09 Outubro 2012
“Enquanto as vendas mundiais, entre 2000 e 2010, crescem em torno de 90%, as vendas brasileiras crescem 190%. Em termos de importações mundiais, o Brasil também está entre os seis maiores importadores mundiais de agrotóxicos e, nos anos 2000, o crescimento brasileiro foi o maior de todos”, informa o pesquisador.
Confira a entrevista.
Considerado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, o mercado brasileiro corresponde “a quase 1/5 (um quinto) do mercado mundial no volume de vendas” de herbicidas, algo em torno de 19% do mercado internacional. De acordo com Victor Pelaez Alvarez, “entre 2001 e 2010, a produção agrícola das oito principais commodities consumidoras de agrotóxicos aumentou 97%, a área plantada aumentou 30% e a venda de agrotóxicos aumentou 200%”. Esses dados, ressalta, demonstram a intensificação do uso do produto nas lavouras brasileiras, que “estão usando mais agrotóxicos por hectare”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Alvarez afirma que o ingresso do Brasil no mercado de agrotóxicos segue uma “lógica comercial”, considerando que treze empresas são responsáveis pela maior parte da produção de pesticidas no mundo. “Há uma troca entre unidades de produção de uma mesma empresa, na medida em que elas têm uma lógica de produzir em grande escala. Algumas plantas podem se especializar na produção de determinados agrotóxicos em nível mundial para reduzir o custo de produção”, esclarece. Segundo ele, no Brasil o comércio é mais “intenso no sentido de exportar agrotóxicos para os países da América Latina, principalmente para a Argentina, onde é destinado 50% das exportações”.
Diante do consumo consciente, que cresce nos países mais desenvolvidos, Alvarez questiona a posição brasileira de investir massivamente na expansão agrícola baseada no uso de agrotóxicos. “Por ser um grande exportador agrícola e exportador para alguns países que têm maior rigor no controle dos produtos, como a União Europeia e os Estados Unidos, o Brasil deveria ter um cuidado maior em termos de harmonização, visto que ele tem autorizado uma série de agrotóxicos que são proibidos nesses países”, aponta.
Victor Pelaez Alvarez é graduado em Engenharia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, mestre em Política Científica e Tecnológica pela mesma universidade, e doutor em Sciences Economiques pela Université de Montpellier I. É professor associado da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A partir das pesquisas do observatório, o que é possível apontar sobre o mercado internacional de agrotóxicos? Qual é a participação do Brasil nesse mercado?
Victor Pelaez Alvarez – Desde 2008, estima-se que o Brasil seja o maior mercado mundial de agrotóxicos, ultrapassando os Estados Unidos. Em 2010, o mercado brasileiro correspondia a quase 1/5 (um quinto) do mercado mundial no volume de vendas. Então, o Brasil tem 19% e os Estados Unidos tem 17% desse mercado. Outro aspecto importante é o desempenho. Enquanto as vendas mundiais, entre 2000 e 2010, crescem em torno de 90%, as vendas brasileiras crescem 190%. Em termos de importações mundiais, o Brasil também está entre os seis maiores importadores mundiais de agrotóxicos e, nos anos 2000, o crescimento brasileiro foi o maior de todos. O Brasil cresceu cerca de cinco vezes, algo em torno de 487% das importações brasileiras de agrotóxicos. Eu estou considerando somente os produtos formulados, utilizados na agricultura.
Depois do Brasil, o consumo de agrotóxicos é mais intenso na Alemanha e no Canadá. Esses dois países consomem cerca de 114% dos agrotóxicos.
IHU On-Line – Por que há interesse no mercado brasileiro? Por quais razões o uso de agrotóxicos triplicou na última década?
Victor Pelaez Alvarez – Entre 2001 e 2010, a produção agrícola das oito principais commodities consumidoras de agrotóxicos aumentou 97%, a área plantada aumentou 30% e a venda de agrotóxicos aumentou 200%. Então, houve uma intensificação do uso. Enquanto a área plantada aumenta 30%, as vendas de agrotóxicos aumentam 200%. É possível ver que há uma intensificação do uso de agrotóxicos e isso é muito preocupante, porque estão usando mais agrotóxicos por hectare. Isso acontece por vários motivos, entre eles está o fato de o agricultor estar mais capitalizado e, portanto, capaz de comprar e investir mais em insumos. O outro aspecto diz respeito ao uso continuado de agrotóxicos, principalmente de um único deles, que é o glifosato. O uso contínuo causa dependência, e é preciso usar uma quantidade sempre maior de agrotóxicos na lavoura. Além disso, é necessário utilizar agrotóxicos diferentes do glifosato, e agrotóxicos que são mais tóxicos.
Então, há uma inversão, ou seja, um retrocesso tecnológico, porque todo o discurso para vender a soja transgênica resistente ao glifosato é de que ela iria reduzir o consumo de agrotóxicos, iria proporcionar o uso mais racional de um agrotóxico menos tóxico, mas na medida em que aumenta a resistência, é necessário combinar o glifosato com outros herbicidas mais tóxicos. O Paraquat [1] é outro produto que está sendo utilizado no Rio Grande do Sul. É um produto classe 1, em termos de grau de toxicologia, pois é extremamente danoso.
IHU On-Line – De quais países o Brasil importa e para quais exporta agrotóxicos? O que suas pesquisas demonstram sobre a regularização desses produtos?
Victor Pelaez Alvarez – O Brasil foi um grande importador de agrotóxicos. É importante saber que treze empresas multinacionais controlam cerca de 90% do mercado mundial. Essas empresas estão subsidiadas no mundo inteiro, e as importações e exportações que acontecem estão ligadas a um comércio entre empresas e filiais de empresas multinacionais, localizadas em várias regiões do mundo. Não é necessariamente o Brasil como país que está importando ou exportando agrotóxicos. Ele está ligado a essa lógica de comércio entre empresas multinacionais.
O fato de o Brasil exportar agrotóxicos significa que algumas multinacionais aqui instaladas exportam para outras empresas. Por exemplo, a filial da Monsanto exporta para outra filial na Bélgica ou nos Estados Unidos. Há uma troca entre unidades de produção de uma mesma empresa, na medida em que elas têm uma lógica de produzir em grande escala. Algumas plantas podem se especializar na produção de determinados agrotóxicos em nível mundial para reduzir o custo de produção. No caso do Brasil, o comércio é mais intenso no sentido de exportar agrotóxicos para os países da América Latina, principalmente para a Argentina, onde são destinados 50% das exportações. Há um intenso comércio entre os países vizinhos. A Bélgica e os Estados Unidos são grandes países de destino das exportações brasileiras. Na realidade, esses são países de destino porque algumas multinacionais especificamente fazem esse comércio de matriz e filial. Da mesma forma, o Brasil também é um grande importador dos Estados Unidos. Essa é a lógica comercial.
IHU On-Line – Como compreender a posição do governo brasileiro, de aceitar o uso de agrotóxicos que são proibidos em outros países? O que isso demonstra sobre a política brasileira em relação à saúde e à agricultura? Nesse sentido, como vê a atuação da CTNBio e da Anvisa?
Victor Pelaez Alvarez – Essa é uma boa pergunta. Por ser um grande exportador agrícola e exportador para alguns países que têm maior rigor no controle dos produtos, como a União Europeia e os Estados Unidos, o Brasil deveria ter um cuidado maior em termos de harmonização, visto que ele tem autorizado uma série de agrotóxicos que são proibidos nesses países, inclusive alguns na China. A China é mais cuidadosa no sentido de harmonizar sua legislação com países da União Europeia, e o Brasil, nesse sentido, acaba ficando atrasado nesse processo. Por ser o maior mercado mundial em crescimento, o país também sofre a pressão das empresas que tentam vender produtos que já não podem ser vendidos em outros países. E aí, obviamente, a venda depende do grau de rigor da legislação brasileira.
Como a legislação brasileira diz que o registro de um produto agrotóxico tem um prazo indeterminado, diferentemente, por exemplo, de países pertencentes à União Europeia, que têm prazos de dez anos, o ônus da prova para retirar um produto do mercado é do órgão regulador. Diante desse esforço da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa de rever quatorze ingredientes ativos que hoje teriam um risco potencial à saúde humana, as empresas utilizam-se de artifícios legais e pedem a cassação do processo de revisão dos agrotóxicos na Justiça. Todos esses pedidos de liminares foram atendidos inicialmente pelos juízes e depois revertidos. Aí a estratégia é para ganhar tempo, mas isso gera um grande desgaste para uma agência reguladora, que tem pessoal, recursos humanos e financeiros escassos.
Na medida em que a regulação no Brasil é feita por três órgãos, o Ministério da Agricultura (que avalia a eficácia agronômica), o Ministério do Ambiente (que avalia os impactos ambientais) e a Anvisa, do Ministério da Saúde (que avalia o impacto à saúde humana), acaba prevalecendo uma lógica de mercado de curto prazo, que tem o efeito bumerangue, porque o Brasil acaba exportando alimentos com resíduos de agrotóxicos para mercados em que tais produtos são proibidos. O exemplo mais claro disso foi a exportação do suco de laranja para os Estados Unidos com o resíduo de um fungicida, o Carbendazim [2] que é proibido lá. Bom, isso fez com que os produtores de suco de laranja tivessem um prejuízo de milhões de dólares. Então, veja que, de um lado, a agricultura está ligada ao mercado e, de outro, à saúde, como se fossem variáveis distintas. Trata-se de um falso dilema.
Para os mercados exigentes, cada vez mais a variável saúde é uma variável de mercado, que garante acesso a ele e dá credibilidade àquele que toma cuidado com a qualidade de seus produtos. O Brasil, ao não ter esse cuidado, ao se submeter à lógica das empresas, se submete a uma minoria e entra em conflito com o próprio desinteresse da agricultura nacional. A maneira de se colocar o problema é totalmente equivocada, no sentido de que haveria uma dicotomia entre saúde e agricultura, ou saúde e mercado. Pelo contrário, os dois devem andar juntos e isso faz parte, ou deveria fazer parte, de um país com grande biodiversidade, preocupado em garantir padrões de qualidade em termos ambientais e à saúde humana. Enfim, essa preocupação com a qualidade dos alimentos faz parte de qualquer lógica de produção moderna, avançada etc. O Brasil é ainda bastante atrasado nessa discussão, na problematização dessas questões, na incorporação dessa temática na agenda de discussão das políticas públicas. O governo se submete à bancada ruralista, que está longe de perceber a realidade dos mercados consumidores dos países ricos.
IHU On-Line – Uma das justificativas para o aumento do uso de agrotóxico é a expansão da agricultura no país. Como vê essa justificativa? É possível produzir, na escala brasileira, sem o uso dos pesticidas?
Victor Pelaez Alvarez – Tudo isso é um processo. Veja que a chamada Revolução Verde, que começa depois da Segunda Guerra Mundial, expande um modelo de produção com o uso intensificado de produtos químicos, de sementes etc., levou algumas décadas para se consolidar. Da mesma forma, hoje é possível se produzir em grande escala, sim, com o uso racional dos insumos, principalmente dos agrotóxicos e fertilizantes químicos.
O fato é que os agrotóxicos são incentivados, são isentos de IPI, tem redução de até 60% do ICMS. Portanto, toda lógica econômica é voltada para a redução do preço no intuito de incentivar a produção e o consumo destes produtos. Durante muito tempo o sistema de créditos no Brasil só concedia créditos para o agricultor que usasse agrotóxicos, quer dizer, havia um incentivo ao consumo desses produtos. Falta ao Brasil uma política de racionalizar o uso desses artigos.
Se você produzir em pequenas propriedades, por exemplo, por sistemas agroecológicos ou que usam uma quantidade muito menor de agrotóxicos, a soma disso dará a escala em nível regional e nacional. Novamente, trata-se da forma como se coloca o problema, como se pensa uma política agrícola integrada e preocupada com as questões ambientais.
NOTA
[1] É um composto quaternário do amônio utilizado como herbicida e altamente perigoso para os humanos se ingerido. O Paraquat foi produzido pela primeira vez, com propósitos comerciais pela Sinon Corporation, em 1961 pela Syngenta, e é hoje um dos herbicidas mais usados.
[2] Carbendazim é um fungicida benzimidazólico que é de amplo espectro e argamaente utilizado e um metabólito do benomil. O fungicida é usado para controlar doenças vegetais em cereais e frutas.
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Brasil: o mercado internacional dos agrotóxicos. Entrevista especial com Victor Pelaez Alvarez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU