02 Junho 2011
A greve dos trabalhadores da Volkswagen, em São José dos Pinhais (PR), já é a mais longa da história da luta dos trabalhadores das montadoras no estado. Desde o dia 5-05-2011, os trabalhadores mantêm a greve para sustentar a reivindicação da Participação nos Lucros e Resultados – PLR no valor de 12 mil reais. A empresa já manifestou que prefere que a produção pare em vez de pagar o que os trabalhadores exigem. "O plano de fundo desta greve é sustentado pela diferença entre o que a Volks paga no Paraná e o que ela paga aos trabalhadores da fábrica localizada no ABC Paulista", argumenta Jamil D’Ávila, coordenador da Comissão de Fábrica da Volkswagen. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, Jamil apontou que o salário pago pela Volks em São Paulo é 83% maior do que o salário dos trabalhadores da planta industrial de São José dos Pinhais.
Outra fábrica que utilizou a greve para reivindicar aumento no valor da PLR na mesma cidade foi a Volvo. "Uma das montadoras concorrentes, que tem fábrica aqui na região, fechou acordo com os trabalhadores. Deste modo, repassará uma PLR em duas parcelas de 6 mil reais. Com isso, nós entendemos que teríamos que perseguir essa mesma proporcionalidade", explicou Sebastião Fagundes, representante da Comissão de Fábrica da Volvo. Em entrevista, concedida também por telefone, Fagundes disse que a empresa não quis, num primeiro momento, pagar o valor reivindicado. Porém, três dias após a paralisação, ela aceitou o aumento no valor a ser pago aos trabalhadores. Isto mediante negociação do Judiciário.
As entrevistas foram feitas em parceria com o Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – Cepat.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Os trabalhadores da Volvo Brasil conquistaram uma Participação nos Lucros e Resultados de 15 mil reais. Foi o maior valor conseguido até o momento? Como vocês chegaram a esse valor?
Sebastião Fagundes – Uma das montadoras concorrentes, que tem fábrica aqui na região, fechou acordo com os trabalhadores. Deste modo, repassará uma PLR em duas parcelas de 6 mil reais. Com isso, nós entendemos que teríamos que perseguir essa mesma proporcionalidade. Em 2010, nosso potencial mínimo de PLR foi de R$5.256, e conseguimos fechar um acordo e receber 9 mil reais. Para 2011 nós entendemos que, mantendo a proporção de 33% acima do potencial, como aconteceu no ano passado, nossa PLR deveria chegar aos 15 mil reais, no mínimo.
No entanto, a empresa disse que não concordaria em pagar essa PLR porque era um valor muito alto. E aí, após três dias de paralisação da fábrica, a Volvo pediu o dissídio e o Judiciário mediou a negociação em que conseguimos o valor de 15 mil reais, sendo 7 mil de antecipação – pago no mês de maio –, ficando 8 mil reais para o fechamento final, que será pago em fevereiro de 2012. Isso se atingirmos 100% das metas.
IHU On-Line – Os trabalhadores da matriz da Volvo, na Suécia, também ganham algo parecido como a PLR?
Sebastião Fagundes – Lá é diferente. A orientação que o grupo Volvo dá é de pagar 1.3 salário nominal que o trabalhador recebe em todas as plantas. Porém, cada país tem uma política diferente. Seguramente, lá na Suécia os trabalhadores ganham melhor do que nós aqui no Brasil. Nós entendemos que o poder de compra do nosso salário é menor do que o deles e, por isso, nós temos que achar outra forma de garantir uma melhor qualidade de vida por meio de um salário mais justo. Uma das formas de se fazer isso é buscar a equiparação através da PLR.
IHU On-Line – E você sabe qual o valor na Suécia?
Sebastião Fagundes – No momento, até onde sei, o menor salário para eles lá está na ordem de 27 dólares a hora. Se multiplicarmos esse valor por 200 horas trabalhadas (média do mês) o salário mensal fica em torno de 5.400 dólares.
IHU On-Line – Como foi a mobilização para a conquista desse valor?
Sebastião Fagundes – Primeiro nós começamos conversando sobre isso nos bastidores, antes do prazo final para o pagamento da PLR. Costumo dizer que as negociações não começam no dia da greve; elas são são agendadas no início do ano. Nós começamos discutindo as metas internas, tentando entender o processo da empresa, assim como a evolução do volume de produção. Só paramos a fábrica porque nós entendíamos que não dava para trabalhar com uma evolução de 10% sobre o potencial de 9 mil reais quando no ano passado conseguimos 33% de aumento em relação ao potencial inicial.
Quando apontamos que não iríamos trabalhar com o mesmo potencial do ano passado, mas sim que queríamos a evolução da PLR, a empresa resistiu e disse que iria dar apenas R$5.500 de antecipação e decidir o valor final depois, pois ainda não sabia quanto iria lucrar esse ano. Nós dissemos que não concordávamos com isso, porque podíamos negociar apenas a antecipação, desde que esta atendesse aos trabalhadores e sem precisar paralisar a fábrica. Como a empresa foi resistente, nós paramos o trabalho da fábrica para que a mobntadora pudesse sentar e acertar a PLR conosco.
Primeiro, fizemos um protesto de duas horas numa quinta-feira; possibilitamos que na sexta-feira a empresa organizasse uma proposta. Como não obtivemos resposta, já na segunda-feira paramos a produção por tempo indeterminado. Só no terceiro dia de greve a empresa pediu dissídio e, mediado pela Promotoria de Justiça, chegamos ao acordo de 15 mil reais de PLR.
IHU On-Line – E os trabalhadores apoiaram essa iniciativa?
Sebastião Fagundes – Os trabalhadores de piso de fábrica apoiaram essa iniciativa. Começamos juntos e terminamos juntos. Porém, nós tivemos uma divisão interna, onde o setor administrativo concordou com a proposta da empresa. Assim, o sindicato disse que não fecharia os portões e liberou a entrada da fábrica para quem não quisesse ficar do lado de fora.
IHU On-Line – Quem é do administrativo ganhará um percentual e quem é de chão de fábrica receberá outro?
Sebastião Fagundes – Não, pois nós somos instituições e não podemos nos diferenciar em acordos. Com isso, foi feito um ajuste comum para todos. Porém, a situação ficou um pouco desagradável, num primeiro momento, porque deu a impressão de que, novamente, os trabalhadores do chão de fábrica tiveram que sustentar um movimento para buscar aquilo que é direito de todos os trabalhadores.
IHU On-Line – A PLR não incide sobre os direitos de reajuste salarial mensal, férias, FGTS...
Sebastião Fagundes – Exatamente. A PLR é conhecida por nós como "dinheiro barato". Sobre esse dinheiro, a empresa não paga qualquer tipo imposto, já o trabalhador tem que colocá-lo no cálculo do imposto de renda.
IHU On-Line – A PLR não faz o jogo da empresa trocando salário por um bônus? Seria um bônus para o trabalhador não reivindicar outros direitos?
Sebastião Fagundes – Faz parte de um jogo sim, mas não faz parte do jogo da empresa. Isso porque têm muitas empresas que não pagam PLR e o salário dos trabalhadores está abaixo do nosso. É claro que seria melhor se esse valor fosse vinculado ao salário porque aí podemos contar com isso até no fundo de garantia, nas férias e outros benefícios. Em contrapartida, nós vemos que outras categorias não têm a mesma evolução que temos no aumento de salários.
IHU On-Line – Conversando com seus colegas de trabalho, qual é a sua percepção na utilização a respeito do valor ganho com a PLR?
Sebastião Fagundes – Na maioria das vezes, muitos deles são acostumados, principalmente no setor de montadoras, a receber essa valor nessa época. Nós percebemos que 50% dos trabalhadores utilizam esse dinheiro para pagar o excedente no limite do crédito, antecipam prestações de financiamentos...
IHU On-Line – Na Volks a lógica é a mesma?
Jamil D’Ávila – Varia muito de pessoa para pessoa. Há trabalhadores que aproveitam para saldar dívidas, outros aproveitam para diminuir as parcelas de algum financiamento. Normalmente, os trabalhadores já contam com esse bônus para honrar seus compromissos financeiros firmados durante o ano. Claro que ninguém contava que faríamos uma greve, muito menos com tamanha duração e que fosse atrasar tanto a PLR quanto o salário do mês.
IHU On-Line – A PLR não divide a classe trabalhadora?
Sebastião Fagundes – Não. O setor metalúrgico tem mostrado a todas as categorias que é possível buscar mais do que o patrão quer nos dar. Esse setor está mostrando para as outras categorias que, organizados e com vontade de lutar, somos a verdadeira força de trabalho e temos força para reivindicar salários justos.
Jamil D’Ávila – Não. Ela é, na verdade, uma referência para que todos os trabalhadores reivindiquem seus direitos e suas condições salariais.
IHU On-Line – Qual tem sido a principal luta travada pela Comissão de Fábrica da Volvo nesse momento?
Sebastião Fagundes – Nossa luta principal é em relação à segurança do trabalho. Em segundo lugar, buscamos um bom clima organizacional dentro da empresa, para que, através do diálogo, consigamos resolver os problemas, as diferenças. A ideia de opressão tem que acabar. O trabalhador sabe que a produção tem que continuar, que a empresa visa o lucro, mas nada tem que ser feito de forma imposta. A comissão de fábrica tem trabalhado bravamente para manter o equilíbrio de respeito e de clima organizacional com todos os direitos dos trabalhadores sendo respeitados.
IHU On-Line – Como estão as negociações entre a Comissão de Fábrica e a Volks sobre a PLR?
Jamil D’Ávila – As negociações são coordenadas pelo sindicato. Nós fizemos algumas reuniões com as empresas nos últimos dias. Não conseguimos, ainda, chegar a uma proposta que atendesse às perspectivas dos trabalhadores. As negociações começaram no final do mês de abril, quando apresentamos nossa pauta à empresa e marcamos duas reuniões com ela. A Volks, então, fez uma proposta que não foi aceita pelos trabalhadores.
Com isso, entregamos o aviso de greve caso a empresa não respondesse com uma proposta que atendessea reivindicação de 12 mil reais de PLR. Como a empresa não chegou a essa proposta, demos início à greve no dia 5 de maio de 2011, que persiste até hoje. Temos tido reuniões coma empresa durante as semanas que passaram, mas ainda não recebemos uma proposta que agradasse ambos os lados. Por isso, a greve continua.
IHU On-Line – Essa greve na Volkswagen já é a maior da história da categoria?
Jamil D’Ávila – Ela é a maior da história da Volkswagen e das montadoras, mas não é a maior da história do sindicato. Tivemos uma greve em 2010 de 32 dias na empresa Neodent [uma empresa de implantes dentários] que foi a maior do sindicato. Entre as montadoras, no entanto, essa é a maior.
IHU On-Line – Em sua opinião, ao que se deve a inflexibilidade da empresa que até ameaçou fechar a fábrica?
Jamil D’Ávila – Eles não chegaram a dizer que iam fechar a fábrica. Na verdade, a empresa disse que era preferível ficar sem produzir a atender às propostas dos trabalhadores. O mercado está em alta e tem demandado muito da produção. Por isso, certamente a fábrica não irá fechar. O que a Volkswagen quer é não pagar o salário que os trabalhadores vêm reivindicando.
O plano de fundo desta greve é sustentado pela diferença entre o que essa montadora paga aqui no Paraná e o que ela paga aos trabalhadores da fábrica localizada no ABC Paulista. Para você ter uma ideia: um montador de produção aqui no Paraná, após dez anos de empresa, tem um salário de R$2.025,00. A mesma Volkswagen paga para o montador de São Bernardo do Campo o valor de R$3.750,00. São 83% de diferença de salário entre trabalhadores da mesma empresa, mas de regiões diferentes. Como nosso salário é inferior, buscamos nos salários variáveis, como participação no resultado e abono, uma melhora no valor para diminuir essa diferença.
A Volkswagen tem apresentando um cálculo de produtividade da nossa planta que não é real, pois nossa fábrica é mais automatizada. A planta do ABC é considerada antiga. Ela tem a linha do Gol e do Polo, que são consideradas linhas novas, tão automatizadas quanto a nossa fábrica aqui de Curitiba. Ao lado, em São Paulo, ainda há a linha da Kombi cuja fabricação é praticamente artesanal. Embora a produtividade de uma linha seja alta e da outra seja baixa, a Volkswagen paga o mesmo salário para as duas linhas de produção. Enquanto, aqui no Paraná ela quer pagar um salário diferenciado.
Então, não se justifica uma diferença tão grande de salários dentro de uma mesma empresa com fábricas tão próximas. Além disso, a fábrica transfere muitos trabalhadores para produção temporária, por exemplo, do Paraná para São Paulo ou vice e versa. Isso faz com que os trabalhadores troquem informações sobre as diferentes plantas e isso aumenta o desejo de equiparação salarial.
IHU On-Line – A partir de que critérios vocês chegaram ao valor de uma PLR de 12 mil reais? A empresa diz que esse valor não tem fundamento e afirma que em suas plantas de São Paulo pagará a metade desse valor.
Jamil D’Ávila – Essa discussão começou na Renault do Brasil porque as empresas têm negociado aumento da produção, aumento da produtividade e, consequentemente, aumento da lucratividade. Para se ter uma ideia, a Volvo do Brasil anunciou que no primeiro trimestre deste ano teve um lucro de 137% em relação ao lucro que teve no mesmo período de 2010. Os trabalhadores perceberam isso. Veja: quando há uma situação de crise as empresas demitem os trabalhadores. Por isso, num momento de aumento da produção os trabalhadores precisam aproveitar para reivindicar a melhora nos seus rendimentos. A base da nossa reivindicação parte dos anúncios das empresas sobre seus ganhos.
IHU On-Line – O fato de os trabalhadores da Volvo terem recebido 15 mil reais e dos trabalhadores da Renault, 12 mil, de PLR foi e tem sido um estímulo para a mobilização na Volkswagen?
Jamil D’Ávila – Não tenha dúvida com relação a isso. A pergunta que fazemos para a empresa é a seguinte: O que a Volks quer ter como parâmetro? Se ela quer ter como parâmetro a região onde está instalada aqui, o rendimento das três montadoras (Volvo, Volks e Renault) é muito parecido. Portanto, a PLR paga também deve ser a mesma. Agora, se a Volks quer pagar a PLR no mesmo valor do estado vizinho, ou seja, ela quer usar a flexibilidade que tem em São Paulo, então ela deve praticar o salário desse estado aqui também.
IHU On-Line – A PLR mobiliza hoje os trabalhadores mais do que a luta por reajuste salarial. Por quê?
Jamil D’Ávila – Entendo que não. Em 2009, tivemos uma greve de 21 dias cujo principal ponto daquela pauta de reivindicações era a tabela salarial. E, na ocasião, conseguimos o reajuste de 8%. Com isso, conseguimos diminuir um pouco a diferença em relação a São Paulo que, na época, chegava a 90%.
IHU On-Line – Além da PLR, que outras lutas têm sido travadas pela Comissão de Fábrica da Volks?
Jamil D’Ávila – A melhoria das condições de trabalho e a questão salarial têm sido nossas grandes lutas além da PLR.
IHU On-Line – Como você avalia a proposta da criação de uma Câmara Setorial que reúne empresários, trabalhadores e governo para discutir o problema da desindustrialização do país?
Sebastião Fagundes – Acredito que os sindicatos e as centrais devem organizar melhor ou procurar uma forma de aumentar o número de profissionais mais qualificados nessa categoria. É preciso entender o que é um processo político e jurídico em relação aos trabalhadores de montadoras. Uma câmara independente, que não está dentro da fábrica, não consegue conhecer a organização daquela empresa.
Não adianta nós colocarmos o presidente que nós entendemos que é o melhor para o país, se nós, enquanto instituição, enquanto sindicado ou centrais, não levarmos ferramentas para ele trabalhar. Se não fizermos isso, quem vai levar as ferramentas ao governo é o próprio capitalismo.
Jamil D’Ávila – É importante discutir essa questão até para equiparar as condições dos trabalhadores de todo o país. Os governos e o Poder Público têm feito concessões a algumas empresas, incentivando a instalação de indústrias em determinadas regiões do país, mas não chama as comissões dos trabalhadores para participar das discussões. Além das concessões de tributos ou vantagens para as empresas, é preciso discutir quais condições a que os trabalhadores serão submetidos também.
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A luta pela Participação nos Lucros e Resultados das empresas. Entrevista especial com Sebastião Fagundes e Jamil D'Ávila - Instituto Humanitas Unisinos - IHU