28 Novembro 2011
"Dificilmente acabará o tráfico propriamente dito, que encontrará modos mais discretos de chegar aos fregueses, como já vem ocorrendo em outras Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs", avalia Michel Misse, ao comentar a ocupação da favela da Rocinha. Apesar de analisar os limites das UPPs nas favelas cariocas, o sociólogo diz que o "controle armado do tráfico acaba, o que permitirá avanços no associativismo livre local e a instalação emmédio prazo de uma polícia comunitária".
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Misse também analisa a atuação da mídia. Para ele, a cobertura televisiva da ocupação da Rocinha é "chapa-branca", e "praticamente não se distingue mais do Estado". E ressalta: "O apoio à atual política das UPPs não deve se transformar em ufanismo televisivo, destruindo a imparcialidade e a capacidade crítica que se espera do bom jornalismo".
Michel Misse é graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre e doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ/SBI/UCAM. Atualmente é professor associado do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, onde integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Percebe algum avanço em relação à ocupação da Rocinha, comparando com a ocupação do Complexo do Alemão no ano passado?
Michel Misse – O principal avanço foi o trabalho de inteligência da polícia que permitiu a prisão dos principais chefes sem um único tiro.
IHU On-Line – O que deve mudar na Rocinha com a instalação das UPPs?
Michel Misse – O fim do controle armado por parte dos traficantes. Dificilmente acabará o tráfico propriamente dito, que encontrará modos mais discretos de chegar aos fregueses, como já vem ocorrendo em outras UPPs. Mas o controle armado do tráfico acaba, o que permitirá avanços no associativismo livre local e a instalação em médio prazo de uma polícia comunitária. Esse é o plano; todos esperamos que se realize.
IHU On-Line – Qual é o efeito das UPPs nas favelas cariocas?
Michel Misse – O sentimento de insegurança diminuiu na cidade; isso está visível nas áreas turísticas e nos bairros de classe média da zona sul e zona norte. Mas o tráfico armado ou as milícias parapoliciais continuam atuando na maioria das favelas da cidade e em todas as favelas da região metropolitana (baixada fluminense e região serrana, além de Niterói). São mais de 200 as favelas que se sabe que estão sob controle ou do tráfico ou de milícias. É um grande desafio, que se acumulou ao longo dos últimos 30 anos.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a prisão do traficante Nem e o espetáculo que a mídia tem feito em torno da ocupação das favelas do Rio de Janeiro?
Michel Misse – É vergonhosa a atuação da mídia chapa-branca, que praticamente não se distingue mais do Estado. O apoio à atual política das UPPs não deve se transformar em ufanismo televisivo, destruindo a imparcialidade e a capacidade crítica que se espera do bom jornalismo. Infelizmente a grande imprensa brasileira não anda nada bem nesse quesito.
IHU On-Line – Por que o poder econômico do tráfico no Rio de Janeiro está em declínio? Essa situação se deve a proliferação das milícias nas favelas do Rio de Janeiro?
Michel Misse – As milícias avançaram com o declínio do tráfico. Quando me refiro ao declínio, estou apenas constatando, por comparação com o período 1987-2001. São muitos os fatores, inclusive as lutas entre as facções e as lutas internas às próprias facções, além da política de confronto e extermínio, que matou mais de 10 mil civis suspeitos nos últimos oito anos no estado do Rio de Janeiro. É quase o mesmo número de presos por tráfico. As UPPs se tornaram possíveis também por esse declínio.
IHU On-Line – Além da perda de território dos traficantes, quais são as outras razões que têm facilitado a introdução das milícias no Rio?
Michel Misse – O solo das milícias é a generalizada corrupção na polícia fluminense. Quando a extorsão começou a cair, em algumas áreas, em função do declínio do tráfico a varejo, os policiais corruptos, aliados a outros cúmplices do serviço público, resolveram juntar ao extermínio dos traficantes a extorsão dos moradores, sob o pretexto de proteção. Aproveitaram também e passaram a comercializar bens ilegais (exceto drogas) antes controlados pelos traficantes (transporte ilegal, distribuição de gás em butijão, gatonet, etc.).
IHU On-Line – Por que o Estado não consegue combater as milícias?
Michel Misse – Houve a CPI estadual, comandada pelo corajoso deputado Marcelo Freixo (hoje ameaçado de morte) e houve repressão a uma das principais redes de milícias, a chamada Liga da Justiça, cujos chefes estão presos. Há uma UPP numa das favelas controladas por milícias na zona oeste, mas é preciso muito mais – como já disse, o desafio é grande e há resistências. O assassinato da juíza Patricia Amorim, de São Gonçalo, deve-se ao fato de que ela estava endurecendo com as milícias da região.
IHU On-Line – Quais são, hoje, as principais razões da violência e dos conflitos urbanos no Rio de Janeiro?
Michel Misse – São muitas as formas da violência. A mais visível e temível é a violência armada, geralmente baseada em mercados ilegais – drogas, armas, mercadorias ilegais, etc.
IHU On-Line – Quais são os principais limites da atual segurança pública no Rio de Janeiro?
Michel Misse – O orçamento do Estado e os interesses políticos. Como em qualquer outro lugar...
IHU On-Line – Quais serão os desafios das UPPs na Rocinha e no Vidigal?
Michel Misse – A continuidade, o apoio dos moradores e, principalmente, os policiais não cederem à lógica da corrupção, não entrarem no troca-troca de mercadorias políticas.
IHU On-Line – Como vê a saída de Marcelo Freixo do Brasil por causa de ameaças de morte?
Michel Misse – Freixo saiu taticamente, o que foi correto, atendendo a convites para conferências na Europa. Deverá se candidatar à prefeitura por seu partido, o Psol. Freixo, como eu, apoia (sem perder a visão crítica) a política das UPPs em lugar das anteriores políticas de confronto e extermínio. Os criminosos devem ser presos e condenados, jamais mortos.
IHU On-Line – Em que consistiria uma política de segurança pública eficaz no Rio de Janeiro?
Michel Misse – Aquela que garantir níveis normais de criminalidade e violência, normais no sentido de estatisticamente comparáveis a cidades semelhantes de outras partes do mundo civilizado.
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''O solo das milícias é a generalizada corrupção na polícia fluminense''. Entrevista especial com Michel Misse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU