01 Junho 2013
“A nova geração aprendeu a compartilhar o tudo que faz. E esse modelo que estamos experimentando será um modelo compartilhado. A energia, tal como a internet, será compartilhada também”, afirma o engenheiro mecânico.
Confira a entrevista.
Foto: www.radioblog.com.br |
“O ser humano por si só é insustentável”. Por isso, assinala Jefferson de Oliveira Gomes, não se pode tratar o conceito “sustentabilidade como algo que está simplesmente restrito ao tripé: econômico, social e ambiental”. O engenheiro mecânico aposta no uso e desenvolvimento da tecnologia para “minimizar” a insustentabilidade que está agregada ao modo de vida do homem.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, ele explica que os aspectos que geram insustentabilidade em uma determinada época não são os mesmos que geram em outra, e que há uma tentativa de minimizar os efeitos negativos desse processo. A movimentação atual para “tirar a fumaça da cidade gera uma necessidade de consumo energético maior para a propulsão de outros tipos de veículos, e fará com que as casas sejam mais inteligentes. Mas isso não irá ocorrer porque se é legal com o meio ambiente, mas porque vai se querer vender energia para o sistema operador”, aponta. E dispara: “Não existe possibilidade de ‘filantropia’. Não sei se essa é a palavra mais adequada, mas o fato é que ninguém é mais sustentável porque isso é legal para o ambiente. Se existem, são poucos. Tem uma onda chamada Inovação Social, mas efetivamente a característica do ser humano é de predador”.
Jefferson Gomes (foto abaixo) é graduado e mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, onde também cursou doutorado em Cooperação com a RWTH-Aachen, Alemanha. É professor da Divisão de Engenharia Mecânica-Aeronáutica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, e gerente executivo do Departamento Nacional do Senai para Tecnologia e Inovação.
Jefferson de Oliveira Gomes esteve presente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU no dia 23-05-2013 ministrando a palestra Tecnologias e sustentabilidade nos processos de produção complexos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como compreende o conceito de sustentabilidade? É possível falar em sustentabilidade ou ela não existe?
Foto: Mariana Staudt (IHU) |
Jefferson Gomes – Essa pergunta não é tão simples de responder, e pode ser respondida de várias formas. Gosto de usar um exemplo que tem sido utilizado para explicar o conceito de sustentabilidade, que é baseado num conceito simplório: a primeira e a segunda leis da termodinâmica. De acordo com essas leis, o sistema é um só, e a energia se mantém dentro de um invólucro, o qual pode ser desde um saco pequeno até o universo e, infelizmente, dentro desse processo muita energia gasta em uma determinada operação é liberada para o ambiente sem uma reutilização imediata. Como exemplo cito um avião que, para voar de Guarulhos até Frankfurt, gasta 160 mil litros de combustível. Imaginaríamos, numa primeira etapa, se revertêssemos energia em trabalho, que esses 160 mil litros seriam utilizados para o trabalho de voo. Porém, como a eficiência das turbinas é muito baixa, 40 mil litros de combustível são utilizados para fazer o trabalho de voar, e os outros 120 mil litros são jogados na atmosfera, ou seja, componentes químicos foram lançados para o ambiente. Esses componentes químicos não podem mais ser reutilizados. A isso damos o nome de entropia, ou seja, a energia perdida e que não serve mais para nada.
Se amplificarmos esse conceito para tudo o que realizamos, terminaremos entrando no conceito de vida, que é extremamente relacionado ao consumo energético: vivemos consumindo energia, ou seja, precisamos de carne ou elementos que possuem ferro para viver. Para consumir ferro, geralmente usamos a carne. Só que para plantar um hectare para alimentação própria, precisamos plantar cinco hectares para produzir a mesma quantidade de comida que comeríamos caso optássemos apenas pela comida vegetal em lugar de um pedaço de carne. Então, para comer uma mesma quantidade de alimentos que não sejam à base de carne, precisamos de cinco hectares, enquanto que para comer a carne precisamos de um.
Resultado prático: o ser humano por si só já é insustentável. Não tratamos sustentabilidade como algo que está simplesmente restrito ao tripé: econômico, social e ambiental. Tentamos ser o mínimo possível insustentáveis nos processos de fabricação. Essa é uma pergunta complexa, porque o que vai valer para você não é apenas um universo pequeno, o qual você está avaliando, ou seja, não se trata de saber se plantar matéria-prima para produzir álcool é mais sustentável em relação ao combustível convencional.
IHU On-Line – Qual é o papel da tecnologia e da engenharia diante da insustentabilidade humana? A tecnologia pode resolver ou prever problemas futuros a fim de evitá-los?
Jefferson Gomes – Minimizar. Volto a dizer: quando não consumimos mais energia do sistema nós morremos. Então, sempre corremos do quente para o frio, do denso para o disperso, da alta energia para a baixa energia, ou seja, sempre teremos consumo energético sem reposição. No início da Revolução Industrial, começamos a utilizar uma quantidade de energia que não está em fontes renováveis muito altas. Esse procedimento deve parar naturalmente nos próximos anos. Mas para se ter ideia, quando se produz um automóvel, libera-se em energia que não será renovável em forma de elementos químicos para o ambiente algo em torno de 60 toneladas de sujeira. Só que um automóvel ao longo de sua vida produz algo em torno de 400 toneladas de sujeira para o ambiente. Ora, se começarmos a crescer a produção de automóvel do jeito que ele é produzido hoje, ficaremos numa situação insustentável. Então, a vinda de outros tipos de propulsões é uma forma de diminuirmos o dano da insustentabilidade.
Mas aí surge a pergunta: por que produziram algo que poluía tanto? Porque a insustentabilidade naquela época era outra. Uma cidade como Londres, que no início do século passado tinha cerca de 1 milhão e 200 mil habitantes, tinha aproximadamente 400 mil cavalos. Cada um deles, para fazer a propulsão de carroças, produzia 17 kg de estrume por dia e, com esse valor, se consegue imaginar a adequação de uma cidade para uma quantidade grande de sujeira. Então, nessa época, a questão de colocar automóveis circulando foi uma questão de sustentabilidade, porque começaram a surgir várias doenças, entre elas o tifo, derivado da quantidade de excremento que tinha na cidade. Quer dizer, sempre se tapa um buraco e começa outro.
Geração do compartilhamento
Estamos nos encaminhando para uma propulsão de carros híbridos ou elétricos. Não temos hoje a capacidade de ofertar energia para a demanda das cidades. Como proporcionar mais energia? O Brasil é um dos países mais sustentáveis na área energética: 25% do combustível utilizado no automóvel é à base de energia renovável. Além disso, a energia é hidráulica, mas tanto o álcool quanto a energia hidráulica são sensíveis à quantidade de chuvas. Como estamos em uma época de mudanças climáticas, o regime de chuvas irá mudar. Em 2001, o país sofreu um apagão por causa de uma seca e teve de abrir mão de investir apenas em energia hidráulica. Portanto, começamos a montar sistemas que pudessem manter a energia com qualidade, e passamos a investir em energia térmica. Perceba que quando entramos em outra equação para tirar a sujeira do ambiente, entramos em situações para as quais não estamos preparados e passamos a propulsionar outro tipo de sistema para a nossa sociedade.
A nova geração aprendeu a compartilhar tudo o que faz. E esse modelo que estamos experimentando será um modelo compartilhado. A energia, tal como a internet, será compartilhada também. Essa movimentação para tirar a fumaça da cidade gera uma necessidade de consumo energético maior para a propulsão de outros tipos de veículos, e fará com que as casas sejam mais inteligentes. Mas isso não irá ocorrer porque se é legal com o meio ambiente, mas sim porque se vai querer vender energia para o sistema operador. E a concepção que temos de energia centralizada pode ser sofrer uma mudança, dependendo do país em que o sistema for implementado. Em alguns países, o sistema centralizado de energia se mantém, mas as pessoas podem ofertar energia para o sistema. Em outros, a energia já está descentralizada. Perceba que há um movimento em cima de outro: causa e consequência. Aí vamos nos deparar com novos problemas de sustentabilidade, já que o ser humano não consegue usar os quatro pilares da inovação: alta capacidade de observação, poder de associação, formação de redes para ações conjuntas, e determinar o que quer experimentar. Esse movimento fará a nossa sociedade a migrar para tecnologias mais inteligentes para o ambiente.
IHU On-Line – Como o senhor vê o discurso acerca do uso sustentável de fontes energéticas limpas? Que futuro se pode vislumbrar quando se trata de energia?
Jefferson Gomes – Não existe possibilidade de “filantropia”. Não sei se essa é a palavra mais adequada, mas o fato é que ninguém é mais sustentável porque isso é legal para o ambiente. Se existem, são poucos. Tem uma onda chamada Inovação Social, mas efetivamente a característica do ser humano é de ser predador.
A energia renovável tem de se compensar. Então, quando você começa a migrar para o conceito de que você é membro agente e pode participar da comercialização disso, tudo começa a fazer sentido. Em termos práticos, em questão de uma década as pessoas terão seus carros elétricos, os levarão para casa e saberão que das 18h às 21h o horário de consumo de energia será mais caro. As pessoas que tiverem uma casa inteligente poderão optar por usar a energia do carro na casa. Se você chegar à casa de um amigo com pouca energia no seu carro, poderá carregá-lo e a conta dessa energia utilizada será enviada para o seu endereço, pois ele estará registrado na tomada. Quando sobrar energia do seu carro, você poderá vendê-lo para seu vizinho ou para o sistema. Quando as pessoas começarem a fazer parte do jogo, olharão para a energia de forma mais sustentável e passarão a avaliar se podem gastar 100% da energia do seu carro ou se podem ganhar um dinheiro economizando e vendendo energia.
IHU On-Line – Tudo depende da questão econômica?
Jefferson Gomes – Sempre. O ser humano não trabalha se não for assim. Vejo que existe uma coisa chamada internet das coisas, ou seja, os equipamentos começam a se comunicar e a tomar decisões importantes para o dia a dia das pessoas. Então, por exemplo, uma máquina de lavar roupa poderá verificar que, com a carga de energia recebida, poderá lavar roupa com um consumo energético mais eficiente, ou seja, o equipamento irá oferecer opções de acordo com o sistema energético mais barato. Isso vai acontecer em um futuro muito próximo. As pessoas vão comprar esses equipamentos e gastarão menos energia. Quer dizer, as pessoas não serão mais sustentáveis porque estão sendo legal com o ambiente, mas porque a energia está muito cara. O megawatt está quase R$300,00. Se você conseguir diminuir esse valor para R$100,00, sua conta ficará muito menor. Se você ainda conseguir vender parte da sua energia para o vizinho, ainda ganhará dinheiro. Isso já acontece na Austrália e em alguns lugares dos Estados Unidos.
Em relação à energia eólica, o Brasil tem o maior corredor eólico do planeta. No entanto, utiliza-se muito pouco. A energia eólica, como é feita hoje – não estou nem falando da transmissão, mas daquelas existentes dentro desses sistemas –, ainda é arcaica. As máquinas que estão em cima dos geradores eólicos são muito pesadas. Tem uma tecnologia chamada ímã permanente, que tende a diminuir extremamente a massa dos rotores. O Brasil é o quarto ou o quinto país fornecedor de terras raras, apesar de 85 ou 87% ser fornecido pela China. E ímãs permanentes utilizam terras raras. Se desenvolvermos tecnologia para isso, ela será estratégica, porque não se aplica só ao Brasil, mas a outros países. Nesse sentido, o Brasil entra nesse segmento como um player e não como um usuário somente.
De todo modo, as energias renováveis sofrem um grande problema: são inconstantes, dependem do sol, do vento, das marés, de tudo que está no ambiente. O que se estuda hoje são formas de fazer com que esses sistemas renováveis gerem reservatórios de energia. Não existe possibilidade de a energia renovável ser tocada em frente se não trabalharmos com compartilhamento.
IHU On-Line – Como conciliar e desenvolver crescimento econômico, responsabilidade social e proteção ambiental, considerando os conceitos de sustentabilidade e insustentabilidade?
Jefferson Gomes – Essa pergunta é boa. Para respondê-la, é preciso entender o passado e o presente. A nossa sociedade é a da Revolução Industrial, ou seja, não tem 200 anos. Essa sociedade está fortemente relacionada com um movimento chamado Iluminismo, que, entre tantas coisas, criou a ideia de posse. Essa ideia ainda não existia até o período da rainha Elisabeth, na Inglaterra. Essa história toda fez com que as técnicas e as filosofias criadas nessa época fossem as mais importantes. As ideias econômicas de Adam Smith, baseadas na filosofia da Lei de Newton, diz que os corpos se movimentam e, se deixarmos eles se movimentarem, continuarão em um movimento incessante, sem parar. Isso posto, passou-se a pensar o seguinte: “Assim como a Teoria de Newton, o mercado se autorregula, ou seja, o mercado é uma coisa que tem uma explosão e os movimentos que vão acontecendo acontecem naturalmente”. Essa filosofia da autorregulação do mercado perdura em muitos movimentos até hoje. O problema é que a sociedade da mesma época acreditava que existiam dois tipos de ambientes: a parte que era composta por seres vivos, e a parte que era composta simplesmente por matéria. Então, tinha-se a ideia de que a Terra não utilizada era uma Terra que o ser humano não precisa utilizar agora.
Lá pela década de 1970, começou-se a pensar o seguinte: “As coisas têm a ver umas com as outras, ou seja, o orgânico e o inorgânico, porque a Terra é composta por vários elementos químicos e o oxigênio é um elemento muito presente no ar, só que, se ele passar de uma certa quantidade, a Terra irá virar uma bola de fogo”. Então, como você explica que o oxigênio não cresce? Assim, desenvolveu-se uma teoria em que o oxigênio começa a ter maior quantidade; quando ele começa a ter maior quantidade, começa também a provocar em bactérias a produção de metano e, consequentemente, se tem uma regulagem automática de oxigênio pelo movimento de organismos vivos. Perceba que, nessa história toda, a economia começa a se dar conta de que a questão de ganho e perda não está mais só relacionada ao econômico e à sociedade. O que eu estou querendo dizer com isso? Aprendemos há muito tempo que o PIB era importantíssimo, ou seja, que o país que tem um PIB grande é um país de sucesso. Só que PIB é a quantidade de investimento pela quantidade de gasto, é a receita pelo gasto. Então, teoricamente se o Brasil tiver um PIB grande, ele será um país bom, mas ninguém conta se houver investimento em saneamento básico, ou se for gerada poluição etc.
Transição
O PIB deixa de ser, nessa sociedade em transição que estamos vivendo, o referencial de sociedade decente, como era anteriormente. Como as sociedades estão se organizando em não mais utilizar somente o PIB como uma referência, é natural que a sociedade melhore nos aspectos sociais e ambientais ao longo do tempo. Sou muito otimista e acredito que o efeito devastador do processo de compartilhamento que as novas gerações estão impondo aos sistemas virtuais irá entrar nos sistemas reais, e teremos sistemas mais sustentáveis.
IHU On-Line – Como classifica o Brasil no contexto do desenvolvimento tecnológico?
Jefferson Gomes – As indústrias brasileiras se reuniram em um conglomerado de ações, juntamente com o governo federal, para pensarem situações relacionadas à mobilidade, à energia, à saúde. Enfim, há desenvolvimento tecnológico para essas questões serem melhoradas. O país, falando em termos como uma “caixa”, tem trabalhado necessariamente em várias ações. É evidente que nunca houve uma convergência tão grande, nem nunca se teve tanto dinheiro para se fazer pesquisa decente no Brasil. Digo a indústria está entrando com a parte dela, e o governo está participando desses processos. Todos esses projetos industriais têm um cunho social muito forte. Entretanto, por mais que você consiga arrumar algumas questões, infelizmente alguns problemas continuarão existindo.
Quando falamos de Brasil, estamos falando de quê? Estamos falando de tecnologias da mobilidade? Nesse quesito o país é trágico; ele ainda não desenvolveu nada. Estou em Brasília, olhando a cidade pela janela, e parece que estou vendo uma imagem das décadas de 1960 e 1970, vários ônibus velhos. É simplesmente deprimente ver uma coisa dessas na capital do país. Por outro lado, em acesso à informação o Brasil é pioneiro, é um dos países em que a sociedade tem mais acesso à rede: mais de 50% da sociedade acessando a internet. O Brasil é muito complexo, mas acredito que estamos no caminho, independentemente dos partidos.
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A tecnologia e a aposta na minimização da insustentabilidade. Entrevista especial com Jefferson Gomes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU