A crise sistêmica do sistema capitalista. Entrevista especial com François Sabado

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17 Junho 2009

Em sua passagem pelo Brasil, François Sabado, principal dirigente do Novo Partido Anticapitalista (NPA), da França, conversou com a IHU On-Line, por telefone, sobre a crise financeira mundial, as consequências para a Europa e também sobre as propostas do partido que ajudou a construir em seu país. Ele participou, na terça à noite, de um debate em Curitiba junto com nossos parceiros do Cepat. Muito receptivo, François, que também é filósofo e militante da IV Internacional, disse que a crise que vivemos hoje é estrutural e não apenas financeira. Em decorrência da atual crise, ele diz que a situação em toda a Europa é bastante preocupante. Neste cenário, então, surge o Novo Partido Anticapitalista, “uma convergência política de várias correntes”, define.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que influências a crise financeira mundial teve na crise da civilização capitalista?

François Sabado – A crise que temos hoje é estrutural, sistêmica. Não é somente financeira ou bancária,

Tsunami: uma das grandes catástrofes do mundo

mas sim a combinação de uma crise do sistema capitalista com a crise ecológica. O primeiro ponto importante é compreender o seu porte dimensional. O segundo ponto é que se trata de uma crise vinda dos Estados Unidos e da Europa. O terceiro é que precisamos compreender que ela não é resultado apenas do exagero do sistema financeiro, a partir do jogo das bolsas ou corrupção, mas vem também de uma lógica interna do sistema capitalista que quer lucrar ainda mais, o que implica numa situação onde se reduz o salário para aumentar os lucros.

Por outro lado, como há esta situação de limitação de capacidade de produção, o capital não inverte a produção do sistema financeiro, o que provoca uma crise de superacumulação de capital. Essa é a situação em nível econômico. A combinação com a crise ambiental é o dado novo nesta crise. Há vários

Vítimas do furacão Katrina, nos EUA

anos, estamos chegando a uma série de limites com os problemas de mudanças climáticas, de poluição, de limitação de água etc. E tudo isso pode se transformar em reais catástrofes humanas, como o que ocorreu em Nova Orleans, nos Estados Unidos, com o Katrina. Podemos perceber isso em vários lugares do planeta que conhecem catástrofes assim. Por isso, a crise ecológica é também tão importante e não se pode responder a ela com o capitalismo. Podem ser feitas reformas, melhoras, mas o capitalismo implica em produzir cada vez mais, e, se há produtivismo, não é possível solucionar os problemas do planeta. Por isso, este novo partido que se apresenta na França é, ao mesmo tempo, anticapitalista e antiprodutivista.

IHU On-Line – De que maneira essa crise financeira muda a situação política internacional?

François Sabado – Isso é um importante ponto para se fazer uma análise global. No entanto, se pode dizer uma coisa desde já: todas as políticas neoliberais levaram à catástrofe econômica. Mesmo do ponto de vista capitalista, há uma crise do tipo que aconteceu em 1929 e há um final de ciclo dessas políticas. Isso produz uma situação de crise do capitalismo da classe dominante, mas não quer dizer que as classes dominantes estão encontrando uma saída para a crise. As classes dominantes não estão reconstruindo um novo Estado de Bem-Estar social, pois continuam as políticas neoliberais, a supressão do serviço público, a supressão dos funcionários, os ataques contra os trabalhadores, a desregulação jurídica sobre o trabalho. Estamos numa crise e prosseguem as políticas capitalistas, o que implica confrontação social com os trabalhadores e movimentos de assalariados, pois as classes dominantes querem que os trabalhadores paguem o preço dessa crise. Isso, portanto, pode provocar um novo ciclo de lutas sociais.

IHU On-Line – Quais as principais dificuldades que a Europa vive diante dessa conjunção de crises?

François Sabado – Por exemplo, na França a situação é muito preocupante. Hoje, há mais de quatro milhões de pessoas desempregadas numa população ativa de 25 milhões. Mais de 20% da população ativa está parada. Há baixa de produção industrial, de taxa de crescimento. Em toda a Europa há taxas de crescimento negativas. Essa situação é bastante difícil porque há muitos desempregados que são despedidos das fábricas, muitos salários foram bloqueados, há políticas de deflação salarial em alguns países. A situação é preocupante porque as pessoas tiveram de passar por mudanças muito radicais.

IHU On-Line – Diante dessa crise da civilização capitalista, qual o papel da esquerda no mundo hoje?

François Sabado – Os problemas estão voltados para a organização da esquerda. Há uma esquerda, a do século XX, que foi remodelada e dominada pelo stalinismo e pela social-democracia, e que continua com a conversão da social democracia em social liberalismo que hoje domina a esquerda. A esquerda não apresenta alternativas à crise e se adapta ao liberalismo. Creio que hoje é necessário construir uma nova esquerda, radicalmente anticapitalista, que proponha uma nova redistribuição radical da riqueza, mas também uma mudança de propriedade da sociedade da economia, terminando com a propriedade privada dos grandes meio de produção e substituindo a propriedade privada pela propriedade pública. Além disso, a esquerda precisa propor um novo modo de produção e de consumo que responde à crise ecológica. É isso que implica uma nova esquerda, mas, para que ocorra essa mudança, é preciso um longo prazo e duração, o que não pode ser feito em meses ou anos. Estou convencido de que a reconstrução da esquerda anticapitalista irá acontecer.

IHU On-Line – O que propõe o Novo Partido Anticapitalista?

François Sabado – O Novo Partido Anticapitalista na França é uma nova forma de organização a partir da

Manifestação na França

convergência da experiência de lutas de diferentes pessoas que vêm das fábricas, da juventude, do subúrbio. Não se pode compreender esse Novo Partido Anticapitalista sem compreender a luta de classes que há na França. Na França, há uma característica diferente de outros países da Europa, pois este é um país de revoluções. Nele, ocorreu a Revolução Burguesa no século XVIII e há, desde então, uma onda regular de lutas, de crises, de situação pré-revolucionária. Também existe um nível de lutas de classes muito importante.

O Novo Partido Anticapitalista é uma resposta a essa situação histórica particular, tentando converter lutas de vários setores, desde o velho movimento até os novos movimentos sociais, como o movimento feminista, ecologista, juvenil. Por outro lado, também queremos fazer uma convergência política de várias correntes: revolucionária, sindicalista, associação, do partido comunista, do partido socialista. E, com isso, fazer uma nova síntese política. Isso é muito difícil, mas vale o esforço. Eu venho do movimento trotskista e estou convencido de que há pontos positivos desse novo partido. O Novo Partido Anticapitalista será exatamente isso: uma convergência política de várias correntes, o que me parece muito importante. Será um partido democrático, com debate interno, com possibilidades de confrontação, identificação social e política com o povo. Uma de suas razões é não fazer políticas como profissionais, mas para os trabalhadores, uma política autêntica, com a qual as pessoas possam se identificar.

 

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