21 Outubro 2009
Os desafios da Conferência de Copenhague é o tema abordado por Délcio Rodrigues na entrevista concedida à IHU On-Line. por email. Ele também aborda a questão das migrações para as fontes de energia renováveis e sobre a construção de um país sustentável. “De que maneira um país como o Brasil construiu um formidável parque gerador de eletricidade renovável e tem o maior programa de combustíveis renováveis do planeta, admirado no mundo inteiro? Temos uma sociedade com muitos excluídos e muitos problemas, inclusive ambientais, daí derivados. Mas também somos uma sociedade aplicando uma força intelectual formidável na solução de seus problemas ambientais”, disse.
O tema da entrevista de hoje continua o debate da revista IHU On-Line desta semana.
Délcio Rodrigues é pesquisador da ONG socioambiental Vitae Civilis e coordenador da Iniciativa Cidades Solares. É formado em física e já fez parte do conselho internacional de campanhas do Greenpeace. Atualmente, é diretor executivo do Ekos Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os maiores desafios a Conferência de Copenhague vai enfrentar?
Délcio Rodrigues – Creio que o principal desafio é construir um acordo acerca de quem paga pela redução de carbono, tanto financeiramente quanto fisicamente falando. Embora o relatório Stern [1] e vários outros trabalhos de economistas renomados tenham já demonstrado que é muito mais barato investir na mitigação do que arcar com os custos posteriores de adaptação às mudanças climáticas, parece que os sistemas de governança nacionais e também o global não são capazes de agir sobre tendências de longo prazo, de maneira que os governos não conseguem construir acordos que tenham resultado em prazos muito além dos seus mandatos. Esta parece ser a razão de termos tantas discussões sobre aspectos aparentemente menores frente à catástrofe que se avizinha, como, por exemplo, os EUA não quererem assumir metas globais sem que China, Brasil e outros emergentes também o assumam, ou a ministra Dilma ter recentemente solicitado “mais espaço para o crescimento” aos formuladores da proposta brasileira.
IHU On-Line – As negociações da 14ª Conferência do Clima, no final do ano passado, não tiveram muitos avanços. Quais cuidados devem ser tomados este ano para que isso não aconteça novamente?
Délcio Rodrigues – Brasil, China, Malásia e outros países emergentes ou em desenvolvimento – mas grandes emissores de gases de efeito estufa – têm que apresentar metas concretas, é justo e importante que o façam, e sem isto não avançaremos. Estas metas não precisam ser, num primeiro momento, metas de redução absolutas. O Brasil poderia assumir metas de redução maior do desmatamento de todos os biomas do país, por exemplo. Por outro lado, os países industrializados precisam ampliar suas metas absolutas de alguma forma, mostrando que caminham para as reduções calculadas pelo IPCC. Sem estes movimentos, dificilmente conseguiremos avançar.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a forma como o governo brasileiro está tratando a questão do desmatamento?
Délcio Rodrigues – O Brasil mostrou, nos anos recentes, que é possível reduzir o desmatamento na Amazônia com a articulação de ações de governo proposta pela ex-ministra Marina Silva. Porém, falando da pauta atual do governo brasileiro, penso que a tendência não é adequada, tanto para as negociações quanto para o país. Temos um governo que muitos taxam de desenvolvimentista, e enquanto esta visão política prevalecer, prevalecerão os velhos esquemas de apropriação dos recursos naturais que são usados desde as sesmarias e que até hoje vemos se desenrolando na Amazônia. O governo brasileiro tem que entender que (a) a agricultura brasileira hoje só tem a perder com o desmatamento e a consequente perda dos serviços ambientais prestados pelos biomas preservados; (b) que as atividades que hoje mais contribuem para o desmatamento não são relevantes para a formação do PIB; (c) que incentivos governamentais devem sempre ter contrapartidas com melhoria da eficiência energética, a expansão da geração de energias renováveis e geração de empregos verdes. Refiro-me aqui a, por exemplo, a redução do IPI para automóveis, recentemente usada para combater a crise econômica, que não exigiu nada dos fabricantes, quando poderia ter sido dada somente para veículos flex com baixa cilindrada, ou elétricos, por exemplo.
IHU On-Line – Como sair da dependência das energias “sujas” e migrar para as fontes de energia renováveis?
Délcio Rodrigues – Penso que para “sair desta” temos que adotar um esquema de pensamento semelhante aos três “R”, utilizado amplamente na abordagem da questão dos resíduos, mudando de reduzir, reutilizar e reciclar para reduzir, eficientizar e renovabilizar. Isto é, reduzir nosso consumo, revisando nossos padrões e aquilo que chamamos de necessidade. Além disso, precisamos tornar eficaz o consumo de energia, buscando adotar sempre a melhor tecnologia disponível. Para isto, muito investimento em desenvolvimento tecnológico tem que ser realizado, e uma boa dose de políticas públicas tem que ser empregada nos três níveis de governo. Adicionalmente, é necessário que os países industrializados encontrem maneiras de repassar para os ainda em desenvolvimento tecnologias solares, eólicas e outras que estão já em pleno emprego em vários destes países.
IHU On-Line – Ainda temos tempo de construir um país sustentável?
Délcio Rodrigues – Aí sou eu quem pergunta: De que maneira um país como o Brasil construiu um formidável parque gerador de eletricidade renovável e tem o maior programa de combustíveis renováveis do planeta, admirado no mundo inteiro? Temos uma sociedade com muitos excluídos e muitos problemas, inclusive ambientais, daí derivados. Mas também somos uma sociedade aplicando uma força intelectual formidável na solução de seus problemas ambientais, o que pode ser visto por todas as pessoas que têm a oportunidade de conhecer diferentes regiões do país. Acredito que temos tempo para resolver nossos problemas e contribuir para uma solução global, mas, para isto, temos que transformar a política brasileira e levar para esta mesma política o que temos de melhor, e não deixar na mão dos patrimonialistas, velhos coronéis da política e outros setores que dominam o congresso nacional e vários governos regionais.
Notas:
[1] O Relatório Stern foi coordenado por Nicholas Stern, economista britânico do Banco Mundial. É um estudo encomendado pelo governo Britânico sobre os efeitos na economia mundial das alterações climáticas nos próximos 50 anos. O relatório resultante desse estudo foi apresentado ao público no dia 30 de Outubro de 2006.
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Ainda é possível construir um Brasil sustentável? Entrevista especial com Délcio Rodrigues - Instituto Humanitas Unisinos - IHU