22 Outubro 2010
Depois da descoberta de 2 milhões de panfletos assinados, sem autorização, pela CNBB difamando a candidata Dilma Rousseff distribuídos em missas, o advogado Marcelo Zelic escreveu uma carta aberta à instituição católica configurando o ato como crime eleitoral. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone, Zelic diz que, durante o período eleitoral, as igrejas podem orientar a população quanto ao voto no sentido do “votar bem”, mas não podem indicar um candidato. “O panfleto está baseado na campanha antiaborto e joga toda uma discussão com relação a quem tem que governar o país e prega anti-PT. Isso é um absurdo”, alerta o advogado.
Na entrevista, Marcelo explica o que pode acontecer com os verdadeiros responsáveis pela produção e pagamento do material e explica outras estratégias utilizadas pelos coordenadores da campanha de Serra a fim de trabalhar o voto daqueles que poderiam vir a votar em Dilma. “Uma coisa é dizer “preferimos esse candidato por isso, isso e isso”, outra coisa é dizer “meu voto é anti-Dilma” e, com isso, publicar mentiras sobre a candidata”, explicou.
Marcelo Zelic é vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. É também coordenador do Projeto Armazém Memória.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor pode nos explicar como a panfletagem encomendada pelo bispo diocesano de Guarulhos se configura como crime eleitoral?
Marcelo Zelic – É considerado crime eleitoral primeiro porque é um documento que a igreja, em época de campanha, não pode publicar. Tanto que a CNBB orienta apenas, nesse período, que é preciso votar bem, mas sem indicar candidato. Quando o bispo parte para fazer as agressões que fez contra o PT, dizendo mentiras e coisas que não estão de acordo com a realidade da campanha, isso é crime. Mesmo assim, insistem em dizer que Dilma vai fazer coisas que já prometeu não fazer, dizem que ela é ou fez coisas que não são verdades. Essas calúnias se configuram em crime eleitoral.
Além disso, documentos eleitorais precisam de uma identificação diferente, como o CNPJ, o que esses panfletos não têm. Eles só divulgam o nome dos três bispos da região e, mesmo assim, existem controvérsias sobre a veracidade das assinaturas. Há quem diga que os bispos assinaram antes e isso atropelou as notas públicas que a CNBB publicou. No entanto, o panfleto é assumido como se fosse um documento da CNBB, e não é. Trata-se de um documento da Comissão de Defesa da Vida.
IHU On-Line – O que diziam os panfletos?
Marcelo Zelic – O panfleto está baseado na campanha antiaborto e joga toda uma discussão com relação a quem tem que governar o país e prega o anti-PT. Isso é um absurdo.
IHU On-Line – O que pode acontecer com as pessoas envolvidas?
Marcelo Zelic – O TSE mandou apreender e os responsáveis pela produção do documento podem ser processados. Mas eu acho que não temos que ir atrás de quem está no ponto para distribuir. Nós temos que ir atrás de quem organizou isso. Veja bem: a gráfica é de propriedade da irmã de um assessor do Serra. Ela é membro do PSDB há muitos anos. Além disso, Kelmon Luís de Souza [1] foi quem fez o pedido dos panfletos à gráfica, ele está ligado a uma associação chamada Theotokos. Essa associação está ligada à Frente Integralista Brasileira, um grupo religioso de extrema direita.
Com a apreensão dos panfletos, agora está correndo um processo que busca saber quem pagou esse material. É a diocese de Guarulhos que está pagando isso? Quem desembolsou o dinheiro para fazer isso? É o dinheiro do Paulo Preto [2]? É o bispo de Guarulhos? Essa quantidade de folhetos impressos dava 600 mil reais. O bispo agora assumiu pagar e recorreu no TSE, não sei o que vai acontecer lá, mas ele corre o risco de ser processado. Aliás, os panfletos usam um logotipo da CNBB que já declarou não ter responsabilidade sobre eles. Alguém falsificou isso, então! E quem assumiu a impressão dos dois milhões de documentos está assumindo todas as implicações de um crime eleitoral.
IHU On-Line – Por que está se usando tanto a Igreja contra a candidata Dilma?
Marcelo Zelic – Porque o Serra está desesperado. Ele não tem argumento sobre a questão social e econômica no país. Então, ele vai partir para o terrorismo. Inclusive isso é um trabalho de difamação. Qual é a base da campanha do Serra? Boato, calúnia, ou seja, artifícios difíceis de rastrear. Ele tem usado a internet e feito até telefonemas para algumas pessoas falando mal da Dilma. Isso está acontecendo no Brasil inteiro.
Esse panfleto da igreja é apenas um dos artifícios. Há casos no RS em que ativistas ligados ao período da ditadura que pregaram nos postes cartazes com uma ficha falsa da Dilma. Há uma ação orquestrada até pela mídia. A Folha de S.Paulo, por exemplo, noticiou assim: “Polícia Federal apura o caso da quebra de sigilo”. Aí o jornal mostra que quem fez isso é o jornalista Amaury Ribeiro Junior [3]. Mas ele fez isso há um ano para defender o governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Então, o que a Folha faz dessa vez? Publica que Amauri fez isso e o Rui Falcão [4] roubou dele. Este diz que não fez nada disso. A imprensa está atuando como um fator que alimenta esses mecanismos subterrâneos que estão atuando.
A Globo dando espaço para esse caso da bolinha de papel (que virou chacota no Brasil todo). Ela, inclusive, levou um perito ao Jornal Nacional que deu uma avaliação falsa. Não existe uma fita de bobina de fita crepe que atingiu Serra. Eles tentam atingir a campanha da Dilma de todo jeito porque, no primeiro turno, a coligação da Dilma obteve maioria na Câmara e no Senado.
A forma como a mídia está tratando a campanha é uma coisa que precisa ser discutida no país. A imprensa pode fazer o que quer? A imprensa pode publicar matéria falsa? Outro dia a Globo publicou uma matéria sobre aborto que o assessor especial de Lula teve que divulgar uma nota repudiando as mentiras contadas. Temos que continuar a dar nome aos bois e entrar na Justiça contra isso. É preciso atentar que liberdade de imprensa não é escrever o que se bem entende. E não há punição para esse tipo de coisa porque não há regulamentação do setor.
IHU On-Line – Sendo o Brasil um país laico, as igrejas têm o direito de manifestar sua opinião durante a campanha eleitoral por um ou outro candidato?
Marcelo Zelic – Os organismos religiosos, creio, não. Cada indivíduo pode externar a sua opção para os outros e, chegando a um consenso, o grupo, seja ele católico, evangélico ou de qualquer outra religião, pode, então, decidir se vai dizer ou não em quem vão votar. Uma coisa é dizer “preferimos esse candidato por isso, isso e isso”, outra coisa é dizer “meu voto é anti-Dilma” e, com isso, publicar mentiras sobre a candidata. É diferente o procedimento e foi isso que escrevi na carta aberta à CNBB.
IHU On-Line – E como a CNBB deveria agir, em sua opinião?
Marcelo Zelic – O panfleto não politiza no sentido saudável e, assim, a CNBB não deveria se manifestar apenas através de uma nota. Ela deveria colocar essa nota em todos os veículos de comunicação para que haja a contrapostura. Se ela defende o “voto bom”, é preciso pregar o voto bom nos meios de comunicação da Igreja. Isso é ser coerente. Aliás, é necessário mais do que coerente quando se tem uma campanha política baseada na mentira, na calúnia, no boato, no medo que isso provoca.
A mudança dos votos no fim da campanha pode ser explicada pela orquestração feita quando aquele guru indiano Ravi Singh [5] assumiu o sítio oficial da campanha de Serra. Esse homem já trabalhou na campanha da Bolívia, Colômbia, Chile e contra o Obama com os mesmos métodos. E depois que ele foi embora do Brasil, estouraram essas boatarias e ações de fustigação. Um exemplo disso foi a afirmação da Mônica Serra dizendo que Dilma matava criancinhas. Mônica, então, foi desmascarada por uma aluna que, contando sobre um aborto feito pela esposa do candidato e, desde então, Serra foge dessa discussão. As pessoas só deram crédito ao tema quando a Mônica Bergamo publicou isso na Folha. Os jornalistas, inclusive, também não concordam com essa linha por onde estão indo os jornais. Mas o que a imprensa tem feito a mando do Serra? Afastado os profissionais. Esse é o caso do Heródoto Barbeiro [6], da TV Cultura. Inclusive, jornalistas-chave foram enviado para o Chile para cobrir o caso dos mineiros a fim de serem afastados durante a campanha eleitoral. Há todo um movimento no sentido de cercear a liberdade e a sociedade tem fechado os olhos.
Espero que até o fim da campanha a CNBB tenha uma posição mais firme com relação aos bispos que estão envolvidos com os panfletos anti-Dilma, porque, dos 2 milhões de folhetos encomendados, somente um milhão e cem foram apreendidos. Além disso, um dos bispos que assumiu o documento disse que ainda assim vai distribuí-los e pronto. Como fica o esclarecimento da população atingida por um panfleto falso?
Notas:
[1] Kelmon Luís de Souza é integrante do Partido Monarquista Parlamentarista Brasileiro. Segundo o representante da gráfica utilizada para imprimir os panfletos anti-Dilma, Kelmon seria assessor de dom Luiz Bergonzini, que é bispo de Guarulhos. É também presidente da Associação Theotokos e definido como um católico ortodoxo.
[2] Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, é assessor de José Serra. É ex-diretor da Dersa - Desenvolvimento Rodoviário S.A, sociedade de economia mista brasileira, controlada pelo Governo do Estado de São Paulo. Articulador das obras do Rodoanel e da expansão da Marginal do Rio Tietê, Paulo teria levantado, de maneira ilegal, quatro milhões de reais para a campanha de Serra à Presidência.
[3] O jornalista Amaury Ribeiro Junior é investigado por ter encomendado a quebra dos sigilos fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, da filha de José Serra, Verônica, do genro dele, Alexandre Bourgeois, e de outros tucanos entre setembro e outubro de 2009
[4] Rui Falcão foi reeleito deputado estadual em São Paulo, pelo PT. É acusado pela suposta cópia de dados fiscais sigilosos de membros do PSDB. É um dos coordenadores de comunicação da campanha da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff.
[5] O americano de origem indiana Ravi Singh é conhecido por como um “marqueteiro-guru”. Teve uma passagem relâmpago pela campanha de José Serra, sendo o resposnável pela campanha do candidato do PSDB na internet.
[6] O jornalista Heródoto Barbeiro trabalhou na TV Cultura, onde foi apresentador do Roda Viva em duas ocasiões, entre 1994 e 1995 e entre 2009 e 2010. Em junho de 2010, segundo denúncia do jornalista Luis Nassif, Heródoto teria sido demitido da TV Cultura por ordens do ex-governador de São Paulo e candidato a Presidente José Serra. O motivo seria uma áspera discussão entre o político do PSDB e o jornalista acerca dos pedágios cobrados em São Paulo, ocorrida durante gravação do programa de entrevistas Roda Viva, apresentado por Heródoto.
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Os mecanismos subterrâneos da campanha eleitoral. Entrevista especial com Marcelo Zelic - Instituto Humanitas Unisinos - IHU