16 Janeiro 2011
Numa análise sobre a economia do Rio Grande do Sul nos últimos 16 anos, o economista Carlos Paiva afirma que o governo de Antonio Britto iniciou uma mudança da matriz industrial através do Fundo Operação Empresa - Fundopem. A orientação prosseguiu nas gestões de Rigotto e Yeda, com “consequências perversas ao estado”. Em um estudo que está conduzindo na Fundação de Economia e Estatística (FEE), o pesquisador se propõe a fazer uma “avaliação rigorosa e sistemática das consequências da política fiscal e de renúncia fiscal dos últimos governos”. Na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line, ele comenta: "O Rio Grande do Sul está tendo um crescimento regional muito diferenciado, pois estamos aprofundando as desigualdades regionais"
Carlos Paiva é graduado em Economia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e mestre e doutor em Ciência Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é professor da Fundação de Economia e Estatística e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul. É autor de Como identificar e mobilizar o potencial de desenvolvimento endógeno de uma região? (Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, 2004) e RS em mapas e dados: bases georreferenciadas para comparação do desempenho socioeconômico dos municípios gaúchos entre 1966 e 2006 (Porto Alegre: FEE/Unisc, 2007), entre outros livros.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor começa a analisar a economia estadual do final do governo Olívio ao final do governo Yeda. O que esse período significou para a economia do RS?
Carlos Paiva – Se analisarmos os últimos 16 anos do governo no estado, veremos que no governo Britto [1] é inicia um processo de mudanças da matriz industrial através do Fundopem. Isso vai continuar nos governos Rigotto [2] e Yeda [3]. Esse modelo tem trazido consequências perversas ao estado. Se observarmos esse período, posso dizer que se persegue o mesmo perfil de política econômica que foi gestado no governo Britto. Isso está centrado na atração de empresas com base no Fundopem.
Renúncia fiscal
O Fundopem cria uma desigualdade competitiva no mercado. Quando não há empresas do mesmo ramo, a empresa que vem não causa problemas. Ela não irá “quebrar” nenhuma concorrente porque não existe nenhuma concorrente. O problema é quando se atraem empresas, como foi o caso recente de uma multinacional de laticínios, cujo ramo já existe no estado. Aqui já havia um conjunto de empresas produtoras de laticínios e que não tiveram os mesmos benefícios. Assim, uma empresa multinacional, altamente alavancada em termos financeiros, ganhou um benefício fiscal que nenhuma das empresas tradicionais gaúchas tem, não na mesma magnitude. Isso dá para a empresa atraída uma vantagem competitiva muito grande. O resultado é que essa realidade acaba deprimindo a rentabilidade das empresas antigas, que às vezes abrem falência e fecham. A partir disso, surge ainda mais desemprego do que se a empresa não tivesse vindo.
"O Rio Grande do Sul está entre os estados brasileiros com maior renúncia fiscal"
Estamos nos propondo a fazer uma avaliação rigorosa e sistemática das consequências da política fiscal e de renúncia fiscal dos últimos governos. A impressão que se tem, malgrado exceções (existem estruturas que foram atraídas e que se demonstraram benéficas para o estado, mas em geral não se fez uma avaliação criteriosa das consequências), é que o Estado acaba sendo penalizado, com a situação que vivemos hoje. O Rio Grande do Sul está entre os estados brasileiros com maior renúncia fiscal. Na última avaliação feita, ele estava em segundo lugar. Apenas Alagoas tinha uma renúncia fiscal mais elevada. Esses dados são do final do governo Olívio. Porém, não acredito que a situação tenha melhorado, pelo contrário. Não existe nenhuma demanda do governo para que se faça esse acompanhamento. Agora, vamos tentar começá-lo.
A princípio se pensava que a política fiscal era benéfica e que não se estava abrindo mão de nada muito significativo. Pensava-se que a empresa não viria se não lhe fosse concedido o Fundopem. Então, o discurso era que não estávamos abrindo mão de nada, porque se damos um desconto de metade, o que acontece é que a empresa virá, e aí receberemos uma metade que não receberíamos caso não houvéssemos dado desconto. O problema é que nunca se avaliou as consequências desta atitude sobre as empresas já existentes, que já estavam aqui trabalhando e passaram a ter um prejuízo porque não têm o mesmo benefício que a outra. Assim, ou deprimem seus preços e acabam fechando, ou são obrigadas a operar com taxas de rentabilidade muito menores. Uma coisa é clara: se houve sucesso em alguns setores, como realmente houve, em grande parte deles os resultados são muito piores que haviam sido projetados.
IHU On-Line – Quais os principais determinantes que diferenciam o desempenho econômico das regiões do RS?
Carlos Paiva – O Rio Grande do Sul está tendo um crescimento regional muito diferenciado, pois estamos aprofundando as desigualdades regionais. No caso da metade Sul isso é notório, pois lá temos uma estagnação secular. Agora estamos vivendo um problema muito mais grave, com taxas inferiores à medida estadual na região Noroeste, a sojícola. A soja é um produto tão maravilhoso que os importadores, em particular a China, nosso maior comprador, quer o grão inteiro, e não quer que o transformemos em óleo de soja, molho shoyo, tofú ou leite. Isso eles sabem fazer melhor do que nós. O que nossos importadores querem é que sequemos a soja e a vendamos assim. O transporte a granel é muito mais barato do que levar a soja processada. Não adianta o governo fazer políticas públicas querendo atrair empresas para beneficiar soja. O importador quer o produto in natura. O mesmo se dá em outros segmentos, como o tabaco e o arroz.
Cadeias perversas
Vamos ver o caso do tabaco. Um cigarro é uma folha de tabaco cheia de ar, para queimar mais fácil. Assim, um contêiner de tabaco prensado se transforma em dez contêineres de cigarro. Se você, então, quer produzir cigarro, irá produzir perto de onde se produz o tabaco ou perto do centro de consumidores. No caso do arroz, após a colheita o próximo passo é descascar os grãos e embalar. Não há nenhum beneficiamento mais complexo. Assim, os setores vinculados a essas culturas não conseguem desenvolver uma estrutura urbana sofisticada e complexa, porque não há atividade de terminação efetivamente urbana dessas mercadorias. Os sistemas de produção são muito simples. Esse foi outro problema do Fundopem no Estado. Pela lógica de que deveríamos beneficiar o cigarro, já que produzimos o tabaco, tivemos no governo Britto um volume de subsídios muito grande para a atração de empresas produtoras de cigarro que acabaram lesando os cofres públicos, porque antes nos beneficiávamos quando trazíamos cigarros de fora, produzidos em São Paulo e Minas Gerais. Mas, ao trazer, nós recebíamos ICMS, o Estado recolhia.
Hoje, o Rio Grande do Sul não ganha absolutamente nada da produção de cigarro, porque foi a condição para a fábrica se instalar aqui. Então, acabamos ingressando em cadeias que são perversas. Para enfrentar a perversidade, atraímos empresas que não viriam naturalmente, porque o local delas não é perto do centro produtor de matérias primas. Assim, o erário público é penalizado. O resultado é que quem sofre é a segurança pública, educação e saúde, pois não há dinheiro para pagar esses setores.
Tentamos resolver um problema e criamos outros. O problema, na verdade, não é que não tínhamos uma fábrica de cigarro. Claro que plantar tabaco dá um bom retorno para os pequenos agricultores, mas não se forma nenhum desenvolvimento urbano, basta olhar o caso de Santa Cruz do Sul, o polo fumageiro por excelência. No início do século XX, Santa Cruz Cruz do Sul e Caxias do Sul tinham o mesmo número de habitantes. Hoje Caxias tem 400 mil e Santa Cruz 100 mil habitantes, contando ainda que praticamente não tem quase empresas. O tabaco não alimenta indústrias, enquanto que a uva não pode sair de Caxias sem ser processada. Isso gerou uma industrialização que não houve em Santa Cruz. Isso é espantoso, porque Santa Cruz tem terras ricas e planas, perto de vias navegáveis e ferrovias, que poderiam ser muito exploradas. Mas o tabaco mata. No entorno dessa cidade, há cidades bastante pobres, com serviços urbanos básicos.
Oportunidade perdida
O mesmo se dá na região sojícola, que até conseguiu desenvolver uma indústria metalmecânica voltada para implementos agrícolas. Mesmo sendo muito importante e devendo ser defendida como patrimônio do estado, (sendo desejável inclusive haver uma política específica para o setor antes que este se mude para o Centro-Oeste, o polo mais dinâmico da agricultura nacional), esse segmento não é altamente empregador. Deixamos escapar para Santa Catarina e Paraná uma parcela importante do emprego industrial que poderia ser colada à nossa tradição agropecuária, que é o processamento de carnes. A Sadia, a Perdigão e a Seara estão lá porque não apostamos nisso. Quando falo que a pecuária tem um potencial muito grande, que é o que projetou a Austrália e Nova Zelândia à condição de países desenvolvidos, no Rio Grande do Sul a leitura que se tem é de estranhamento. Passamos a associar pecuária a atraso, em função da maneira como se desenvolveu a bovinocultura de corte. Mas pecuária não é atraso. A pecuária leiteira é típica de pequeno produtor e exige beneficiamento industrial próximo. Não se pode sair “chacoalhando” o leite sem beneficiá-lo. Já a soja, é só secar e mandar embora. A Nova Zelândia se constituiu sobre a produção leiteira, de lã e ovinos. Nós perdemos essa oportunidade, repassando-a para Santa Catarina. Lá se criam aves e porcos para o abate. Temos potencial para recuperar esse cenário, tanto na bovinocultura de corte, leite, suinocultura e ovinocultura. Mas isso envolveria fazer uma inflexão das políticas públicas.
A lógica desde Britto é atrair o que não temos. Mas tem se atraído o que já temos e prejudicando em parte a nossa própria estrutura produtiva, sobretudo no setor de laticínios. O que se deveria fazer é valorizar e fomentar o que temos, sem criar desigualdades competitivas, vencedores para os quais se dá subsídios, e perdedores, para os quais não há condições de competir com grandes empresas subsidiadas.
"É como se tivéssemos vergonha de sermos pecuaristas, de criar porcos, aves, e quiséssemos produzir apenas chips e carros sofisticados"
IHU On-Line – A que se atribui o fato de termos perdido esse segmento como o da carne, por exemplo?
Carlos Paiva – No caso do leite, foi um único setor que atraímos. Mas quando atraímos, foi feito de forma errada. Estamos falando da Nestlé e da Vonterra, que se instalaram em Palmeiras das Missões. Essas empresas receberam subsídios enormes e o que aconteceu é que como elas não precisavam pagar tanto ICMS. Desse modo, começaram a pagar mais pelo leite e quebraram a linha de oferta de todos os pequenos laticínios da região. Isso porque eles só queriam quem produzisse acima de 50 litros com alta qualidade, deixando todos os pequenos produtores a descoberto. Os pequenos laticínios ficaram sem ter como sobreviver, pois “roubaram-lhes” todos os produtores mais qualificados. Isso gerou muito mais desemprego e quebradeira do que se não tivessem vindo. A atração das empresas foi feita impensadamente. No caso dos suínos e aves, não tivemos política audaz de apoio.
E aí entra um traço muito cultural do Rio Grande do Sul. O que se valoriza aqui, não importa a matriz ideológica do governo estadual, são coisas que vem de fora. No caso do Britto foram as montadoras de automóveis; no caso do Olívio se deu um peso muito grande para empresas de tecnologia como a Motorola. Existe uma ideologia do hightech, é como se o que fizéssemos até então fosse ruim. Trata-se de um certo desconforto provinciano com seu próprio perfil produtivo. É como se tivéssemos vergonha de sermos pecuaristas, de criar porcos, aves, e quiséssemos produzir apenas chips e carros sofisticados. Mas são esses segmentos da pecuária que dão emprego e poderiam gerar uma arrecadação fiscal necessária. Santa Catarina está se desenvolvendo com isso, e não com indústrias de alta tecnologia. Lá se tem as taxas de desenvolvimento mais elevadas da região Sul. Para se ter uma ideia, todo o setor mecânico do Rio Grande do Sul em conjunto emprega menos do que a atividade de abate de pequenos e médios animais em Santa Catarina. Não estou dizendo que não devemos valorizar o setor mecânico do nosso estado. Aliás, acho que teriam que ter valorizado mais e se preocupado menos em atração de General Motors e Ford. Deveria ter sido feita uma alavancagem e apoio à Marcopolo, à Randon, e nossa indústria de base. Estou dizendo, apenas, que não podemos crescer apenas sobre essa indústria.
Às custas do erário
Outro de nossos setores altamente empregadores que vem perdendo espaço é o calçadista, que já foi responsável por mais de 20% do emprego industrial do estado, e hoje não chega a 10%. Com o câmbio que temos, com o real valorizado, nosso calçado não é mais competitivo. Não é que não tenhamos qualidade – aliás, nossa qualidade é similar à dos calçados italianos, mas não temos design próprio, concorrendo com calçados produzidos em série na China e na Índia. O salário deles é mais barato, e a moeda muito desvalorizada. Assim, perdemos também nessa área. Esse é um setor que o governo não erra ao fazer, mas em não fazer. Deveríamos ter políticas cotidianas de apoio, porque ele é altamente empregador, e enorme poder multiplicador de renda. Entretanto, não vejo uma política ousada para esse setor.
O que é anunciado como empresa nova? A Braskem, de alta tecnologia. Mas quanto ela emprega? Que insumos usa? O etanol. O Rio Grande do Sul produz etanol? Isso vai, de alguma maneira, ter consequências sobre a qualidade de vida do homem no campo? Até estamos começando tentativas de produzir etanol, e essa é uma chance, mas jamais seremos autossuficientes nesse produto. Isso foi conquistado às custas do erário público, porque veio de renúncia fiscal. Isso vai rebater nas dificuldades de áreas como educação, saúde e segurança pública.
IHU On-Line – Que perspectivas econômicas podemos ter em relação ao RS no governo Tarso?
Carlos Paiva – Tenho esperança que se faça uma política econômica “científica”. Tarso é um intelectual; tem o respeito pela profissão científica. No Rio Grande do Sul, as coisas têm sido feitas muito empiricamente e pretensiosamente. O que importa é o hightech. A FEE tem um estudo – chamado Matriz de Insumo Produto do Rio Grande do Sul – que mostra qual vai ser o impacto sobre as contas públicas, a arrecadação fiscal e a geração de empregos ao apoiar esta ou aquela cadeia produtiva. Mas esse instrumento não é usado. Espero que se passe a usá-lo. Mas se agora a política econômica irá fazer cada ação avaliada em suas consequências, teremos critérios científicos de priorização de ações, coisa que abrimos mão no estado desde a ditadura militar. Os últimos planos minimamente consistentes ocorreram no período da ditadura, quando sequer tínhamos os instrumentos que temos hoje. Atualmente, temos uma compreensão do Rio Grande do Sul, uma capacidade de mensuração de cada política econômica que não é utilizada. Antes isso não existia, e mobilizávamos mais a competência, a inteligência e a capacidade técnica de planejamento dos economistas do que hoje.
IHU On-Line – Quais os principais desafios que o novo governo deve enfrentar?
Carlos Paiva – Certamente a crise fiscal. Não há nada que se possa fazer no Rio Grande do Sul sem tomar esse problema a sério. O que Yeda conseguiu foi equacionar receitas e despesas, mas sobre circunstâncias bem específicas. Ela reduziu muito as despesas. Hoje temos um déficit de contratações e salários nos mais diversos setores do estado, o que é preocupante. De outro lado, contou com receitas em acelerado processo de crescimento, impulsionadas pelo crescimento do país no segundo governo Lula. Não sei se isso vai se preservar, sobretudo em função de um problema que temos com relação ao câmbio. Nossa moeda está muito valorizada, e isso vai gerar problemas para nossas exportações e ingresso de divisas. Tenho medo que o Brasil não cresça à mesma velocidade e que as receitas não voltem a crescer no governo Tarso ao mesmo ritmo.
"Tarso é um intelectual; tem o respeito pela profissão científica. No Rio Grande do Sul as coisas têm sido feitas muito empiricamente e pretensiosamente."
Nosso governador precisa adotar uma política fiscal muito criteriosa, e o que estou tentando dizer, inclusive através de um projeto de pesquisa, é de que é preciso “casar” as duas políticas de desenvolvimento econômico e fiscal. Temos que apostar nos setores que, ao mesmo tempo em que geram mais renda para a população, geram mais renda para o Estado, porque ele, hoje, é nosso gargalo. No início do século XX, a educação básica no Rio Grande do Sul era a melhor do Brasil. Tínhamos taxas de alfabetização muito superiores à média nacional. Hoje, temos uma educação que está equilibrada na média nacional e abaixo de alguns estados do Sudeste. Isso não é bom. Precisamos recuperar urgentemente a educação, e para isso precisamos recuperar as finanças públicas. E para recuperar as finanças públicas, não podemos aumentar impostos, mas a base. O Estado tem que fazer uma política de crescimento que lhe dê sustentação fiscal ao mesmo tempo para que ele possa voltar a honrar com seus compromissos.
IHU On-Line – O Rio Grande do Sul já foi uma região econômica e socialmente poderosa, mas nos últimos anos perdeu a exclusividade do poder econômico e intelectual nos parlamentos e executivos do país. Como o senhor analisa o panorama atual da cultura econômica gaúcha?
Carlos Paiva – No plano da economia, temos alguns problemas estruturais. Não conseguimos enfrentar nem superar essas situações, mas elas poderiam ter sido trabalhadas. Refiro-me à metade Sul e sua estrutura fundiária muito concentrada. Não foi feita reforma agrária. Basta olhar para o mapa do Rio Grande do Sul para vermos o tamanho dos municípios da metade Sul. Por que eles são tão grandes? Por que eles só conseguem gestar um polo urbano, enquanto que no Norte do estado, há municípios pequenos porque se criavam distritos em torno de uma vendinha, bolicho, igreja. Onde há só latifúndio, não há vida econômica localizada na periferia do município. Todas as compras são canalizadas para a sede, e não existe processo de urbanização acelerada. Esse é um problema econômico grave.
Há, ainda, o drama cultural gaúcho. Até hoje vivemos um dualismo maragatos/chimangos. Quem está no poder é minado pela oposição, e, quando esta se converte em situação, o mesmo acontece. Não existe continuidade nem solidariedade. Claro que há políticas que, por vezes, devem ser descontinuadas. Mas há um descontinuamento crônico. Se analisarmos o que houve no Rio Grande do Sul desde o fim da ditadura militar, veremos que nenhum governador foi reeleito, e não conseguiu fazer sucessor. Primeiro foi Jair Soares [4], Simon, Collares, Britto, Olívio, Rigotto, Yeda e agora Tarso. Essas mudanças políticas estão associadas à nossa cultura de cobrança, cultura de criticidade que pode ser levada a extremos. A partir daí, o que começava a dar frutos é cortado, porque não é daquela orientação ideológica. Isso tem sido dramático para o estado. No governo Olívio, por exemplo, houve avanços importantes na administração e regramento do Fundopem, algo que foi jogado ralo abaixo pelo governo Rigotto, como se nada que tivesse sido feito fosse sério. Algo semelhante ocorreu no começo do governo Olívio, quando eu ainda não tinha voltado ao Rio Grande do Sul, no que diz respeito ao RS Rural. O governo Britto implantou com o apoio do Banco Mundial um programa de apoio ao pequeno produtor, que era um bom programa. Quando entrou Olívio, tudo parou, afinal, se vinha do Britto, só podia ser ruim. Algumas mudanças foram feitas, umas para melhor, outras para pior, mas não havia necessidade dessa descontinuidade. Esse descontinuísmo tem que cessar, porque só causa atraso.
IHU On-Line – Como vê a entrada das grandes empresas reflorestadoras aqui no estado?
Carlos Paiva – Sou um pouco menos crítico sobre essa alternativa do que normalmente o pessoal heterodoxo é. Sob o ponto de vista ambiental, não tenho instrumental teórico suficiente para afirmar se fomos longe demais na concessão de áreas. Mas existe espaço para o florestamento na metade Sul. Quanto ao impacto econômico, ele é mínimo. Por isso me pergunto se é útil, de fato, atrair empresas florestadoras, o que houve no Uruguai em larga medida. Esse é um setor que precisa de pouca mão de obra, é concentrado e reproduz os problemas da metade Sul, que é ter pouca gente ocupando-a, com pecuária extensiva, não gerando centros distritais e sem encadeamento urbano. Isso ocorre com a produção florestal. Mesmo que a madeira seja processada em Rio Grande, será num único município, enquanto a produção está espalhada por todo território, empregando pouco, concentrando propriedades, ampliando o preço da terra e dificultando a reforma agrária sem mudar o perfil e problemas daquela região. Enquanto economista, digo que essas florestas não irão mudar significativamente o perfil e a falta de dinâmica econômica da região. O plantio dessas matas é ainda pior que o cultivo de arroz, fumo ou soja. Vamos acabar desempregando ainda mais a metade Sul se esse processo for levado com tanta velocidade.
"Vamos acabar desempregando ainda mais a metade Sul se esse processo for levado com tanta velocidade"
Notas:
[1] Antonio Britto: governador do Rio Grande do Sul de 1995 a 1998, pelo PMDB e PPS.
[2] Germano Rigotto: governador do Rio Grande do Sul de 2003 a 2006, pelo PMDB e MDB.
[3] Yeda Crusius: governadora do Rio Grande do Sul de 2007 a 2010, pelo PSDB.
[4] Jair Soares: governador do Rio Grande do Sul de 1983 a 1987, pela ARENA, PDS, PFL, PP.
[5] Pedro Simon: governador do Rio Grande do Sul de 1987 a 1990, pelo PTB, MDB, PMDB.
[6] Alceu Collares: governador do Rio Grande do Sul de 1991 a 1994, pelo MDB, PTB e PDT.
[7] Olívio Dutra: governador do Rio Grande do Sul de 1989 a 1992, pelo PT.
[8] Tarso Genro: atual governador do Rio Grande do Sul, pelo PT.
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Os impasses e as possibilidades da economia gaúcha. Entrevista especial com Carlos Paiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU