01 Julho 2010
Especialista em mapas eleitorais brasileiros, o professor Cesar Romero Jacob está lançando o livro "A geografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil: 1989-2006" (no prelo). Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, Cesar falou da cultura hegemônica do país e sobre o perfil do voto do povo brasileiro e, ainda, refletiu sobre as alianças que estão sendo feitas pelos dois principais candidatos, Serra e Dilma, para as eleições de 2010. “A vantagem da Dilma é a popularidade do Lula, mas ela também tem um sério problema: nunca disputou uma eleição. O Serra, ao contrário, tem traquejo, mas ele ainda não encontrou o seu discurso, ele não bate no governo Lula, porque esbarraria na popularidade do atual presidente”, disse.
Cesar Romero Jacob é historiador e cientista político. Atualmente, é professor da PUC-Rio, atuando, principalmente, nos seguintes temas: eleições presidenciais e municipais no Brasil e transformações no perfil religioso da população brasileira através do uso da comunicação cartográfica.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor define a cultura política hegemônica no país hoje?
Cesar Romero – Na eleição de 1989, nós tivemos 21 candidatos à Presidência da República, e, naquele momento, muitos candidatos não tinham muito a perder caso não fossem eleitos, muito pelo contrário, até alavancaria seus nomes em futuras disputas. A partir de 1994, quando havia muitos cargos em disputa, as alianças começaram a se formar. Com isso, o número de candidatos à presidência começa a diminuir, e a disputa se dá fundamentalmente entre o PSDB e o PT.
IHU On-Line – Mas por quê?
Cesar Romero – Na verdade, estes são os dois partidos mais fortes de São Paulo, que é o centro do capitalismo brasileiro, tem um terço do PIB, 22% do eleitorado. Os dois partidos mais fortes do país hoje, PSDB e PT, surgiram em São Paulo e têm suas bases fortemente ancoradas neste estado. Assim, estes dois partidos polarizam a disputa, e os partidos aliados passaram a se articular com eles. Nas disputas de 1994 para cá, o PSDB ganhou duas eleições, e o PT ganhou outras duas.
Claro que estar situado em SP não significa que se possa ganhar as eleições sem base no resto do país. Mesmo que o estado tenha 22% dos votos, ele não vai unido para as eleições, sempre há uma disputa interna e, portanto, os partidos têm que se aliar com outras tantas siglas. Isso diz muito da cultura política existente no país.
IHU On-Line – Qual a geografia do “voto conservador” no país?
Cesar Romero – Uma coisa são as três primeiras eleições, outra coisa são as eleições de 2002 e 2006. No Brasil, a forma pela qual os três candidatos vitoriosos venceram as cinco últimas eleições foi muito semelhante do ponto de vista das estratégias eleitorais. Eu diria que o primeiro a entender que existem estruturas de poder sobre o país foi Collor, um candidato oriundo das oligarquias nordestinas e que sabidamente foi buscar o apoio delas. O mapa dele não deixa dúvidas em relação ao apoio que obteve no interior do país, nos grotões, nos pequenos municípios pobres do interior. Na outra ponta, há uma classe média urbana escolarizada convencida pelo discurso competitivo e sedutor de Collor. E, entre esses dois mundos, havia uma periferia metropolitana pobre em todas as capitais.
É nos entornos metropolitanos pobres das grandes cidades que os políticos populistas têm mais força com seus centros sociais. Collor foi um que soube se articular bem com o interior, a periferia e os centros urbanos modernos. Na eleição seguinte, é Fernando Henrique que vai se beneficiar desta máquina. Claro que ter o Plano Real ao seu lado fez com que conquistasse a adesão de grande parte da população brasileira pelos benefícios que ele trazia, mas isso não era o suficiente para ganhar a eleição. Então, ele agregou, naturalmente, toda aquela máquina que esteve em torno do Collor, que fica desorientada com a decretação do impeachment. Assim, partidos fortes na época, como o PFL, os pastores pentecostais e os políticos populistas apoiaram FHC. O mapa dele é muito semelhante ao mapa do Collor, por isso o eleitorado do Collor não iria para o Lula, pelo menos não naquele momento.
De 1994 para 1998
Quando analisamos 1998, percebemos que a história de 1994 se repete com pequenas mudanças. A candidatura do Ciro tirou votos de FHC no Ceará e em estados como Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí e Maranhão. Com isso, FHC faz uma compensação pragmática ao se aliar a Paulo Maluf, ou seja, garantiu mais votos em São Paulo.
Já a esquerda vivia uma luta que estava sendo travada entre Lula e Brizola pela liderança ideológica. Lula levou vantagem por uma diferença muito pequena e ganhou por meio ponto percentual, seguindo para o segundo turno. Brizola, naquele momento, tinha o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Desde então, não dá para alguém pretender ser presidente da República sem votos em São Paulo e em Minas, afinal de
Brizola e Lula durante a campanha de 1989 |
contas, o primeiro representa 22% do eleitorado, e o segundo, 11%.
Na eleição seguinte, Lula começou com 17% dos votos e foi para 27%, ou seja, começou a atrair o eleitorado de Brizola para seu campo. Até nas três primeiras eleições, vê-se muito claramente onde está o eleitorado mais conservador e onde está o eleitorado mais esquerdista. Então, podemos dizer que, nas eleições de 1989, 1994 e 1998, há uma cultura política clara e definida. Mas quando Lula se impõe ao PDT de Brizola para ganhar a eleição, o PT saiu do campo exclusivo da esquerda e se torna pragmático.
2002
Em 2002, esse pragmatismo aparece quando eles passam a cotejar o noticiário político nos jornais e nas revistas com ótimos resultados nas urnas. Ter José Alencar, um empresário, como candidato a vice era impensável nas três primeiras eleições. Até então, o PT também nunca tinha feito alianças com partidos de direita, como fez com o Partido Liberal. José Dirceu também negociou com a bancada evangélica pentecostal no Congresso e iniciou conversas com José Sarney. Então, o Lula ganhou as eleições, explorando o desgaste do governo do FHC no segundo mandato. Foi a partir de 2002 que os “dois lados” passaram a ter aliados tanto no campo conservador quanto no campo progressista. Se, nas três primeiras eleições, podemos falar de um recorte mais ideológico, a partir de 2002, é uma disputa política e não mais uma disputa ideológica.
2006
Em 2006, a história se repete, o pragmatismo já está explicitado dos dois lados, e, portanto, não existem mais diferenças neste ponto de vista. Em 2006, Lula tinha o Bolsa Família de um lado e o real valorizado em outro, o que fez a geografia eleitoral mudar de novo, mas, agora, por outra razão. Com o Bolsa Família beneficiando, sobretudo, a população pobre do Norte/Nordeste, o Lula cresceu muito nesta região. E o que acontece com o Sul e o Centro-oeste? O sul do Brasil vinha dando ótimas votações para Lula nas três primeiras eleições. Com a recuperação do real diante do dólar, com o câmbio apreciado, o agronegócio de exportação e a indústria exportadora, muito concentrados no sul e no centro-oeste, passam a receber menos e se colocam contra o governo Lula. Foi assim que o candidato do PSDB cresceu muito nestas regiões.
IHU On-Line – É possível falar em “voto geográfico progressista”? Onde ele se situa?
Cesar Romero – Existiu o voto geográfico progressista nas três primeiras eleições, porque as disputas eram ideológicas, mas, atualmente, isso não existe. Nessa eleição, o Serra tem apoio de direita, como o PSL, e de esquerda, como o PPS. A Dilma tem o PMDB de um lado e o PCdoB de outro. A partir do momento em que o PT se torna pragmático, ou seja, em 2002, e vai atrás do voto conservador, a diferença ideológica acaba. Em 2006, a diferença já não aparece, porque o eleitorado votou com o bolso e não em função de ideologias.
O eleitorado do Norte e Nordeste, beneficiado pelo Bolsa Família, votou com o PT. O eleitorado do Sul e Centro-oeste, prejudicado pela valorização do real diante do dólar, votou contra Lula. Com o bom desempenho de Lula no estado do Maranhão, terra do Sarney, que é oligarca, como podemos dizer que haja um voto progressista? Isso acabou. A tese do nosso trabalho é que se impôs o pragmatismo na vida política brasileira, isso não quer dizer que não exista um partido de esquerda e de direita, mas é mais difícil de ser visto porque todos são pragmáticos. Uma questão que fica é a da ética na política. Como falar em ética se os dois principais candidatos têm nomes que são considerados mal vistos pela opinião pública? Se a Dilma tem o Renan ou o Collor, o Serra tem o Roberto Jefferson. Então, onde está a diferença?
IHU On-Line – Tendo presente as eleições de 2010, na avaliação do senhor, quem está costurando melhor as políticas de aliança: PT ou PSDB?
Cesar Romero – São duas máquinas poderosas. Não é por causa do imbróglio que deu a indicação do vice-presidente na chapa do Serra que isso vai garantir uma vitória prévia da Dilma nas eleições. Essa eleição será muito disputada, e é claro que os dois tenderão a crescer durante a campanha. O ponto principal para discutir em 2010 é: se todos os candidatos são pragmáticos, como se ganha uma eleição? A resposta vai depender do arco de alianças que cada um fizer. Serra e Dilma têm vantagens e desvantagens. A vantagem da Dilma é a popularidade do Lula, mas ela também tem um sério problema: nunca disputou uma eleição. O Serra, ao contrário, tem traquejo, mas ele ainda não encontrou o seu discurso, ele não bate no governo Lula, porque esbarraria na popularidade do atual presidente.
IHU On-Line – Qual o preço que estão pagando pelas alianças que estão sendo feitas?
Cesar Romero – O preço que o país paga ao pragmatismo são as concessões à ética, porque os dois são obrigados a fazer alianças com políticos mal vistos pela opinião pública. Na semana passada, o jornal “O Globo”, do Rio de Janeiro, publicou uma lista de aliados incômodos dos dois lados. Do lado de Serra estão Quércia e Roberto Jeferson. Dilma se aliou a Sarney, a Renan Calheiros, Collor. Não é confortável para o eleitor típico de um partido ver seu candidato fazer essas alianças. Acontece que não há muita saída. Esses políticos mal vistos têm máquina e têm votos garantidos. Se as alianças não forem feitas e, ainda assim, o candidato ganhar, depois não consegue governar.
IHU On-Line – As alianças sacrificam completamente o conteúdo ideológico ou ainda resta algum conteúdo político?
Cesar Romero – O conteúdo existe, é claro. O PT e o PSDB estão disputando para saber qual dos dois é mais social-democrata. A melhor parte do governo Fernando Henrique foi mantida por Lula, como o câmbio flutuante, que é uma coisa importante para a moeda; Meta de inflação com controle desta; e responsabilidade fiscal. A isso ele acrescentou o crescimento da economia com a distribuição de renda. Ganhe quem ganhar não vai mais mudar, porque ninguém mais no Brasil vai dizer “vamos voltar a controlar o câmbio”.
Se o Serra ganhar, ele pode mudar a política externa, mas o que a política externa muda na vida da grande maioria das pessoas? Nada. Nós estamos vivendo numa época muito paradoxal, os conceitos do século XX não servem mais no século XXI. Quando nós poderíamos imaginar que o partido comunista chinês iria promover a revolução capitalista mais bem sucedida do momento? Nunca. Quando nós poderíamos imaginar que o governo americano fosse salvar os bancos e as montadoras se tornando sócio, intervindo na economia, num país que sempre foi defensor da liberdade econômica? Isso embaralhou o jogo. Não que não exista mais direita e esquerda, mas esses conceitos precisam ser repensados. Portanto, no caso brasileiro, não existem muitas diferenças entre Serra e Dilma. Cada um deles vai fazer um esforço danado para mostrar que é diferente do outro. Por isso, nesse momento, digo que não existe disputa ideológica. De 2006 para cá, o que há é a vitória do pragmatismo.
IHU On-Line – Qual é a avaliação do senhor sobre a lei “Ficha Limpa”?
Cesar Romero – Ela é ótima, mas não é suficiente. Com ela nós nos livramos dos políticos que têm problemas com a justiça, mas não de todos os políticos ruins. Oligarcas e populistas vão continuar a existir. Para que possamos eliminar as práticas que existem de clientelismo político, dos quais os pobres precisam ser libertados, seria necessário que o ensino fundamental público fosse de qualidade, que houvesse o aumento da renda e que o serviço público funcionasse. Aí teríamos o eleitorado grotão indo votar de forma tão independente quanto à classe média.
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O voto do brasileiro: uma análise da cartografia eleitoral. Entrevista especial com Cesar Romero Jacob - Instituto Humanitas Unisinos - IHU