04 Março 2009
A esquerda, politicamente falando, nasceu no Brasil a partir de questões como o humanismo, a solidariedade, a igualdade, a socialização das riquezas, a ética política e o clamor das camadas mais necessitadas da sociedade. Essa esquerda que muito barulho fez no país hoje está mais quieta, dizem alguns estudiosos. Muito se questiona o que é ser esquerda, atualmente. A crise financeira levantou ainda mais esse debate sobre a atuação dos movimentos de esquerda no país. No alvo da discussão sobre a esquerda e a crise financeira estão as centrais sindicais. Essas, para o professor Plínio de Arruda Sampaio, “estão muito fragilizadas e adotaram uma tática suicida”.
Em entrevista, concedida por telefone, à IHU On-Line, Sampaio observa a atuação das centrais sindicais durante o governo Lula e, principalmente, durante a crise financeira mundial. O economista é pessimista em relação às consequências deste problema financeiro que tem gerado uma elevação substancial nas taxas de desemprego em todo o mundo. “A necessidade, o sofrimento, a luta amadurecem muito, de modo que eu tenho esperança de que possam amadurecer. Mas, infelizmente, essa pneumonia sem febre que o Lula conseguiu fazer aqui, em que as coisas vão mal, mas não aparentam, quebrou a pugnacidade das organizações populares”, relata.
Plínio de Arruda Sampaio é graduado em Direito, pela Universidade de São Paulo. Participou da Ação Popular, organização católica com orientação de esquerda. Foi relator do projeto de Reforma Agrária, que integrava as Reformas de Base do governo João Goulart. Criou a Comissão Especial de Reforma Agrária e propôs um modelo de reforma que indignou os grandes latifundiários do Brasil. Obteve o título de mestre em Economia Agrícola, nos Estados Unidos, onde se exilou durante a ditadura. Ao retornar ao Brasil, se engajou na campanha pela abertura do regime militar e pela anistia dos condenados políticos. Filiou-se ao PT em 1980, onde foi autor do estatuto do partido. Em 2005, desligou-se do PT e aderiu ao PSOL.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Alguns sindicatos dizem que as empresas estão usando a crise para reduzir seu quadro de funcionários drasticamente, sem diminuir a produção. Diante de tantas notícias sobre a crise, como o senhor vê as consequências dela aqui no Brasil?
Plínio de Arruda Sampaio – Primeiramente, é possível que muitas empresas estejam mesmo fazendo isso. O grande problema é que elas não querem reduzir, em hipótese alguma, a sua margem de lucro. Para manter os empregados numa circunstância em que não está vendendo tanto, antes de chegar ao déficit, há uma enorme margem de lucro que pode ser reduzida. Pessoas que aplicaram nessa empresa e têm ações precisarão reduzir um pouco os seus dividendos. E elas têm muito mais capacidade de redução orçamentária do que um operário. Esse, quando fica desempregado, em pouco tempo não tem o que comer. Então, era o mínimo de solidariedade social que as empresas reduzissem fortemente os seus lucros por um tempo e operar com pouco mais de zero. Mas elas não estão querendo fazer isso. O próprio Lula já denunciou essa situação. Eu acho o seguinte: o desemprego irá aumentar ainda mais e a situação irá ficar ainda pior. Por isso, era preciso que viesse uma legislação para que essa situação não fique na mão da vontade de algumas pessoas.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a forma como as centrais sindicais estão lidando com a crise?
Plínio de Arruda Sampaio – As centrais sindicais estão muito fragilizadas. Elas adotaram uma tática, a meu ver, suicida. Ao invés de assumir uma posição firme hoje e mobilizar a classe para enfrentar com uma greve ou um grande movimento de massa essa dificuldade (o que pode dar certo ou errado), as centrais sindicais estão aceitando reduzir direitos já conquistados para manter o emprego por mais um tempo, uns seis meses talvez. O que dá no mesmo, pois daqui a seis meses estarão todos desempregado, o que ocorreria da mesma forma caso uma greve desse errado. Entre uma tática e outra, por que não seguir a primeira, que, pelo menos, tem uma chance de dar certo, de força o governo, de pressionar a sociedade para encontrar uma solução? Este sacrifício precisa ser socializado por todos, não só pela classe operária.
IHU On-Line – E como fica, em sua opinião, a relação das centrais sindicais com o governo diante dessa crise?
Plínio de Arruda Sampaio – Esse é outro drama. As centrais sindicais têm uma histórica relação com o Lula. Este conflito é entre o capital e o trabalho, mas na verdade esse embate não é suficiente, pois há um terceiro elemento aí que se chama Poder Público, governo. Nesse caso, as centrais teriam de pressionar não apenas os capitalistas, que são donos das empresas, mas também o governo, para que ele tome medidas de natureza geral. Isso, de certa maneira, é uma meia oposição ao Lula, mas as centrais têm tido uma enorme dificuldade para fazer isso por causa da histórica ligação e porque a popularidade do presidente está lá em cima. Tudo isso é muito perigoso e terá consequências sérias no momento em que a crise “bater mesmo”, por que isso ainda não aconteceu.
IHU On-Line – Quando e como o senhor acha que ela vai “bater”?
Plínio de Arruda Sampaio – Olha, a crise de 1929, que é a única parecida com essa, embora não seja possível copiá-la como um todo, porque aconteceu há muito tempo, só foi bater mesmo na economia estadunidense no final de 1932 e início de 1933. Ela não estoura de uma vez, ela vai pegando um, pegando outro... No final deste ano e início do próximo ela estará terrível.
IHU On-Line – Como forças da esquerda, o que as centrais sindicais devem fazer nesse momento?
Plínio de Arruda Sampaio – Eu penso que deveria ser feito um programa único comum de todas as forças de esquerda: movimentos sociais, sindicatos, partidos, intelectuais etc., exigindo um programa mínimo em defesa da economia popular. Esse programa suporia uma série de estatizações, limites, modificações na nossa política externa e na nossa política econômica.
IHU On-Line - A crise pode gerar um amadurecimento dos movimentos sociais?
Plínio de Arruda Sampaio – A necessidade, o sofrimento e a luta amadurecem muito, de modo que eu tenho esperança de que possam amadurecer. Mas, infelizmente, essa pneumonia sem febre que o Lula conseguiu fazer aqui, em que as coisas vão mal, mas não aparentam, quebrou a pugnacidade das organizações populares. Elas estão todas com programas recuados e propostas defensivas, de modo que ainda não sabemos se vai amadurecer com a crise.
IHU On-Line – E como o senhor vê o governo Lula diante da crise?
Plínio de Arruda Sampaio – Eu acho que o Lula está “mais perdido do que cego em tiroteio”. Está perdido como todos estão perdidos. O Obama está perdido, o Sarkozy está perdido, ninguém tem muita ideia do tamanho dessa crise e da forma como ela vem. Sabe-se que é uma bruta crise e que não vai passar “loguinho”. Lula está na base do Mem de Sá, fazendo o que pode.
IHU On-Line – Há diferenças entre a atuação das centrais sindicais antes e depois do governo Lula?
Plínio de Arruda Sampaio – É verdade, elas mudaram. O fato básico é a crise. Agora, depois que o Lula assumiu e continua na linha do Fernando Henrique, o único caminho era romper com Lula, mas nenhuma das centrais sindicais teve coragem de fazer isso.
IHU On-Line – Por que elas não tiveram coragem?
Plínio de Arruda Sampaio – Por um lado, é por causa dos laços afetivos e por outro a base das centrais é lulista até o fim. É por isso que não querem romper com a base, mas tem horas que é preciso questionar: Por que você é liderança? Por que você é vanguarda? Faltou coragem de não ser entendido, num primeiro momento, pela própria base, mas uma atitude como essas certamente seria entendida num segundo momento.
IHU On-Line – Que consequências sociais podemos prever a partir dessa crise?
Plínio de Arruda Sampaio – Nós temos de fazer um esforço para imaginar que a situação pode se agravar ainda mais. É assalto e morte para todos os lados, turista degolado, de modo que é difícil imaginar uma situação ainda pior. Mas a primeira consequência é o momento evidente da violência.
IHU On-Line – Essa crise pode significar o fim do capitalismo? E o começo de quê?
Plínio de Arruda Sampaio – Não. É até difícil dizer, porque o capitalismo já passou por muitos problemas, mas conseguiu se reinventar. Eu não acredito que essa será a última crise que o capitalismo irá viver. Mas essa crise, com certeza, fará uma ferida muito grande no capitalismo.
Essa crise poderia ser solucionada se houvesse uma revolução social e política aqui, porque fecharíamos o país e, com os recursos que temos, poderíamos organizar uma economia bastante razoável para prover o básico para toda a população do país. Mas isso representaria uma mudança muito grande para as classes que hoje têm uma vida muito confortável e consomem desbragadamente. Porém, eu não vejo muitas condições para essa revolução; não vejo isso na consciência do povo. Agora, crise é crise. Sabemos como ela começa, mas não como pode se desenvolver e muito menos como vai terminar. Exemplos disso: começamos uma guerra na Europa em 1914 e resultou no socialismo. Começamos uma “crisezinha” nos Estados Unidos e resultou numa outra guerra. Nunca sabemos onde uma crise vai dar, mas, pela ordem das coisas, o capitalismo não terminará agora.
IHU On-Line – O Brasil tem chances de lidar com essa crise de forma que conquiste soberania nacional em relação à economia? Que forma seria essa?
Plínio de Arruda Sampaio – Pelo contrário, com a crise o Brasil vai perder o que tem de soberania. A menos que o povo venha para rua, coloque alguém como Chávez no poder e mude tudo isso. Salvo esta hipótese, a soberaniazinha que se tem será perdida. Mas eu não vejo ninguém aqui no Brasil com cara de Chávez. O panorama atual não é fácil, não é de curto prazo e se as esquerdas quiserem ter uma influência precisam organizar uma volta a longo prazo. O que elas podem fazer a curto prazo é se tornarem uma referência da luta popular pela sua intransigência na defesa dos interesses do povo.
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Lula e a crise. "Mais perdido do que cego em tiroteio". Entrevista especial com Plínio de Arruda Sampaio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU