23 Abril 2010
“Belo Monte poderia jamais ter saído do papel, não fosse a mentira”, afirmou Telma Monteiro, à IHU On-Line. Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, ela explica como aconteceu o polêmico leilão de Belo Monte, ocorrido na última terça-feira, 20-4-2010, e informa que a liminar para cancelar o leilão de venda de energia de Belo Monte, solicitada pelas organizações Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e Amigos da Terra Amazônia Brasileira, e aprovada pelo juiz Antonio Carlos Campelo, foi ignorada pela Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel. “Aconteceu que todos na Aneel fingiram que não receberam a terceira liminar e argumentaram que ela só chegou às 13h30, depois que o leilão havia terminado”, menciona.
Além da rápida concretização do leilão, outros aspectos chamam a atenção como o fato de duas grandes empreiteiras, Odebrecht e Camargo Corrêa, terem desistido da negociação. Para Telma, essa é uma questão que tem várias respostas. “Gerar energia através de Belo Monte seria um mau negócio para as empreiteiras” é uma das hipóteses. Talvez as empresas se “reservaram para apenas fazer a obra, já que não conseguiriam vender para o governo a energia pelo preço que queriam; fazer a obra dessa forma, sem a responsabilidade dos custos ambientais e sociais, além das batalhas na justiça que já são realidade, seria a hipótese mais coerente”, menciona.
Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Na manhã do dia 20-4-2010, a imprensa anunciava que o leilão de Belo Monte estava suspenso. Mas, no mesmo dia, a liminar que suspendia o leilão foi cassada. Em sua opinião, o que aconteceu?
Telma Monteiro - Vamos fazer uma pequena volta no tempo para entender os detalhes do dia do leilão. Começou quando o Ministério Público Federal - MPF do Pará ajuizou duas Ações Civis Públicas - ACPs com pedido de liminar para cancelar o leilão de venda de energia de Belo Monte, marcado para o dia 20 de abril. O juiz Antonio Carlos Campelo, da Subseção Judiciária de Altamira (PA), julgou que os pedidos requeriam urgência devido à iminência do leilão e concedeu a liminar da primeira ação do MPF. Esta foi cassada menos de 24 horas depois, na semana anterior ao leilão. No final do dia 19-4-2010, véspera do leilão, o mesmo juiz de Altamira apreciou a outra ação e também concedeu, devido ao caráter de urgência, a segunda liminar pedida pelo MPF, para suspender o leilão. Então, no final do dia 19-4-2010, ele estava suspenso pela justiça através de medida liminar.
Na tarde do dia 19-4-2010, as organizações Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e Amigos da Terra Amazônia Brasileira também ajuizaram uma ACP na Seção Judiciária de Altamira com pedido de liminar para suspender o leilão de Belo Monte. A inicial demonstrou ao juiz Antonio Carlos Campelo que o edital do Leilão da Aneel estava viciado, pois a área do reservatório de Belo Monte constava como tendo 516 km² em alguns documentos e em outro, anexo e integrante do edital, apresentava uma outra área: 668,10 km². Diferença expressiva de mais de 29% ou quase um terço a mais na área a ser alagada prevista nos estudos ambientais. Às 11h45 do dia 20-4-2010 (dia do leilão), o juiz de Altamira concedeu a liminar pedida na ACP das organizações, a 3ª, suspendendo de novo o leilão e inclusive anulando o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte. Às 12h25, a secretaria da Seção Judiciária de Altamira enviou essa decisão por e-mail (link da decisão do juiz) para a Aneel em Brasília, Eletrobrás e EPE no Rio, por fax.
Já no dia 19-4-2010, depois de recebida a segunda liminar do MPF, a Advocacia Geral da União - AGU, então, por dever de ofício, tinha dado entrada, às 18h57, no pedido de Suspensão de Liminar no Tribunal Regional Federal da Primeira Região. É importante mencionar aqui que essas informações são públicas, que todo o cidadão pode acompanhar a tramitação de um processo de cassação da liminar através do site do Tribunal. Basta ter o número do processo ou o nome das partes ou do advogado.
O leilão estava marcado para as 12h do dia 20-4-2010 e até aquele horário a segunda liminar do MPF que o suspendia ainda não tinha sido cassada. A ANEEL então resolveu mudar o horário do leilão para as 13h20 para esperar que o Desembargador Federal Presidente do Tribunal julgasse o pedido de cassação da liminar do MPF. Enquanto isso acontecia, às 12h25 os funcionários da Aneel receberam a intimação da nossa liminar – a 3ª – concedida pelo Juiz de Altamira atendendo ao pedido das organizações. O leilão estava suspenso aguardando a decisão do Desembargador quando chegou a nossa liminar. Ai aconteceu que todos na Aneel fingiram que não receberam a terceira liminar e argumentaram que ela só chegou às 13h30, depois que o leilão havia terminado. O leilão durara apenas 7 minutos – das 13h20 até às 13h27 – nessa primeira fase, o resultado não foi divulgado por força da liminar . Só então a AGU entrou com pedido de suspensão da nossa liminar e a Aneel ficou aguardando a decisão do desembargador para divulgar o resultado, o que aconteceu quase duas horas depois. Ou seja, a liminar que deveria suspender o leilão só serviu na prática para retardar a divulgação do resultado. A mentira sobre o horário em que foi recebida a ordem judicial de Altamira, a qual se pretende provar para anular o leilão, fez a diferença. Belo Monte poderia jamais ter saído do papel, não fosse a mentira. Se houver a confirmação de que a Aneel tomou conhecimento da liminar antes do início do leilão e desobedeceu a ordem judicial, o leilão poderá ser anulado.
IHU On-Line - Como explicar a posição da justiça nesse caso?
Telma Monteiro - Parece que ai é o caso de termos duas justiças. Uma a do Juiz Antonio Carlos Campelo que deu as liminares embasado em fundamentos que corroboraram os argumentos do MPF e o das organizações. Então, ao suspender o leilão, o juiz estava evitando que ele acontecesse antes que os argumentos das ações ajuizadas fossem julgados em seu mérito. A outra justiça é a do Tribunal Federal da Primeira Região que, no açodamento para satisfazer a urgência política do governo de fazer o leilão de Belo Monte, cassou as liminares sem apreciar com a devida cautela e atenção todos os argumentos apresentados e que comprovam a inviabilidade ambiental e social do empreendimento.
IHU On-Line - Percebeu algum equivoco no leilão de Belo Monte?
Telma Monteiro - O leilão de Belo Monte foi um equívoco. Para esse leilão estava inicialmente prevista a participação de três grandes empreiteiras: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. As três são as responsáveis, junto com a Eletrobrás, pela elaboração de todos os estudos pertinentes a Belo Monte. Estudos de viabilidade técnico-econômica e ambientais. Esses estudos lhes conferiram todo o conhecimento técnico necessário para construção desse monstro num local tão especial com esse no rio Xingu.
O TCU, no seu relatório preliminar do final de 2009, questionou a viabilidade econômica do empreendimento e fez várias recomendações à Empresa de Pesquisa Energética - EPE; entre elas a de revisar os custos apresentados, fornecer planilhas detalhadas sobre os custos ambientais e sociais. Chamou atenção, inclusive, para as discrepâncias em relação aos custos das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. A EPE, então, foi fazer a revisão pedida, e em fevereiro mandou de volta as contas para a análise final do TCU, com alterações impressionantes. Os custos foram revisados, sim. Entre elas a do próprio preço teto do Mw/h para o leilão, que passou de R$ 68 para R$ 83, baseado no fato de que os empreendedores ou desenvolvedores como são chamados agora, “esqueceram” de computar os custos com canteiros de obras de Belo Monte.
Estou resgatando essa parte da história para todo o mundo entender como o poder das empreiteiras decide os destinos do Brasil. Então foi ai que a obra passou dos R$ 16 bilhões para os R$ 19 bilhões. Crescimento bárbaro que foi atribuído aos custos ambientais, discurso da EPE para justificar tamanho aumento, mas não foi suficiente para atrair as três grandes empreiteiras. No entanto, o que se passou foi que a Odebrecht e a Camargo Corrêa já haviam ameaçado sair do negócio se o investimento calculado não fosse da ordem de R$ 30 bilhões. Então, as duas maiores empreiteiras quando perceberam que a EPE teria confirmado junto ao TCU o valor de R$ 19 bilhões, acabaram desistindo do consórcio que haviam formado para disputar o leilão de Belo Monte, para forçar a barra e obter o que queriam. Mas a Andrade Gutierrez continuou liderando outro consórcio. Para o governo não era possível fazer o leilão com apenas um consórcio e partiu no encalço de outras empresas para formar um segundo consórcio e assim legitimar o leilão.
Só que as empresas laçadas pelo governo, lideradas pela estatal Chesf, subsidiária da Eletrobrás, além de terem alguns problemas de caixa, não têm experiência nenhuma em construção de mega hidrelétricas. Também não têm conhecimento técnico sobre a região, sobre os impactos ambientais, sobre os conflitos com os povos indígenas e populações tradicionais que acompanham a história de Belo Monte desde o final dos anos 1980. Ao contrário das três gigantes das mega obras do novo Brasil grande, inventado pelo governo Lula, elas não teriam cacife técnico. Foram mesmo para perder o leilão, porém não de graça e não se sabe o que lhes foi prometido. Foi uma armação.
IHU On-Line - Pode nos explicar como foi organizado o leilão para a concessão do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte? Quem são as empresas que estavam no leilão?
Telma Monteiro - Dois grupos concorreram ao leilão. Um deles liderado pela Andrade Gutierrez, que no meu entender foi uma espécie de chamariz para que as demais integrassem e o outro grupo com nove empresas laçadas na última hora. Estranhamente, o consórcio liderado pela Andrade Gutierrez que, pela lógica, seria o vencedor, no qual todos apostavam, acabou perdendo. Mas não perdeu porque o outro consórcio que ganhou foi mais esperto. Perdeu porque tinham decidido perder. O lance desse consórcio para o Megawatt hora não dava margem para ganhar o leilão. O azarão, grupo para tapar o buraco e dar uma falsa idéia de concorrência, que deveria perder, acabou sendo o vencedor.
IHU On-Line - Por que a Odebrecht e a Camargo Correa não participaram do leilão?
Telma Monteiro - Essa é uma resposta que pode ter várias versões. Gerar energia através de Belo Monte seria um mau negócio para as empreiteiras, é uma delas. Eles se assustaram com o tamanho da encrenca que visualizaram pela frente com a exposição das questões ambientais e sociais e a luta incrível dos movimentos sociais e da resistência dos povos indígenas do Xingu; outra pode ser uma estratégia usada para forçar o governo a subir de R$ 19 bilhões para R$ 30 bilhões, mas que acabou não dando certo, talvez ai fosse um bom negócio; outra ainda pode ser que se reservaram para apenas fazer a obra, já que não conseguiriam vender para o governo a energia pelo preço que queriam; fazer a obra dessa forma, sem a responsabilidade dos custos ambientais e sociais, além das batalhas na justiça que já são realidade, seria, em minha opinião, a hipótese mais coerente. Mamata. Essas empreiteiras que idealizaram, com a Eletrobrás, esse monstro no rio Xingu, sempre tiveram como único interesse, o de fazer a obra e faturar na frente, não queriam cumprir condicionantes ambientais, programas de mitigações ou defender ações na justiça. Dá para perceber que, espertamente, Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, deram um jeito de o leilão ser concretizado sem elas. Se a usina vai gerar pouca energia ou muita energia, pouco lhes importa. Já é sabido que o próprio presidente Lula disse que há lugar para todas as empreiteiras nesse bolo. Elas já estão se articulando para “dividir o trecho”.
Duas empresas do consórcio vencedor já ameaçam sair porque não estão satisfeitas com algo não muito bem explicado. Queiroz Galvão e J. Malucelli. Sem construtoras no grupo, quem iria construir Belo Monte? A resposta é simples.
IHU On-Line - Como a senhora interpreta a “desistência” dessas empresas na participação do leilão de Belo Monte? Que motivos as levaram a desistirem?
Telma Monteiro - Tenho a impressão que a imprensa tem feito muitas conjecturas a respeito disso. Ouvi uma entrevista do presidente da Gerdau, por exemplo, a quem interessaria participar como auto-produtor, que a inviabilidade econômica foi determinante para desistirem. Essa inviabilidade econômica foi o argumento das empreiteiras quando forçaram o aumento de R$19 bilhões para R$ 30 bilhões. O negócio de R$ 19 bilhões já é uma mamata, se pensarmos bem: o BNDES vai financiar 80% durante 30 anos com juros de 4% ao ano. Além disso, o governo propiciou um grande pacote de benesses para os vencedores que vai desde desconto de 75% no imposto de Renda por 10 anos até isenção de PIS e COFINS da obra. Mas a pergunta que não quer calar é: por que, mesmo com tudo isso, faltaram participantes espontâneos? A resposta pode estar nas incógnitas do projeto quanto às escavações dos canais, quanto ao verdadeiro custo ambiental e social que não foi completamente fechado ou ainda e, principalmente, na questão da energia a ser gerada pela chamada “hidrelétrica sazonal” que, na verdade, não é nenhuma “Brastemp”, como quer fazer crer o governo. Belo Monte parece ser um bom negócio só para o governo.
Mais uma vez está claro que às grandes empreiteiras só interessaria participar como investidoras se o retorno fosse superior aos ganhos que terão fazendo apenas a obra. Se o bolo valesse a pena ninguém se importaria se ela produziria a energia programada. Sei que é um raciocínio simplista, mas é uma forma de mostrar como na verdade só o que interessa para as empreiteiras é a obra em si. E, como gerar energia em Belo Monte continua sendo uma conta que não fecha, não interessa para empreiteiras. Seria muito risco. E aqueles que precisam da energia como insumo principal, como a Vale, a Gerdau, a Alcoa etc., podem comprar no ambiente livre, depois, e deixam para o governo o mau negócio – agora que a Chesf é majoritária -, de investir e arcar com todos os custos das externalidades ainda não computadas e que vão sobrar para o nosso bolso. As empresas privadas, que teriam porte para tocar tecnicamente essa encrenca, resolveram ficar de fora. Por isso são o que são.
IHU On-Line - Por que, na sua opinião, o consórcio liderado pela Andrade Gutierrez entrou no leilão para perder?
Telma Monteiro - O consórcio liderado pela Andrade Gutierrez já estava formado desde o início do processo. Eles se mantiveram para garantir, penso eu, a certeza da realização do leilão, pensando na obra, lógico. Seria talvez a isca para atrair empresas para o outro grupo que legitimaria o leilão.
IHU On-Line - O presidente da Camargo Correa concedeu uma entrevista ao jornal Valor e disse que caso a Eletrobrás convide, a empresa possa participar da construção de Belo Monte. A saída da empresa do leilão foi estratégica?
Telma Monteiro - Eu entendo que a essas empresas só interessa fazer a obra. Interessa as escavações em rocha, o concreto para revestir os canais. É nisso que se resume e justifica sua existência. Construir mega-obras. Lembrei agora de um artifício de construtoras para obter obras. Elas iam – não sei se é assim ainda – em pequenos municípios do interior do Brasil e pesquisavam uma ponte, ou um viaduto ou uma rodoviária, ou hospital, qualquer obra de infra-estrutura necessária ao local. Apresentavam o projeto para o prefeito junto com o caminho para obter o recurso público necessário para a construção. Isso, semelhante, aconteceu no caso do Madeira. Em 2001, foi a Odebrecht quem levou o projeto das usinas para o governo. Furnas só entrou depois e fez parceria. Nesse caso de Belo Monte levou bem mais tempo, mas o lobby é o mesmo. O discurso do apagão tem ajudado e a necessidade de Lula de deixar sua marca megalômana, também. Tem também o caixa de campanha que precisa muito de doadores e ninguém melhor que empreiteiras para isso.
Lógico que o presidente da Camargo Corrêa vai querer construir Belo Monte, só os canteiros de obras têm um custo previsto de R$ 2,85 bilhões.
IHU On-Line - Haverá readequação econômico-financeira da controladora de Belo Monte? As empresas que não participaram do leilão podem participar da obra num outro momento?
Telma Monteiro - O consórcio ganhador tem que se manter assim até 23 de setembro quando teoricamente será assinado o contrato de concessão. Depois disso, pode tudo. A tendência é que o grupo seja mais estatizado ainda. Chesf já tem os quase 50%. As cadeiras ficarão disponíveis para fundos de pensão, por exemplo, numa nova Sociedade de Propósito Específico. Lula disse que a Chesf pode perfeitamente construir Belo Monte.
IHU On-Line - Na mídia, as informações estão muito obscuras. Quem, afinal, ganhou o consórcio de Belo Monte?
Telma Monteiro - Foi o governo autoritário. Foi a campanha da Dilma que vai usar Belo Monte no discurso do tipo não vai mais haver apagão ou insistir na teoria de que será a terceira maior hidrelétrica do mundo. Talvez possamos ter uma situação de até o final do ano, se for concedida a licença de instalação, o Lula inaugurar o canteiro de obras como fez com Jirau no rio Madeira. E, também, ganharam as empreiteiras que não ficaram com o ônus como aconteceu no caso do Madeira que continua sub judice. Elas pretendem fazer a obra com contratos bilionários sem licitação e que na certa terão aditivos aumentando o preço.
Também seria interessante complementar a pergunta: quem perdeu? Nós todos, brasileiros que conseguimos enxergar a força tarefa formada pelas instituições do governo com o único propósito de construir uma hidrelétrica na Amazônia que para funcionar vai precisar de manivela na época da seca. Uma usina nos moldes do século XIX que vai custar os olhos da cara e colocar em risco a vida na Amazônia.
Já ficou patente que Belo Monte só poderia funcionar se os demais usinas a montante também fossem construídas. Então é puro autoritarismo.
IHU On-Line - Pode-se dizer que Belo Monte será uma usina estatal, uma vez que será financiada com recursos públicos?
Telma Monteiro - Ela ainda não seria estatal. Veja que a Chesf é estatal, mas tem menos de 50% de participação no consórcio, por enquanto. Mas podemos usar outro raciocínio, também, já que o BNDES deve injetar cerca de 80% dos recursos - a maior parte vindo do Tesouro Nacional - para viabilizar o projeto e além disso tem o pacote de benesses, então, apesar de legalmente não ser estatal, financeiramente é estatal.
IHU On-Line - Qual será a participação dos fundos de pensão no consórcio?
Telma Monteiro - Por enquanto nenhuma. Já houve sinalização de participarem, mas questões jurídicas à época impediram.
IHU On-Line - Como, na sua avaliação, a grande imprensa tratou o leilão de Belo Monte? A imprensa deixo algo obscuro nessa cobertura?
Telma Monteiro - Foi muito estranho. Ela deu cobertura ao fato de haver liminares que impediriam o leilão, mas não discorreu sobre os motivos, que poderiam esclarecer as dúvidas da sociedade. Dizer que não vai haver leilão porque o juiz confirmou que precisa de uma lei específica para aproveitar recursos hídricos em terras indígenas ou que a legislação ambiental foi ferida de morte é fundamental para esclarecer a opinião pública e levá-la a aderir à campanha contra Belo Monte. Foi uma injustiça inclusive com o MPF que fez duas peças maravilhosas apontando todas as irregularidades dos estudos ambientais e do processo de licenciamento. O espaço dado aos argumentos usados nas ações e à análise do juiz foi ínfimo se comparado ao dos comentaristas econômicos das emissoras de televisão ou dos jornais. Vejam que nossas organizações descobriram uma falha gigantesca nos documentos sobre o reservatório de Belo Monte. No entanto, não houve um único jornalista que quisesse saber os detalhes dessa falha e nem um que tenha se interessado pelo despacho da liminar que, inclusive, anulou o EIA do projeto.
IHU On-Line - Na sua opinião, quais serão os próximos capítulos de Belo Monte? Qual será o futuro da obra?
Telma Monteiro - A batalha jurídica vai continuar. Acreditamos que o leilão deverá ser anulado quando for provado que a Aneel foi, sim, intimada em tempo para suspender o leilão. E o MPF não vai parar a luta também. O projeto de Belo Monte está agonizando há muito tempo. Acho que agora ele chegou ao estertor final. A justiça tem que prevalecer diante de tantas ilegalidades.
IHU On-Line - O candidato José Serra tem criticado o leilão de Belo Monte. Trata-se de uma crítica oportunista?
Telma Monteiro - Não tenho dúvida de que é uma crítica oportunista. Assim como as de muitas emissoras e jornais que estão se escorando no caso de Belo Monte para desancar a Dilma e o governo Lula, que na verdade bem o merecem. Mas seria preferível que isso fosse feito com base nas distorções desse projeto e nas insuficiências dos estudos, nas irregularidades do processo de licenciamento já apontadas por especialistas, ONGs, movimentos sociais e lideranças indígenas.
Não tenho nenhuma ilusão de que se fosse o Serra no lugar do Lula ou da Dilma seria a mesma coisa, um rolo compressor para tirar Belo Monte, Tapajós e outras do papel, sob os mesmos pretextos, com o mesmo discurso. Indícios disso nós temos com Serra em São Paulo e o seu Xico Graziano, Secretário do Meio Ambiente. E mais, é preocupante também a atitude de Marina Silva que devia ter se manifestado com alguma veemência contra Belo Monte e já ter se reunido com os movimentos sociais do Xingu e os povos indígenas. Ela deveria incorporar essa luta.
IHU On-Line - Deseja acrescentar mais alguma coisa?
Telma Monteiro - Muitas das lições que estamos tirando no caso das usinas do Madeira estão servindo para enfrentar Belo Monte. Alguém me disse que o Madeira é Belo Monte amanhã. Achei muito triste, mas tem um fundo de verdade. Operários da usina Santo Antônio fizeram um protesto pela morte de um companheiro no alojamento da obra. A denúncia é muito séria - desde excrementos no piso do alojamento até situação de doenças e comida ruim. São condições análogas à escravidão. Esse é mais um exemplo do desastre a que estamos sujeitos com mega-obras. É isso que muitos insistem em chamar de desenvolvimento?
Também queria mencionar uma notícia veiculada sobre o governo querer processar quem entrou com pedido de liminar para suspender o leilão de Belo Monte. Essa é uma atitude típica de governos autoritários. Na mesma matéria, Gilmar Mendes disse que o MPF é influenciado por ONGs, mas a única influência que motiva a atuação do ministério público é o descumprimento da lei. Temos, também, que desmistificar essa mentira que disse o presidente Lula de que se ninguém quiser construir Belo Monte, o governo o fará. O governo não é construtora, e para fazer Belo Monte terá que contratar uma ou as três que têm a experiência necessária. Elas estão apenas aguardando. Não é preciso estar no consórcio vencedor do leilão para fazer a obra. Qual seria o motivo que leva o governo a querer com tanta avidez construir Belo Monte, apesar de tudo o que já foi apontado e apesar de ser um mau negócio?
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Leilão de Belo Monte: uma armação. Entrevista especial com Telma Monteiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU