10 Agosto 2014
"De trabalhadores fundamentais ao desenvolvimento do país, enquanto escravizados, os afrodescendentes passaram a ser vistos por setores da elite que pensava a nação como obstáculos à construção do país. Isso traz à tona a dimensão política ou ideológica, como quisermos chamar, de certas afirmações sobre a questão afrodescendente feitas até os dias de hoje, muitas vezes carregadas de concepções morais com funestas implicações", afirma o historiador.
A historiografia aos poucos vai revelando "homens e mulheres que elaboraram uma gama ampla e riquíssima de estratégias de sobrevivência que ora podiam ser a fuga para o quilombo ou um ataque físico em resposta à violência senhorial, mas que incluía igualmente a luta diária pela conquista da alforria, a tenaz obstinação em manter a família unida mesmo sob o manto da escravidão, a manutenção e recriação de elementos culturais referenciados em sua cultura de origem ou a luta para construir espaços de autonomia e pequenas experiências de liberdade", constata Vinicius Pereira de Oliveira, historiador.
Segundo o historiador, que pesquisou os rastros deixados pelo africano Manoel Congo no Rio Grande do Sul, particularmente em São Leopoldo, após sua captura na África, em um período em que o tráfico transatlântico de escravos já se encontrava proibido, embora o regime escravagista permanecesse em operação no Brasil Império, "a trajetória de Manoel Congo possibilita que se pense a respeito do protagonismo dos trabalhadores escravizados e as suas diversificadas formas de enfrentamento da opressão.
Vinicius de Oliveira recontou a história do africano no livro De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras meridionais (São Leopoldo: EST Edições, 2006).
"Manoel Congo chega ao Brasil determinado a buscar sua liberdade. Isso foi relatado pelo próprio africano às autoridades estatais que o interrogaram quando da denúncia contra o Capitão Joaquim José de Paula, seu ‘senhor’ em São Leopoldo, de tê-lo reduzido de forma ilegal ao cativeiro", narra o pesquisador.
Vinicius Pereira de Oliveira é doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS e licenciado em História pela UFRGS. Tem experiência em pesquisa nas áreas de História do Brasil e do Rio Grande do Sul; escravidão e afrodescendência; patrimônio imaterial, memória e identidade; História Marítima e do Mundo Atlântico. Atuou em estudos para regularização de comunidades remanescentes de quilombos e leciona História nos níveis fundamental, médio e superior de ensino.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - De que forma e a partir de quais perspectivas acompanhar a trajetória de um único indivíduo permite a produção de conteúdo historiográfico relevante?
Vinicius Pereira de Oliveira – Os estudos de trajetórias têm possibilitado problematizar o papel do indivíduo na história, destacando o seu protagonismo como sujeito ativo, seus projetos e estratégias de vida, bem como suas escolhas frente às incertezas e limitações do dia a dia, enfim, algo que podemos chamar de política da vida cotidiana. Questões difíceis de serem percebidas em estudos construídos unicamente a partir de escalas de análise mais amplas. Em termos de estilo de escrita, o estudo de trajetórias individuais tem se demonstrado ainda uma excelente forma de construir uma narrativa mais viva, já que se consegue visualizar o construir da história através dos atos dos próprios homens que viveram um determinado momento histórico.
Porém, apesar da centralidade conferida a um indivíduo ou a um grupo, os estudos historiográficos atuais que adotam esta perspectiva não se restringem a abordagens do fragmento ou de questões isoladas, já que buscam articular diferentes escalas de análise que deem conta de processos amplos e de múltiplos contextos. No caso da minha pesquisa sobre Manoel Congo, busquei utilizar a sua trajetória como escravizado no Brasil como um recurso narrativo para discutir questões mais amplas da sociedade em que se inseriu, uma vez que [a pesquisa] possibilitou abordar aspectos diversos, como o processo de proibição do comércio transatlântico de escravos, as estratégias paternalistas de domínio senhorial e seus limites, a presença escrava em uma área de colonização alemã, as diferentes formas de resistência protagonizadas pelas populações escravizadas, a relação entre a construção da nação brasileira e o pensamento racial em voga, entre vários outros. Foi uma excelente porta de entrada para a reconstituição do ambiente social de uma época.
IHU On-Line - Porque Manoel Congo torna-se um personagem emblemático para a história da escravidão no Brasil?
Vinicius Pereira de Oliveira – Podemos dizer que sua vida comportou uma dimensão de excepcionalidade e outra que poderíamos chamar de ordinária, comum a grande parte dos escravizados no Brasil. Talvez por isso tenha se tornado tão emblemática, já que, como acabamos de dizer, permite um amplo voo analítico sobre o nosso passado, um passado que ainda tem suas marcas sobre a nossa sociedade atual.
Em relação ao Rio Grande do Sul, particularmente, a vida de Manoel Congo propicia que se discutam mitos e visões idealizadas do nosso passado, as quais, ainda que carecendo de embasamento empírico e analítico, reproduzem-se no dia a dia nem sempre com a devida problematização. Uma destas discussões dá conta da presença de trabalho escravo nas áreas de imigração alemã. Meu estudo, assim como os dos historiadores Miquéias H. Mügge, Paulo Roberto Staudt Moreira, Eliege Alves e Maria Angelica Zubaran, se insere num esforço de contraponto a versões que reproduzem o discurso tradicional de que os imigrantes alemães e seus descendentes, por possuírem uma moral do trabalho supostamente superior e civilizada, considerada regeneradora da negatividade associada ao trabalho manual no Brasil, não teriam sido atraídos pela propriedade escrava. Versão que postula ainda que os poucos teuto-descendentes que se tornaram senhores de escravos os tratariam com benevolência.
O que pude constatar é que os imigrantes e seus descendentes “entraram” na lógica da sociedade brasileira, na qual ter escravos era, além de uma possibilidade de ganhos econômicos, um componente de status social. Também recorreram a estratégias de dominação semelhantes às acionadas pelos senhores luso-brasileiros, nas quais a violência e a opressão eram elementos recorrentemente presentes e articulados ao paternalismo.
Mas a trajetória de Manoel Congo possibilita que se pense igualmente a respeito do protagonismo dos trabalhadores escravizados e suas diversificadas formas de enfrentamento da opressão. Se a produção acadêmica das décadas de 1950 e 1960 inaugurou uma importante perspectiva de análise que se pautava pela denúncia do caráter intrinsecamente violento do passado escravista brasileiro (em contraponto ao mito da democracia racial freyriana), a nova historiografia social da escravidão tem proposto, desde a década de 1980, a ampliação na percepção da noção de resistência escrava.
Aos poucos vão sendo revelados homens e mulheres que elaboraram uma gama ampla e riquíssima de estratégias de sobrevivência que ora podiam ser a fuga para o quilombo ou um ataque físico em resposta à violência senhorial, mas que incluía igualmente a luta diária pela conquista da alforria, a tenaz obstinação em manter a família unida mesmo sob o manto da escravidão, a manutenção e recriação de elementos culturais referenciados em sua cultura de origem ou a luta para construir espaços de autonomia e pequenas experiências de liberdade. São estratégias que, mesmo não rompendo diretamente com o sistema escravista, certamente fizeram diferença em suas vivências. E isso não pode ser subestimado pelo olhar de quem hoje, distante, olha para o passado a partir de seu gabinete acadêmico.
IHU On-Line - Manoel Congo é traficado ao Brasil em 1852, dois anos após a proibição do tráfico de negros no país. Quais contextos levaram a esta proibição? Ela se dava apenas na letra da lei ou realmente houve esforços para coibir o tráfico de escravos?
Vinicius Pereira de Oliveira – A chegada de Manoel Congo ao Brasil está relacionada com a proibição definitiva do tráfico internacional de escravos para o Brasil, efetivada em 1850 pela Lei Euzébio de Queirós. Mas, na realidade, a primeira lei antitráfico posta em vigor no Brasil data de 1831, resultado do tratado assinado em 1826 com a Grã-Bretanha e pelo qual o comércio de escravos com a África seria posto na ilegalidade para os súditos brasileiros ao fim de três anos, a contar da ratificação do documento pelos ingleses, ocorrida em 1827. A partir de então, os africanos introduzidos em território nacional seriam considerados como integrantes da categoria jurídica “africanos livres” ou “emancipados”.
A promulgação destas leis e tratados antitráfico foi produto de um longo processo em que diferentes atores e questões se faziam presentes. Por um lado, a Grã-Bretanha efetuava pressão desde a década de 1810 sobre Portugal e, após 1822, sobre o já independente Brasil, no sentido de estabelecer tratados e acordos prevendo o fim do comércio de escravos com a África. Para além das razões humanitárias e ideológicas — a crença europeia numa necessária evolução histórica, o renascido zelo pela catequese cristã e o prestígio da teoria da liberdade de comércio —, a potência europeia objetivava, ao coibir o tráfico de escravos, neutralizar as vantagens do acesso à mão de obra cativa que os plantadores de açúcar de Cuba e Brasil possuíam em relação às Antilhas Britânicas, onde o tráfico fora abolido em 1807, além de enfraquecer as elites africanas envolvidas com tal atividade para assim facilitar o fortalecimento de sua posição comercial no continente.
Fatores internos devem ser também considerados para que se captem as diferentes questões que se colocavam para os heterogêneos interesses dos grupos dirigentes brasileiros. Em um país majoritariamente negro e mestiço, as elites da primeira metade do século XIX viam-se frente ao problema da construção de um modelo de nação desejado (entenda-se europeizado) e, neste sentido, preocupavam-se com as dificuldades impostas pela composição heterogênea do povo e pelos “males” advindos da disparidade entre as “raças”.
Uma das questões colocadas era o tipo de povo ideal, capaz de promover o progresso da nação, e neste sentido temia-se o perigo representado pela presença de grandes contingentes de africanos na sociedade, vistos por muitos como difusores de uma cultura inferior e selvagem, degeneradora da moral e dos bons costumes. Somava-se, ainda, aos anseios das elites, o medo de levantes e revoltas escravas, situação especialmente potencializada após a Revolta dos Males de 1835, na Bahia, a qual tornava muito próximo o espectro da Revolução Haitiana, quando negros insurgiram-se e, após 10 anos de luta, acabaram com a dominação colonial na região.
Cabe ressaltar que, na primeira metade do século XIX, a proibição do comércio negreiro internacional não necessariamente objetivava, aos olhos dos grupos dominantes nacionais, a eliminação do regime de trabalho servil no Brasil.
A efetividade destas leis e tratados é uma discussão interessante. A lei de 1831 foi rotulada como sendo “para inglês ver”, pois não teria se efetivado, e a proibição do tráfico teria apenas se dado em 1850. Bem, sabe-se pelas investigações mais recentes que, ao menos nos primeiros anos de sua vigência, parecia haver um clima propício à proibição do tráfico (aumento das perseguições a navios negreiros pelos cruzeiros ingleses, ascensão de um ministério liberal favorável ao término da atividade) e, neste contexto, a lei serviu para a repressão ao tráfico ilegal.
Mas, no período da conturbada consolidação do Estado imperial brasileiro, a confluência dos interesses de senhores e traficantes brasileiros e das elites africanas na continuidade do lucrativo comércio de escravos encontrou, na alteração da conjuntura política em 1837-38 (regresso conservador), um ambiente favorável para a retomada da prática.
Foi apenas em 1850 que o comércio de escravos da África para o Brasil entrou efetivamente para a clandestinidade e que ocorrem diversos registros de apreensões de navios negreiros e de desembarques ilegais ao longo do litoral nacional.
IHU On-Line - Um dos destinos de Manoel foi a região de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Qual a importância do Estado (e desta região) para o contexto do comércio e trabalho escravos no país?
Vinicius Pereira de Oliveira - O Rio Grande do Sul era uma das principais províncias escravistas do Brasil. Só para se ter uma ideia, em 1874, quando o tráfico interprovincial de escravos já havia drenado parte da mão de obra escrava do Sul em direção às regiões economicamente mais prósperas do Sudeste, a província era a terceira com maior proporção de escravos em sua população. Os dados são inquestionáveis quanto à importância estrutural do trabalhador escravizado na construção econômica e social do Estado.
Quanto a São Leopoldo, apesar da posse de escravos não ter se constituído como a relação de trabalho predominante na região, teve uma difusão bastante considerável para ser omitida ou desconsiderada como objeto de estudo pela disciplina História. Isso porque cada vez mais estudos têm se preocupado em estudar áreas tradicionalmente não vistas como escravistas, e assim possibilitado perceber que os escravizados estavam presentes em todos os poros da sociedade brasileira, desempenhando uma diversidade de atividades urbanas e rurais, inclusive uma gama ampla delas extremamente especializadas. Era comum a presença de escravizados trabalhando como pedreiros, sapateiros, marceneiros, tipógrafos, marinheiros, calafates, costureiras, charqueadores, tropeiros, peões, campeiros, lavradores e outras muitas.
É importante ressaltar isso, pois o desconhecimento ou a omissão desta especialização técnica dos escravos incidiu na forma como seus descendentes foram vistos no pós-1888. Muito já se falou que a situação de desigualdade das populações afrodescendentes no Brasil após o fim do regime escravista se deveu ao fato de que estes trabalhadores não estariam preparados para enfrentar o mundo do trabalho. Mas como? Eles desempenhavam quase todo o tipo de atividade que podemos imaginar.
O que nem sempre se fala é que inexistiram o que hoje chamaríamos de políticas públicas de inserção social destes grupos originários do cativeiro, tal como a distribuição de terras, para que nelas trabalhassem aos moldes do que foi feito com os imigrantes europeus em muitas áreas do sul do Brasil.
De trabalhadores fundamentais ao desenvolvimento do país, enquanto escravizados, os afrodescendentes passaram a ser vistos por setores da elite que pensava a nação como obstáculos à construção do país. Isso traz à tona a dimensão política ou ideológica, como quisermos chamar, de certas afirmações sobre a questão afrodescendente feitas até os dias de hoje, muitas vezes carregadas de concepções morais com funestas implicações.
IHU On-Line - Traficado e escravizado mesmo sendo um homem livre, Manoel planejou fugir de seu “senhor” e entregar-se às autoridades na tentativa de enquadrar-se como “africano livre”. Em que consistia essa figura no Brasil do século XIX?
Vinicius Pereira de Oliveira – Esta talvez seja a dimensão mais fantástica a que pude ter acesso sobre a vida de Manoel Congo. Por ter conhecimento, ainda na África, da ilegalidade do tráfico de escravos para aqueles oriundos do comércio transatlântico, Manoel Congo chega ao Brasil determinado a buscar sua liberdade. Isso foi relatado pelo próprio africano às autoridades estatais que o interrogaram quando da denúncia contra o Capitão Joaquim José de Paula, seu “senhor” em São Leopoldo, de tê-lo reduzido de forma ilegal ao cativeiro. Os africanos introduzidos em território nacional posteriormente à proibição do tráfico em 1831, caso apreendidos pelas autoridades, eram considerados “africanos livres” ou “emancipados”. Esta categoria jurídica era intermediária entre a escravidão e a liberdade, uma vez que os africanos apreendidos por tráfico ilegal não seriam nem postos em liberdade imediatamente, nem remetidos de volta à África, mas sim deveriam trabalhar um determinado número de anos para o estado ou para concessionários particulares.
É interessante problematizar os motivos que levaram o estado brasileiro a negar a plena liberdade aos africanos nesta condição, mesmo que reconhecesse a ilegalidade do seu processo de escravização. Colocá-los em liberdade imediata, pela ótica do estado, não era cogitado pelo temor frente ao perigo representado por grandes contingentes de africanos não assimilados vivendo em liberdade. Mantê-los sob tutela era uma forma de educá-los para a vida em liberdade e lhes transmitir valores (seja morais, laborais ou religiosos) que confluíssem a um padrão de conduta desejado, ao mesmo tempo em que permaneceriam sob a vigilância senhorial.
Acima de tudo, o estado procurou criar este período de “aprendizado” antes de emancipar os africanos livres, quando seriam então “preparados” para a vida em liberdade e transformados em trabalhadores “disciplinados”, para que não comprometessem o projeto de uma nação “harmônica”, evitando comportamentos tidos como indesejados pela elite, tais como o alcoolismo, as desordens sociais, a “indolência” e “imoralidades”. Ao mesmo tempo, quando finalmente atingissem a liberdade, estes africanos não estariam à margem de estruturas de poder que os sujeitassem, pois teriam criado laços de dependência com seus tutores. Evidentemente tratava-se de uma postura não imune ao ideário racial vigente à época e que via as culturas oriundas do continente africano como inferiores e como obstáculos à consolidação dos projetos de nação almejados por uma elite.
IHU On-Line - Seu livro é intitulado “De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras meridionais”. Em que consistia o adjetivo “ladino” dirigido a Manoel? Quais as origens deste termo?
Vinicius Pereira de Oliveira – Ladino era o termo utilizado pela sociedade escravista lusitana para designar aqueles escravos africanos já falantes da língua portuguesa e adaptados à vida em cativeiro e ao seu universo cultural. A expressão era ainda utilizada, à época, para se referir a cativos vistos como espertos e trapaceiros justamente por dominarem os códigos e os meandros das formas de dominação e controle, e que por isso poderiam ser dissimulados e perigosos. Mas no livro adotamos o termo em sua primeira acepção, a de africanos adaptados.
No interrogatório prestado por Manoel Congo, o próprio africano nos informa ter fugido por diversas vezes com a intenção de se apresentar às autoridades por saber, desde a África, da ilegalidade de seu cativeiro. E afirma que possuía este conhecimento por já ser, desde a sua terra de origem, “meio ladino”.
Esta afirmação de que era “meio ladino” já na África foi algo fantástico e ao mesmo tempo surpreendente e que nos remeteu à discussão sobre a dimensão atlântica do universo colonial luso-brasileiro. De alguma forma que os documentos não aludem, Manoel já se relacionava com o universo lusitano atlântico quando ainda vivia no Congo, e sua história nos despertou o olhar para o fato de que devemos atentar não apenas para a dimensão econômica do mundo atlântico, mas igualmente pensar que juntamente com mercadorias circulavam ideias e informações.
IHU On-Line - Ao acompanhar a trajetória de Manoel, é impossível não remeter à história do livro e filme 12 anos de Escravidão, vencedor de diversos prêmios em 2014. Quais as principais diferenças e proximidades entre as práticas escravocratas no Brasil e nos Estados Unidos?
Vinicius Pereira de Oliveira – Sem dúvida, ao ver este filme me recordei da história de Manoel Congo e de muitos outros africanos no Brasil Imperial. Diversos estudos de outros historiadores, como os de Jônatas Caratti, Rafael Lima e Keila Grinberg, têm analisado a vida de muitos outros africanos ilegalmente escravizados no Brasil meridional.
Já o debate comparativo sobre o escravismo no Brasil e nos EUA é um tema complexo e que remete aos estudos publicados na década de 1940 pelo norte-americano Frank Tannenbaum, nos quais é discutido o papel das diferenças em termos de legislação e de religião na definição de peculiaridades dos regimes escravistas nos Estados Unidos e na América Latina, bem como sobre a possível incidência destas diferenças nas formas de tratamento dos escravizados e no acesso à alforria em cada uma das regiões.
Bem, muita água passou por debaixo da ponte e o debate é longo e controverso. Mas eu acho importante pensar também nas similitudes e recorrências entre as sociedades escravistas das Américas. As formas de transformação de homens livres em escravizados eram semelhantes, bem como a lógica econômica de sua existência nas Américas.
Nos dias de hoje ninguém mais questiona o fato de que a escravidão moderna foi essencialmente violenta, indiferente de onde ela tenha ocorrido. Por fim, as questões raciais decorrentes do regime escravista e de suas justificativas ideológicas perpetuaram seu legado até hoje, possibilitando que se pensem aproximações de demandas contemporâneas das populações afrodescendentes em um e outro país, demandas embasadas em noções de reparação histórica referenciadas em mazelas geradas por passados escravistas e racistas mais semelhantes do que se imagina.
Nota: A fonte da ilustração acima é arquivo.geledes.org.br
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A jornada de Manoel Congo em busca da liberdade. Entrevista especial com Vinicius Pereira de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU