08 Outubro 2009
A reunião que vai acontecer em dezembro, em Copenhague, para se pensar num acordo para diminuir as consequências das mudanças climáticas, é uma esperança para muitos que lutam pelo meio ambiente. Mas não para todos. Roberto Smeraldi não acredita que Copenhague resulte num acordo. “Eu acho que Copenhague não vai representar muita coisa. Acho que não vamos ter muitos avanços em Copenhague porque acho que não estamos prontos ainda para uma negociação. Esse encontro vai ser uma etapa intermediária, e espero que seja a preparação para um acordo seguinte”, confirmou ele em entrevista à IHU On-Line, feita por telefone.
Segundo Smeraldi, “países como Índia, China e Brasil ainda raciocinam com a ideia de que se negocia em cima de uma projeção de crescimento de emissão, ou seja, que você pode negociar assim: ao invés de crescer, por exemplo, 10%, vai crescer 8%”. Para ele, é preciso planejar um desenvolvimento a partir de uma economia de baixo carbono. “Especialmente o governo brasileiro não me parece pronto para trabalhar com essa perspectiva”, disse.
Roberto Smeraldi é jornalista e diretor da entidade Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. Também assessora instituições brasileiras e internacionais, como o Banco Mundial, a agências das Nações Unidas e o Ministério do Meio Ambiente.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) pode significar que tipo de mudanças para o Brasil?
Roberto Smeraldi – Ela pode ser um adicional que faz a diferença para o uso econômico das florestas, ou seja, para mim, ela não é uma atividade em si. Eu enxergo como um importante adicional que pode agregar valor para quem já usa a floresta.
IHU On-Line – Impedir o desmatamento através da Redd irá ajudar a abordar as mudanças climáticas?
Roberto Smeraldi – Ela é feita para isso, para abordar justamente a questão das florestas nas mudanças climáticas, para eliminar as emissões de gases estufa oriundos da mudança no desmatamento e nas queimadas. Esse é o mecanismo concebido como Redd. O que hoje nós estamos pleiteando é que o Redd não seja só isso, que ele não se preocupe apenas com remunerar a redução do desmatamento, mas também envolver todas as modalidades de carbono florestal, portanto, que também remunere a conservação e a reconstituição das florestas. A conservação das florestas se chama, no jargão das negociações internacionais, estoques de carbono florestal, e a captura se chama melhora dos estoques de carbono florestal. A nossa proposta hoje é que o Redd não seja exclusivamente um mecanismo que remunera pela redução do desmatamento, mas também pela conservação, porque caso remunerasse só pelo desmatamento, quem não desmatou não viria a se beneficiar e quem manteve suas florestas em pé, não teria nada a ganhar, porque não tem desmatamento para diminuir. Nós queremos que ele também seja o primeiro beneficiário. Quem perdeu já todas as suas florestas também não teria nada a ganhar, porque não teria mais a diminuir, e nós queremos que ele possa recuperar. Assim, o Redd atenderia a todos, o que seria mais efetivo.
IHU On-Line – Vender crédito de carbono ainda é um bom negócio?
Roberto Smeraldi – É como todos os negócios. É bom para quem faz bem feito e para quem faz organizado, e não é bom para muitos outros. É um negócio que tem características dos negócios. Não tem como ser bom para todos. Com certeza, há muita ilusão de gente que acha que qualquer um pode, com um pedacinho de mato, meter-se e fazer negócios de carbono. Isso não é verdade. Você tem que ter uma certa escala que possa render. Quem pode se beneficiar em fazer negócios apenas com carbono florestal é só o pessoal que faz comércio, mas, para o dono de floresta, eu não recomendo fazer só um negocio de carbono, mas sim um negócio florestal, com turismo, bioprospecção, e o carbono seria a complementação de renda.
IHU On-Line – O que Copenhague pode significar para o Brasil?
Roberto Smeraldi – Eu acho que Copenhague não vai representar muita coisa. Acho que não vamos ter muitos avanços em Copenhage porque acredito que não estamos prontos ainda para uma negociação. Esse encontro vai ser uma etapa intermediária, e espero que seja a preparação para um acordo seguinte. Eu não creio em acordos em Copenhague.
IHU On-Line – Como você vê a participação de países como a China, Índia e EUA em Copenhage?
Roberto Smeraldi – Eu vejo que países como Índia, China e Brasil ainda raciocinam com a ideia de que se negocia em cima de uma projeção de crescimento de emissão, ou seja, que você pode negociar assim: ao invés de crescer, por exemplo, 10%, vai crescer 8%. Eles estão vinculados ainda a uma ideia de que é necessário crescer com suas emissões. Isso não é interessante nem para o mundo, nem para os países que propõem utilizar essa metodologia, porque o interesse de países que precisam de desenvolvimento deveria ser aquele de ganhar competitividade futura em relação aos países desenvolvidos, e não aquele pensamento de ir atrás dos países desenvolvidos. E a ideia de defender mudanças sobre a projeção de curva está vinculada ao conceito de ir atrás. Dessa maneira, nossas tecnologias estarão mais atrasadas, nossos produtos terão mais dificuldades de entrar em outros mercados, nossa renovação do parque industrial demorará mais, vamos utilizar mais sucata de outros países do que avançar com as tecnologias de ponta. Em suma, repete padrões já vistos no passado que condenam esses países a ter uma dependência tecnológica dos outros. Enquanto uma abordagem que dissesse “nós vamos na frente, vamos planejar nosso desenvolvimento a partir de uma economia de baixo carbono” faria com que lançássemos um desafio aos países desenvolvidos, pois, em dez anos, eles teria um competidor mais avançado. Especialmente o governo brasileiro não me parece pronto para trabalhar com essa perspectiva.
IHU On-Line – Que papel o Brasil tem nas negociações internacionais de clima?
Roberto Smeraldi – O Brasil tem tido uma postura defensiva de tentar adiar compromissos, achando que ganhando tempo vai poder vender mais caro aquilo que planeja fazer. Essa tem sido basicamente a estratégia brasileira de negociação climática até agora.
IHU On-Line – A renda das pessoas que vivem nos países emergentes, como o Brasil, nos últimos anos, aumentou. O desejo da maioria dessas pessoas é consumir, adquirir aquilo que antes não podiam. Como falar em revolução ambiental com essas pessoas?
Roberto Smeraldi – Simplesmente oferecendo um padrão de consumo novo que não repita aquele do passado. Aliás, seria oferecida mais oportunidade de consumo ainda se renovássemos o nosso parque tecnológico e industrial e introduzíssemos equipamentos supereficientes. Assim, obrigaria a todos a consumir mais para substituir os antigos. Do ponto de vista da demanda por consumo, você a atende muito melhor mudando o padrão para um mais avançado do que mantendo o padrão antigo.
IHU On-Line – Para ser ideal, o que esse acordo global precisa ter?
Roberto Smeraldi – Primeiro, eu acho que não vai ter um acordo global em Copenhague. Agora, para ter um acordo que atenda às necessidades do planeta, ele deveria focar o máximo de 2 graus de aquecimento ao longo do século, o que já é muito na média. Isso é praticamente inevitável à luz daquilo que já emitimos. Esse aquecimento de 2 graus é inevitável. Para isso, deveríamos ter um teto de emissões globais que esteja basicamente em 35% inferior ao atual em 2020, e 80% inferior ao atual em 2050. O acordo deveria estabelecer um teto de emissões, mas não para um país, mas para um planeta como um todo. E depois, dentro desse teto, é possível negociar uma alocação de emissões por país. Essa é a única maneira de termos um acordo climático que efetivamente limite os danos para a economia e para a sociedade planetária.
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"Copenhage não vai representar muita coisa". Entrevista especial com Roberto Smeraldi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU