançada numa conjuntura na qual o debate ambiental está sendo reaberto, a Encíclica, portanto, amplia o debate numa direção correta. Uma importante contribuição a ser levada em consideração.
Por Patrícia Fachin
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Manifesto Eco Modernista e a crença tecnológica como superação da crise ambiental. Entrevista especial com Maurício Waldman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU