11 Mai 2011
Com o fechamento da Azaleia na cidade de Parobé, RS, 800 pessoas foram demitidas. O caso evidencia a crise no setor calçadista gaúcho que vem acontecendo, e crescendo, desde a segunda metade da década de 1990. A IHU On-Line entrevistou por telefone o doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor da Unisinos Achyles Barcelos, que fez uma análise do setor na região do Vale do Paranhana e Vale dos Sinos apontando os problemas e caminhos que a indústria calçadista precisa atentar de agora em diante. Por telefone também entrevistamos o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Calçadista de Parobé, João Nadir Pires, que falou sobre o perfil dos trabalhadores e refletiu sobre o impacto que o fechamento da fábrica terá na economia da região. Segundo Achyles, "Parobé (...) tinha em torno de 85% do emprego da indústria vinculado ao calçado. Por isso, o fechamento de uma fábrica como a da Azaleia evidencia uma crise importante."
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que significa para a região do Vale do Paranhana o fechamento desta fábrica da Azaleia?
Achyles Barcelos – O fechamento dessa fábrica, ou de qualquer outra, tem um impacto econômico muito grande. Essa cidade e outras da região do Paranhana e do Vale dos Sinos vivem ligadas à atividade do calçado. Parobé, de acordo com dados do Ministério do Trabalho de 2009, tinha em torno de 85% do emprego da indústria vinculado ao calçado. Por isso, o fechamento de uma fábrica como a da Azaleia evidencia uma crise importante.
João Nadir Pires – O fechamento desta empresa tem um reflexo muito negativo, especialmente para a cidade de Parobé. Os 53 anos de existência da Azaleia estão intimamente ligados ao desenvolvimento e crescimento da cidade. A Azaleia é uma importante referência, não só a nível estadual, mas nacional e mundial.
Na questão social, o impacto é muito negativo no município. Essa empresa impulsionou toda a economia da cidade, teve forte influência na criação do município de Parobé, que ainda não tem 30 anos. O fechamento da produção da Azaleia tem um impacto violento e vai ter consequências muito sérias. Entre os demitidos, há pessoas com 20, 30 anos de empresa, com uma vida estabelecida em Parobé. Os trabalhadores da empresa tinham a segurança de que ela, pela história que tem, nunca iria passar por uma situação destas, de fechar a fábrica e demitir todos os trabalhadores.
Nós já estávamos alertando há bastante tempo o poder público municipal que isso poderia acontecer porque o comportamento da Vulcabrás/Azaleia, desde o ano de 2007, tem sido de demissões sistemáticas, ora demitindo 50, ora 150. No início de 2009, quando ocorreu a demissão de quase 600 trabalhadores, fizemos algumas ações como atos públicos na frente da empresa. Numa audiência na Superintendência do Ministério do Trabalho, houve uma cobrança muito forte com relação à responsabilidade social da empresa. Nesse momento, eles recuaram um pouco com as demissões e usaram uma outra estratégia: demitir aos poucos. Agora nos surpreende essa atitude num momento em que o setor calçadista do estado vai muito bem. Existe um crescimento do setor desde o ano de 2009. De setembro do ano passado até agora, o Rio Grande do Sul teve um crescimento de 12%; este ano tem um crescimento de quase 4%, tanto em vendas como também de número de empregos. No ano passado foi o estado que mais gerou emprego no setor. Nós não aceitamos a nota que saiu na imprensa, onde a empresa apela para a a dificuldade do câmbio, da exportação... Sabemos que, quando o dólar baixa, ele causa transtornos. Mas não chega a esse ponto.
O governador já se manifestou ontem em relação a esse fato, afirmando que a empresa sai do estado sem dar explicações, sem nenhum tipo de responsabilidade. Vamos cuidar muito bem destes trabalhadores, que emocionalmente estão abalados. Nós vamos fazer um cadastro no sindicato, vamos ter cuidado porque estão saindo algumas informações um pouco distorcidas com relação à recolocação deles no mercado de trabalho. Muitas empresas estão ligando para o sindicato e houve até a divulgação de que nã haveria problema para a recolocação. O problema é que estes trabalhadores tinham um salário diferenciado. A Botero, empresa que mais cresce no município, oferece vagas, mas não com as mesmas condições de trabalho, como creche, refeitórios, cestas básicas...
O nosso cuidado é no sentido de não deixar que haja um leilão de oferta de emprego de empresas que nem mesmo o FGTS tem depositado. Vamos proteger muito estes trabalhadores para que eles não embarquem numa canoa furada. O legal é que estamos recebendo um apoio muito grande de solidariedade de alguns movimentos sindicais, de autoridades, de segmentos até fora do estado, e também a atenção do governo, o qual está atento ao ocorrido. Nós precisamos, entre outras coisas, saber como é que vai ficar o parque industrial, porque a Azaleia permanece com 1500 empregados numa área de projetos de modelagem. O cérebro da empresa, do grupo Vulcabrás, permanece em Parobé, mas até quando? Perdemos a confiança. Os próprios trabalhadores não têm motivação, porque eles não sabem se amanhã serão comunicados que não servem mais.
IHU On-Line – Qual o perfil dos trabalhadores que foram demitidos?
João Nadir Pires – Da melhor qualidade. A respeito da mão de obra calçadista aqui de Parobé, eu costumo dizer que é a melhor do estado. O trabalhador da Azaleia tem capacidade de fazer uma sandália e um tênis de alta qualidade e tecnologia; são trabalhadores muito especializados. Eles não podem ser jogados em qualquer lugar, porque estão acostumados com alta qualidade de vida.
IHU On-Line – Qual é o panorama atual do setor aqui no RS?
João Nadir Pires – De crescimento. Se você passar por Igrejinha, Parobé, vai perceber que tem carro de som pedindo mão de obra. Todas as atividades do setor calçadista têm vagas, muitas oferecidas no Vale do Paranhana e no Vale dos Sinos. A previsão é de crescimento do setor, neste ano. Claro que não será como no ano passado. Este ano pode chegar à metade do crescimento do ano passado (que, no total, foi de 34%).
IHU On-Line – O fechamento da Azaleia o que sinaliza?
Achyles Barcelos – Mostra as dificuldades de sobrevivência da atividade calçadista no Rio Grande do Sul em função da base de competitividade do custo de produção. Lá nos anos 1990 começou esse movimento de deslocar as unidades de produção de calçado aqui do RS para o Nordeste. Eu e o professor Flávio Fligenspan fizemos uma pesquisa sobre esse deslocamento e mostramos que isso iria continuar e que a China, como uma forte concorrente, tinha vindo para ficar. Se você olhar o panorama da indústria do calçado do Rio Grande do Sul, verá que o estado vem perdendo espaço na produção de calçados. Até 1996, praticamente as exportações de calçados do país eram feitas só pelo estado gaúcho. Hoje, em termos de números de pares, o estado representa apenas 21% das exportações de calçados do Brasil.
IHU On-Line – Como o mercado dessa região pode se estruturar a partir de agora? É preciso diversificar e ir além do setor calçadista? Quais são as possibilidades dessa região?
Achyles Barcelos – Em relação à reestruturação da atividade na cidade, como ela vive basicamente em torno da indústria de calçado, certamente isto será difícil. Como achar novas atividades de uma hora para outra? Não se deslumbra, em curto prazo, atividades que possam substituir com sucesso a indústria de calçados.
IHU On-Line – Qual o impacto da exportação e da importação chinesas ao longo dos anos?
João Nadir Pires – O governo federal tomou uma medida importante no final de 2009, que foi a taxa do produto importado da China, e o sucesso de 2010 foi por conta também disto. A diferença de qualidade do produto chinês e do produto nacional é muito grande. Então, as pessoas estão se acostumando a comprar e usar aquilo que é fabricado aqui. Neste momento, cresceu um pouco a questão da importação, por conta que o produto da China está vindo pelo Vietnã. Eles acharam um outro caminho para que o produto chegasse até o Brasil. Isso é preocupante, as lideranças estão cobrando do governo uma nova medida, que também taxa os produtos que vêm via outros países.
Outro fator que preocupa é a debandada de empresas para fora do Brasil. Nós temos Vulcabras com aproximadamente cinco mil trabalhadores, na Argentina. A Paquetá e a Star Shoes, que é uma cooperativa de Picada Café, estão com uma grande instalação na Argentina. Há rumores de que a Piccadilly estaria se instalando no Panamá. Além disso, a Vulcabras/Azaleia comprou uma outra empresa na Índia há dois meses. Certamente estes empregos que nós tínhamos em Parobé vão se dividir entre esse país, a fábrica no Sergipe e na Bahia, mas principalmente na Índia, onde a mão de obra é muito mais barata e os impostos são poucos.
IHU On-Line – A Azaleia é uma empresa que recebeu benefícios governamentais. Que explicações ela deveria dar à sociedade ao fechar a fábrica?
João Nadir Pires – É isso que estamos vendo com o governo. Para nós, do movimento sindical, logicamente a empresa não vai dar explicação. Nós estamos reivindicando uma reunião com a direção da empresa e com um representante do governo, para que se dê uma explicação lógica. Caso contrário, ficará manchada a imagem da marca, pela sua importância na cidade e região. Nós não vamos deixar isto quieto. Vamos divulgar sempre este fato, como algo muito negativo, como uma atitude muito antipática da empresa.
IHU On-Line – A política de incentivos fiscais, especialmente nesse caso, se mostrou inadequada?
João Nadir Pires – Esta empresa recebeu do Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul (Fundopem), em 2008, 50 milhões de reais. Certamente o estado, que facilitou isto, não deve deixar a questão sem respostas, sem nenhum comprometimento. O incentivo fiscal tem que existir; o governo pode isentar impostos porque, ao gerar emprego, gera renda, gera tributos. O mais importante é a geração de emprego. Tem que ter, entretanto, comprometimento das empresas, não adianta simplesmente dar o incentivo fiscal e os grupos fazerem o que bem entendem e não darem nem explicações e tomarem atitudes como esta.
IHU On-Line – Que política industrial seria necessária para o RS manter suas empresas aqui?
Achyles Barcelos – A base da competitividade da indústria de calçados no Brasil e também no Rio Grande do Sul está no custo de produção. Então, as empresas e o setor necessitam identificar outros atributos nos produtos que possam ser competitivos. E aí a política industrial deve ir nessa direção, ou seja, auxiliar as empresas a caminhar no desenvolvimento desses novos atributos. Por exemplo: se se requer mão de obra mais qualificada, o Estado poderia auxiliar com políticas nessa direção. Se for para manter sobre essas bases, será preciso, portanto, achar outras regiões no estado onde tenha mão de obra disponível e aí dar incentivo para as empresas se deslocarem com compromisso de gerar e preservar empregos na nova região.
IHU On-Line – Como ficam questões tais como Responsabilidade Social Empresarial, quando uma empresa resolve fechar uma unidade fabril de modo inesperado?
Achyles Barcelos – A economia de mercado é condicionada pelo lucro. Vai até aí a responsabilidade social.
IHU On-Line – Que elementos competitivos fazem com que empresas como a Azaleia fechem suas unidades produtivas?
João Nadir Pires – Sinceramente, a ganância pelo lucro. Em média uma empresa gasta 19% do que arrecada em mão de obra, então não é problema. Sobre os impostos, as grandes empresas estão indo conversar com o governo exatamente na intenção de explorar a mão de obra barata e de ter o lucro. Não temos dúvidas disto.
IHU On-Line – Que tipo de garantias sociais serão alcançadas para as pessoas que foram demitidas?
João Nadir Pires – Nós conseguimos três meses na sequência de plano de saúde e creche para que as mães possam procurar outro emprego, e também uma cesta básica para cada empregado durante três meses. Acho que isso foi pouco e hoje estou voltando atrás e querendo cinco meses. Estamos em contato com Brasília para que se desenvolva um curso de qualificação para diversificação, porque como somos dependentes do setor calçadista os trabalhadores podem querer aprender outras atividades. Então, estamos em busca de qualificação gratuita oferecida pelo Ministério do Trabalho, para que estas pessoas tenham a possibilidade de exercer outra atividade profissional.
IHU On-Line – Será que o cluster calçadista na nossa região ainda tem alguma perspectiva?
Achyles Barcelos – Os dados mostram que essa tendência de competir com base no preço em custo de produção é ruim no sentido de diminuir, como temos observado. O futuro está condicionado à existência de um outro tipo de calçado, outro atributo ao calçado para que ele possa se manter como um diferencial em relação aos concorrentes.
IHU On-Line – Qual a postura do estado ou o que ele pode, poderia e/ou deveria fazer em relação a este contexto?
Achyles Barcelos – Aqui no Rio Grande do Sul não temos como atuar sobre o câmbio, a não ser pressionar para que este não seja tão valorizado. Essa é uma política econômica do país. O estado tem limites. Essas decisões de achar outros atributos são exclusivamente decisões empresariais. Por exemplo, o estado pode auxiliar no treinamento da mão de obra para que as pessoas possam ter uma maior qualificação e, assim, possam desenvolver produtos com valor agregado. A política tem que ir nessa direção.
IHU On-Line – Será que este fato é mais um indício da superação do paradigma do pleno emprego...?
Achyles Barcelos – Não existe pleno emprego há muito tempo. Nós não temos pleno emprego. Essa é uma dificuldade de vários países a partir da última crise econômica. O ajuste acaba sendo feito no mercado de trabalho. Os trabalhadores acabam pagando a conta.
IHU On-Line – Até que ponto os processos de internacionalização autônoma, em que as empresas superam fronteiras territoriais, o estado e sua "soberania" são característicos do atual capitalismo? Isso é uma tendência já consolidada? Quais as consequências deste fato?
Achyles Barcelos – A tendência de maior globalização do mercado tem se intensificado nos últimos anos. Às vezes, as empresas são empurradas a fazer a internacionalização de sua produção. Se o teu concorrente faz um movimento e vai para fora e for bem sucedido, o outro tem que acompanhar. Esse movimento é conhecido como forças correstritivas da concorrência. Quando algumas empresas aqui do Vale dos Sinos foram para o Nordeste e se deram bem por lá, outras acompanharam esse movimento. Como os custos de produção lá eram mais baixos, os concorrentes têm que fazer o mesmo. É como usar a tecnologia. Se a fábrica usa tecnologia, vai desempregar. Porém, se não usar, vai desempregar mais ainda porque vai quebrar.
Em 2004, o Rio Grande do Sul tinha 143 mil trabalhadores diretos na indústria de calçados. Em 2009, esse número caiu para 101 mil. Acabaram com 40 mil empregos.
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Azaleia, um "case" frustrante. Entrevista especial com Achyles Barcelos e com João Nadir Pires - Instituto Humanitas Unisinos - IHU