25 Mai 2009
Ao analisar a situação do povo indígena do Mato Grosso do Sul (MS), o coordenador do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), Cléber Buzatto, relata que os problemas estão cada vez maiores e mais difíceis de serem enfrentados. Prova disso é o aumento de suicídios em áreas indígenas no estado. “O processo de colonização, por ter sido desrespeitoso, criou bolsões humanos e colocou um grande número de pessoas num pequeno espaço de terra, onde não há a mínima condição de viverem a partir do seu próprio jeito de ser”, afirmou ele. Buzatto refletiu sobre a delicada situação em que vivem os povos indígenas do MS e como as condicionantes criadas a partir do problema vivido em Raposa Serra do Sol influenciam no processo de identificação e demarcação de terras no estado. “A decisão do Supremo também trouxe no seu bojo algumas questões bastante preocupantes. Uma delas diz respeito ao cerceamento de direito à autonomia e ocupação dos povos sobre os territórios já demarcados. Algumas condicionantes limitam o controle dos povos sobre as terras que lhes são de direito”, contou. A entrevista foi concedida por telefone.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O maior problema que os índios enfrentam hoje está concentrado no Mato Grosso do Sul? Como o senhor define esse conflito existente no estado?
Cléber Buzatto – Sim. A situação é delicada, porque existe, por parte dos povos indígenas, uma luta há vários anos para a reconquista das terras que eles perderam na época da colonização, o que foi extremamente desastroso, pois não respeitou sua presença ancestral. Eles foram, praticamente, alijados de seus territórios. Nesse processo de luta de reconquista por esses espaços e garantia necessários e suficientes para sua sobrevivência física e cultural, eles vêm, juntamente com seus aliados, enfrentando uma série de obstáculos, inclusive novas formas de violência – violência moral e física.
IHU On-Line – Uma solução como a que foi dada para o conflito em Raposa Serra do Sol é possível para resolver a questão no MS?
Cléber Buzatto – A solução de Raposa tem alguns componentes que julgamos bastante positivos. Um deles é o fato de que a terra foi demarcada de forma contínua. Portanto, há o entendimento de que assim devem ser demarcadas as terras indígenas, e não em ilhas. Outro aspecto importante de se destacar é que foi comprovado e definido que não há incompatibilidade entre demarcação de terras indígenas em áreas de fronteiras. O STF disse que as terras indígenas não causam nenhum perigo à soberania nacional, como alguns vinham propalando em âmbito nacional, e também que elas não conflitam com áreas de preservação ambiental. Isso porque os povos indígenas comprovadamente defendem, culturalmente, o meio ambiente.
Por outro lado, a decisão do Supremo também trouxe no seu bojo algumas questões bastante preocupantes. Uma delas diz respeito ao cerceamento de direito à autonomia e ocupação dos povos sobre os territórios já demarcados. Algumas condicionantes limitam o controle dos povos sobre as terras que lhes são de direito. A condicionante 17 é bastante prejudicial aos povos indígenas, pois ela proíbe a revisão de terras já regularizadas, o que, na verdade, precisa ser revisado caso a caso, pois muitos casos foram feitos à margem da legislação atual.
No caso do MS, existem já grupos de trabalhos constituídos que estão fazendo identificação e delimitação de 36 terras indígenas no estado, e ainda devem continuar atuando. Temos notícias de que eles estão sendo proibidos de entrar em áreas de fazendas onde se localizam as terras tradicionais Guarani. Se esses grupos continuarem sendo proibidos de ingressar nessas áreas, o governo federal, por meio da Funai, deve providenciar aparato policial suficiente para possibilitar que eles façam seu trabalho da melhor maneira possível, a fim de encontrar os elementos existentes que provam a tradicionalidade e reconheçam o direito dos povos indígenas no MS. É um caminho delicado, conflituoso, mas precisa ser enfrentado.
IHU On-Line – Quais as consequências que esse documento deixa para outras comunidades indígenas do país?
Cléber Buzatto – A condicionante 17 cria uma nova barreira, dentre outras existentes. Ela é bastante preocupante, pois foi feita pelo STF. No entanto, além dela, existem outras que precisamos encarar, pois essas condições buscam limitar, historicamente, o direito dos povos indígenas às terras. Colocamos essa questão dentro de um processo constante de disputa de interesses. O que se observa com essa condicionante é que foi criada uma limitação a mais para ser superada na luta que os índios desempenham durante todo esse tempo.
IHU On-Line – A pressão vivida pelos índios do MS é o principal motivo do número de suicídios nessa região? Quem são os índios que têm tirado a sua própria vida?
Cléber Buzatto – Sim. Ali, você observa que o processo de colonização, por ter sido desrespeitoso, criou bolsões humanos, e colocou um grande número de pessoas num pequeno espaço de terra, onde não há a mínima condição de viverem a partir do seu próprio jeito de ser. Isso cria uma pressão interna, psicológica, física, uma situação preocupante e, em muitos casos, desesperadora, o que influencia nessas buscas para deixar de sofrer.
IHU On-Line – Está em discussão um novo texto para o Estatuto dos Povos Indígenas. Como ele deve se constituir?
Cléber Buzatto – Em sua grande maioria, são jovens que não conseguem vislumbrar um futuro para si e para sua família na sua comunidade e, então, acabam apelando para essa solução fatídica. Eles não têm a menor condição de viver segundo seus costumes. No MS, seus ambientes não são saudáveis.
IHU On-Line – Dois projetos de lei que tratam de revisão de demarcação de terras foram apresentados Esses projetos podem ser aprovados? Que consequências devem ter?
Cléber Buzatto – O processo de criação do novo estatuto vem se arrastando há muitos anos. Logo depois da promulgação da Constituição, foram apresentados algumas propostas e projetos de lei para serem debatidos. Esses projetos foram reunidos num substitutivo em 1994 e aprovados por uma comissão especial constituída na Câmara para tratar especialmente esse tema. Ela iria à votação no Plenário. Mas, desde este ano, esse requerimento está na mesa, embora ainda não tenha sido apreciado e, portanto, não ter ido para o Plenário nem a outro lugar. No ano passado, o governo federal tomou uma iniciativa, que é bastante temerosa para os povos indígenas, ou seja, apresentou um projeto de lei para tratar especificamente da exploração de minérios em terras indígenas. Houve reação das entidades indigenistas, porque tudo o que envolve os povos indígenas deve ser discutido dentro do Estatuto dos Povos indígenas. Em função disso, o CIMI propôs a realização de debates em âmbito nacional para colocar na pauta a questão do estatuto, fazendo enfrentamento a essa iniciativa de tramitação de temas de forma isolada.
Foram realizadas, ao longo de 2008, dez oficinas em todas as regiões do país. Em 2009, o material desses cursos foi reunido e se formulou uma proposta a partir das questões tratadas, apresentada no acampamento Terra Livre, realizado agora em maio e que reuniu mais de mil lideranças indígenas do país. Em junho, haverá uma reunião extraordinária da Comissão Nacional de Política Indigenista, que analisará a proposta e, possivelmente, encaminhará a mesma para a Câmara dos Deputados. Tem sido um processo lendo, demorado, mas, com essa iniciativa, as lideranças indígenas puderam participar mais e esperamos que os deputados acolham essa proposta.
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Povos indígenas: as condicionantes do STF e a luta pela terra. Entrevista especial com Cléber Buzatto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU