29 Julho 2013
“Francisco pede a seus irmãos bispos que o ajudem a ser o bispo primaz de um colégio de pastores, e não um super-bispo romano com bispos auxiliares em cada diocese do mundo”, assinala o sociólogo.
Confira a entrevista.
Foto de www.diariodocentrodomundo.com.br |
“A viagem do Papa Francisco ao Brasil representou sua recepção pela Igreja da América Latina e Caribe. Falo de recepção não só como acolhida, mas no sentido forte de uma Igreja continental que diz ‘sim’ ao Papa e se coloca a seu lado para o projeto de reformas que lhe foi pedido pelo conclave antes de sua eleição”, diz Pedro Ribeiro de Oliveira (foto abaixo) à IHU On-Line. Na avaliação dele, os gestos de Francisco em sua visita ao Brasil demonstram que ele separa "sua pessoa do exercício de suas funções como Papa", e insiste "que o lugar dos cristãos – clérigos, religiosas, leigos e leigas – é no espaço público, e não dentro dos templos e sacristias". Entretanto, ressalta, "sinto falta de uma fala mais clara sobre o que deve a Igreja fazer no mundo, mas sabemos todos o que Concílio Ecumênico de 1962-65 diz: trata-se de anunciar e construir o Reino de Deus na história humana".
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Oliveira assinala que a preocupação do Papa com a valorização dos leigos na Igreja representa um “giro de 180 graus na pastoral”. E explica: “João Paulo II também procurou abrir portas, mas era para fazer o povo entrar na Igreja e colocar-se sob o cuidado de pastores... Francisco prefere uma Igreja machucada por andar na rua, do que incólume no interior do templo. Retomou, com muita ênfase, a expressão de Bento XVI inserida no Documento de Aparecida, que fala da Igreja como ‘advogada da Justiça e defensora dos pobres’. O importante é que o Papa não atribui essa missão aos leigos e leigas, mas a todo o Povo de Deus”. Para ele, “a partir desse ‘puxão de orelhas’, as Pastorais Sociais que atuam no espinhoso terreno social, político e econômico voltarão a receber tanto apoio dos bispos quanto receberam entre 1970 e o final dos anos 1990”. O sociólogo também comenta a posição do Papa em relação às Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, que se mantêm presente na América Latina e no Brasil. "O Papa Francisco parece ter escasso conhecimento dessa nova forma de ser Igreja, porque se referiu a elas como ‘espaços leigos’, desconhecendo que elas são espaços ‘eclesiais’ onde cabe todo o Povo de Deus, e não apenas leigos e leigas”.
Pedro Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Atualmente é professor do PPG em Ciências da Religião da PUC-Minas. Dentre suas obras, destacamos Fé e Política: fundamentos( Aparecida: Ideias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (São Paulo: Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Petrópolis: Vozes, 1985).
Confira a entrevista.
IHU OnLine - Que avaliação faz da primeira grande viagem do Papa fora da Europa, e quais os pontos altos da visita do Papa ao Brasil?
Foto de jornalsantuario.wordpress.com |
Pedro Ribeiro de Oliveira - A viagem do Papa Francisco ao Brasil representou sua recepção pela Igreja da América Latina e Caribe. Falo de recepção não só como acolhida, mas no sentido forte de uma Igreja continental que diz “sim“ ao Papa e se coloca a seu lado para o projeto de reformas que lhe foi pedido pelo conclave antes de sua eleição. Francisco sabe melhor do que nós que esse projeto encontrará muitos obstáculos e não será possível realizá-lo sem um amplo arco de apoios fora de Roma. Penso que o Papa ampliou bastante esse arco em seus contatos no Rio. Digo isso porque a emoção de D. Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, ao falar da importância do Papa durante esses dias indica algo mais do que sua participação na Jornada Mundial da Juventude - JMJ.
IHU On-Line - Quais foram os gestos mais significativos do Papa durante a Jornada Mundial da Juventude e o que eles apontam sobre o seu pontificado?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Muitos gestos poderiam ser mencionados, mas destaco dois. O primeiro, que vem marcando a presença de Francisco como bispo de Roma é o fato de ele separar sua pessoa do exercício de suas funções como Papa. Até março deste ano a pessoa investida naquele ministério tornava-se uma espécie de ser extra-terreno, revestido de um enorme poder sagrado. A partir de Francisco, reza-se pelo Papa não porque esta é uma prescrição da liturgia, mas porque ele, humildemente, sempre pede nossa oração.
O segundo ponto, que também já se podia perceber desde o início de seu ministério em Roma, é a insistência de que o lugar dos cristãos – clérigos, religiosas, leigos e leigas – é no espaço público, e não dentro dos templos e sacristias. Sinto falta de uma fala mais clara sobre o que a deve a Igreja fazer no mundo, mas sabemos todos o que Concílio Ecumênico de 1962-65 diz: trata-se de anunciar e construir o Reino de Deus na história humana.
IHU On-Line - A partir dos discursos do Papa, como seu pontificado deve compreender as Comunidades Eclesiais de Base? Depois de alguns anos de recesso das CEBs, percebe a sinalização de uma retomada?
Pedro Ribeiro de Oliveira - E foram muitos os anos de “recesso” das CEBs nos espaços da cúria romana! Embora elas continuem vivas e atuantes no Brasil e na América Latina e Caribe – vem aí o 13º Encontro Intereclesial, no Ceará – não são poucas as autoridades eclesiásticas que prefeririam não precisar lidar com elas. O Papa Francisco parece ter escasso conhecimento dessa nova forma de ser Igreja, porque se referiu a elas como “espaços leigos”, desconhecendo que elas são espaços “eclesiais” onde cabe todo o Povo de Deus, e não apenas leigos e leigas. Apesar disso, revelou sua simpatia por elas ao abençoar, na comunidade popular de Varginha, uma capela típica de CEB.
IHU On-Line - Como relaciona o discurso de que não basta abrir as portas, mas se deve sair das portas da igreja, com a valorização dos leigos?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Este é um giro de 180 graus na pastoral! João Paulo II também procurou abrir portas, mas era para fazer o povo entrar na Igreja e colocar-se sob o cuidado de pastores... Francisco prefere uma Igreja machucada por andar na rua, do que incólume no interior do templo. Retomou, com muita ênfase, a expressão de Bento XVI inserida no Documento de Aparecida, que fala da Igreja como “advogada da Justiça e defensora dos pobres”. O importante é que o Papa não atribui essa missão aos leigos e leigas, mas a todo o Povo de Deus. Acredito que a partir desse “puxão de orelhas” (pois o Papa pediu desculpas por falar tão abertamente com os bispos), as Pastorais Sociais que atuam no espinhoso terreno social, político e econômico voltarão a receber tanto apoio dos bispos quanto receberam entre 1970 e o final dos anos 1990.
IHU On-Line - Que avaliação faz do discurso que o papa fez para os Bispos do Brasil, no sábado e, posteriormente, para os Bispos do Celam? O que é possível entender por reforçar e reformar as estruturas da igreja?
Pedro Ribeiro de Oliveira - No momento não tenho condições de fazer a análise que esses discursos merecem, mas uma coisa é certa: Francisco pede a seus irmãos bispos que o ajudem a ser o bispo primaz de um colégio de pastores, e não um super-bispo romano com bispos auxiliares em cada diocese do mundo.
IHU On-Line - Qual é o significado do discurso do Papa no Teatro Municipal, no qual propõe recuperar a política como caridade?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Também aqui falta-me uma análise melhor, mas com certeza esta é uma grande contribuição a todos os que, como diz Frei Betto, temos na Política “o campo preferencial para a vivência da Fé” e na Fé “o horizonte último do projeto político”.
IHU On-Line - Quais são e o que significam os silêncios do Papa, ou seja, os temas não abordados?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Interpreto como estratégia para ampliar seu arco de alianças e não alvoroçar os adversários de seu projeto de reformas estruturais na cúria romana. É, como eu escrevi há pouco, a mesma estratégia de time de futebol que joga a primeira partida no campo do adversário: preocupado com o risco de tomar gols, prefere ceder o empate e deixar a decisão do campeonato para quando jogar em casa.
IHU On-Line - Francisco sinalizou que irá beatificar Dom Romero, assassinado em 1981. Qual é o significado dessa beatificação?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Beatificação é processo burocrático que corre na cúria romana. Não sei se para a Igreja da América Latina e Caribe é importante essa canonização, pois São Romero da América, como o chama Pedro Casaldáliga, não precisa de reconhecimento canônico. Devo dizer, contudo, que senti falta de uma menção a ele durante a visita à comunidade popular de Varginha. Havia ali um grande painel com a figura do bispo-mártir e uma frase do Papa saudando-o – de improviso, ao estilo João Paulo II – ficaria para sempre gravada em nossa memória.
IHU On-Line - Por que e quais aspectos da entrevista que o Papa concedeu na viagem de volta a Roma foi significativa para o senhor?
Pedro Ribeiro de Oliveira - Nela fica evidente que a reforma da cúria visa suas estruturas, no sentido de descentralizar o poder romano e assim aumentar a colegialidade episcopal e o caráter sinodal da Igreja católica. Para minha agradável surpresa, Francisco referiu-se até mesmo à possibilidade de transformar o IOR, para que não seja mais um banco e sim um fundo. É muito bom que o Papa tenha como prioridade a reforma da cúria romana, porque isso só ele pode fazer (com o apoio dos bispos, é claro). Da missão da Igreja no mundo, nós mesmos, podemos cuidar desde as bases.
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'A viagem do Papa Francisco ao Brasil representou sua recepção pela Igreja da América Latina e Caribe'. Entrevista especial com Pedro Ribeiro de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU