22 Junho 2010
"Eu não entendo porque o Sarney tem essa força a tal ponto do presidente Lula violentar militantes antigos como Manuel da Conceição, que é o terceiro fundador nacional do partido. Nós demos a vida pelo PT, enfrentamos justamente o Sarney, então eu não compreendo o que o senador tem de tão forte que faz com que se faça uma violência tão grande contra antigos companheiros que deram a vida pelo partido" afirma Domingos Dutra, deputado federal - PT-MA. A greve de fome foi "nosso último recurso", diz o deputado.
“A greve de fome teve como objetivo chamar a atenção da militância do PT, pois todos estão insatisfeitos com a forma autoritária com que a direção nacional vem intervindo nos estados”, alertou Domingos em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line.
Domingos Dutra é deputado federal pelo Maranhão. Em 2008, foi Relator da CPI do Sistema Carcerário.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como, em sua opinião, Sarney, que tem grande influência sobre o Maranhão, conquistou o PT nacional?
Domingos Dutra – O Sarney é um político sem personalidade. Ele está há 46 anos no comando do estado do Maranhão, na base da bajulação e da chantagem. Ele serviu aos militares, depois serviu ao Collor, ao Itamar, ao Fernando Henrique Cardoso e agora bajula e lambe os pés de Lula. Infelizmente, ele conseguiu derrotar o Tião Viana para ser presidente do Senado. Com isso, ele faz suas manobras e acaba forçando o presidente Lula e o diretório nacional do PT a lhe servir, como agora, no caso da intervenção do diretório estadual do partido no Maranhão, para apoiar sua filha.
IHU On-Line – O senhor ficou uma semana sem comer em protesto ao apoio do PT ao candidato de Sarney no estado do Maranhão. Valeu a pena?
Domingos Dutra – Era nosso último recurso. Nós fizemos um encontro estadual de acordo com as regras do partido. A votação foi nominal, acompanhada pelo secretário nacional de organização do PT, Paulo Frateschi, e nós vencemos. Mas, infelizmente, o Sarney impôs ao presidente Lula que obrigasse o Diretório Nacional a fazer uma intervenção. Assim, ele interviu também nas normas do partido, anulando o resultado da votação feita nesse encontro. Isso porque o Sarney não aceitou nossa vitória.
Assim, não tive outra alternativa senão fazer uma greve de fome para protestar contra essa violência, para denunciar o mandonismo de Sarney, para dizer que o Maranhão até hoje não tem democracia, para alertar que aqui vivemos uma ditadura instalada há 46 anos. Não é mais possível que o governo do presidente Lula fique refém do político Sarney. A greve de fome teve como objetivo também chamar a atenção da militância do PT, pois todos estão insatisfeitos com a forma autoritária com que a direção nacional vem intervindo nos estados.
O PMDB tem feito o PT de “gato e sapato”. E, nesta aliança, só quem está levando a pior é o PT, pois o PMDB está impondo sua vontade sobre o partido e sua militância. Portanto, a greve de fome foi um recurso extremo, mas necessário diante da violência que foi praticada. Valeu a pena porque milhares de petistas do Brasil inteiro estão indignados e estão querendo rediscutir o partido. Valeu a pena porque, aqui no Maranhão, nós impomos um desgaste a Roseana. Valeu a pena porque o Diretório Nacional teve que fazer um acordo conosco que nos libera de fazer campanha para a filha de Sarney. Valeu a pena porque o mantemos nosso candidato ao governo do Estado. Portanto, nós não conseguimos revogar a decisão de intervenção do Diretório Nacional, mas nós também não somos obrigados a fazer campanha a uma candidata que é filha da corrupção e que renega todas as bandeiras do PT. Portanto, valeu a pena este sacrifício sim.
IHU On-Line – O senhor dedicou 30 anos ao partido. Como avalia a posição dele hoje com Lula no poder?
Domingos Dutra – Há muitas coisas boas no governo. O presidente Lula tem um governo positivo, a economia se estabilizou, geramos mais empregos, há investimento na educação com escolas técnicas, há muitos recursos para o agricultor familiar. Além disso, foram criadas estruturas importantes como o Ministério da Igualdade Racial, o Ministério da Pesca e a Secretaria das Mulheres.
Porém, na questão política, há um retrocesso, assim como no ponto ético. Eu não consigo compreender o motivo pelo qual o presidente Lula, que confronta legitimamente até o Obama, tem que ficar a mercê de Renan Calheiros, de Collor, de Sarney. A ministra Dilma não precisa deste monte de bandidos para se eleger presidente da República. Portanto, neste sentido, eu acho que é extremamente negativo.
IHU On-Line – O que está em jogo nessa aliança selada entre o PT e Sarney?
Domingos Dutra – Na verdade, eu não consigo compreender qual é a arma secreta que o Sarney tem contra o nosso governo. Porque ele tem todos os cargos federais do Maranhão, tem todos os cargos federais do Amapá, tem o Ministério de Minas e Energias, botou a filha para ser líder do governo até pouco tempo, derrotou Tião Viana na presidência do Senado, derrotou a Ideli Salvatti [4] do PT para colocar o Collor na comissão de Infraestrutura.
O presidente Lula salvou o Sarney no ano passado, quando passou por uma crise. Tem algo muito grave que o Sarney sabe ou tem a ponto da direção nacional do PT fazer essa violência conosco aqui do Maranhão. E não foi apenas nós do PT que fomos atingidos, mas também o PSB e o PCdoB, que são aliados históricos do PT. É uma contradição o presidente Lula fazer um governo bom, um governo progressista, e, aqui no Maranhão, nos obrigar a eternizar uma oligarquia de uma família que já está há 46 anos no poder.
Nada que o governo faça para o Sarney gera crédito para nós ou para o governo. Ele continua com crédito, é como aquela velha relação dos antigos coronéis com os agregados: quanto mais o agregado trabalha, mais a dívida aumenta. Eu, sinceramente, não compreendo, porque, ano passado, o presidente Lula salvou o Sarney da renúncia do Senado Federal. Eu não entendo porque o Sarney tem essa força a tal ponto do presidente Lula violentar militantes antigos como Manoel da Conceição, que é o terceiro fundador nacional do partido. Nós demos a vida pelo PT, enfrentamos justamente o Sarney, então eu não compreendo o que o senador tem de tão forte que faz com que se faça uma violência tão grande contra antigos companheiros que deram a vida pelo partido.
IHU On-Line – A esquerda brasileira está dando a devida atenção ao assunto?
Domingos Dutra – Nós estamos em um processo de transição em que os partidos todos estão com suas crises. O próprio PSOL, que saiu do PT, hoje, vive uma crise entre o Plínio e a Heloisa Helena. A esquerda brasileira está dividida, de um lado, nós temos os de “mais esquerda” como o PSOL e o PSTU, que também estão divididos, uma vez que cada um vai sair com um candidato a presidente e não vão a lugar nenhum. Já a outra esquerda está sob o comando do presidente Lula. Ela é formada pelo PSB e pelo PCdoB. Portanto, vai demorar um pouco para a esquerda se reencontrar, creio que, a partir de 2012, poderemos ter uma noção de para onde a esquerda vai. Eu acredito que o PMDB e os partidos de direita vão sair vencedores desta eleição, mas, de resto, é esperar o futuro para ver como vamos sair desta situação.
IHU On-Line – E como está a sua saúde e a do Manoel da Conceição nesse momento?
Domingos Dutra – Passamos sábado e domingo em Brasília, chegamos ao Maranhão e já tomamos, cada um, três caldos de ostra. Estamos recuperando as energias e, ao mesmo tempo, tentando organizar o que restou da esquerda para tentar enfrentar este poder absurdo e absoluto da oligarquia do Sarney.
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José Sarney e o PT. Entrevista especial com Domingos Dutra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU