27 Fevereiro 2009
A crise financeira já atingiu o Brasil e o emprego de muitos brasileiros. O ritmo das demissões, férias coletivas, redução da jornada de trabalho e outras atividades que influenciam o trabalhador se intensificaram desde o ano passado, quando a crise se agravou. A IHU On-Line entrevistou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, Lírio Rosa, e o Secretário Geral da Federação Gaúcha dos Metalúrgicos, Jairo Carneiro. Como trabalhadores, os dois se mostram preocupados com as discussões que a crise vem demandando, como o debate acerca da legislação trabalhista. A grande questão discutida foi os empréstimos que o governo tem concedido às empresas privadas sem condicioná-las a não demitir os trabalhadores.
Lírio diz que “o governo tem que tomar uma atitude para redução de juros e os bancos públicos precisam cumprir um papel importante no que diz respeito à retomada do crescimento, mas com alguns critérios”. Para Jairo, “as demissões não são necessárias”, ou seja, “a crise surgiu como uma desculpa para que algumas empresas assim o fizessem”. As duas entrevistas foram realizadas por telefone.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a crise das montadoras, como a GM, afeta o Rio Grande do Sul?
Lírio Rosa – Esta crise não atinge apenas um setor, mas sim todos os setores da economia. Ela começou no setor imobiliário estadunidense e chegou também aqui nas montadoras. Foi crescendo numa reação em cadeia a ponto de atingir todo o sistema financeiro. Vejo essa crise com muita preocupação, porque muitas empresas, sabemos, ao invés de investirem na produção, acabam investindo no capital especulativo. Então, é óbvio que isso leva a uma retração do crédito, aumento dos juros por parte dos bancos e, por fim, atinge toda a economia.
Jairo Carneiro – A visão que temos da crise é que, inicialmente, ela é uma crise de confiança. Em cima disso, temos uma grande sacada dos empresários que aproveitaram esse momento para fazer mudanças internas, como demissões, que, para nós, são apenas ajustes e gestões internas, pois a crise é só a explicação razoável que encontraram. Essa é a visão que nós temos, ou seja, que é um grande momento de ajuste da economia, para que os empresários diminuam o número de empregados, mas aumentem a produtividade. Como a bolsa já não está dando o dinheiro que precisa dar, em função da crise, os empresários pretendem tirar essa lucratividade a partir do trabalhador, ou seja, fazendo ajustes na área do emprego, que eles entendem como custo.
IHU On-Line – Na condição de trabalhador desse setor, como o senhor vê a crise?
Lírio Rosa – Na condição de trabalhador, vejo a crise com muita preocupação, pois já estamos sentindo alguns impactos nas empresas, principalmente aquelas ligadas aos setores automotivo e do aço. Nós vemos com apreensão e estamos aguardando uma melhora, uma vez que há indicativos de que a crise irá diminuir nos próximos meses. A redução de empregos e salários é o mais preocupante nesse momento. Jairo Carneiro – Há uma crise? Há. Tanto que ela diminuiu as demandas, mas você pode notar que as empresas de automóveis raramente estão demitindo. Elas estão fazendo redução do horário de trabalho, dando férias, suspendendo temporariamente o contrato de trabalho. A Renault, em Curitiba, fez isso, mas em menos de um mês chamou mais da metade desses trabalhadores que suspendeu porque a atividade econômica voltou em função da redução do IPI. Ou seja, há dinheiro e compradores, mas, ao mesmo tempo, desconfiança. Essa é a questão no momento. As demissões não são necessárias: a crise surgiu como uma desculpa para que algumas empresas assim o fizessem.
IHU On-Line – Como os sindicalistas veem as condicionalidades dos empréstimos do governo?
Lírio Rosa – Creio que é preciso diminuir os juros para facilitar o crédito. Estamos numa cruzada nacional para lutar por isso, uma vez que os bancos foram os que mais lucraram. O governo precisa tomar uma atitude para a redução de juros, e os bancos públicos precisam cumprir um papel importante no que diz respeito à retomada do crescimento. Isso deve ser feito, no entanto, com alguns critérios, como, por exemplo, não liberar dinheiro para empresas sem condições como a geração de emprego. Os bancos públicos, com isso, certamente ajudarão a alavancar a economia, mas as contrapartidas são fundamentais.
Jairo Carneiro – O governo está dando crédito sem fazem qualquer tipo de exigências, ou seja, o que estão fazendo nos Estados Unidos e no Brasil é a mesma coisa: empresta-se dinheiro sem condições. Então, não é possível o presidente Lula lamentar as demissões, se não fizer contrapartidas ao emprestar dinheiro às empresas. Eu não sei se isso é ou não inconstitucional, mas o fato é que se faz o empréstimo sem nenhum tipo de contrapartida. A empresa usa, inclusive, o dinheiro que pega do governo para demitir trabalhadores. Então, este é o grande problema.
IHU On-Line – Como o senhor percebe a proposta de Renda Universal Mínima do senador Suplicy?
Jairo Carneiro – Eu estive há poucos dias na Espanha, onde percebi que estava acontecendo uma discussão muito parecida com essa. Lá, qualquer cidadão tem direito a 500 euros por mês, mesmo que não tenha trabalho. É uma renda mínima. Esse é um direito relacionado à saúde, pois o Estado tem responsabilidade sobre o fato de seu cidadão comer ou não comer, por exemplo. Então, para nós, a Renda Mínima é uma possibilidade interessante. Mas eu não sei se no Brasil, nas condições atuais, com a voracidade que tem o capital, é possível um projeto como esse ser efetivado. O próprio Bolsa Família, que é um projeto interessante, já tem diversos problemas, adversários etc. Eu desconfio que haja poucas possibilidades de o projeto do senador Suplicy avançar nesse momento no Brasil.
IHU On-Line – Em relação às empresas privadas que receberam dinheiro do governo federal, mas mesmo assim estão demitindo e usando a crise como justificativa, qual a sua opinião?
Lírio Rosa – O BNDES, a partir do momento em que libera dinheiro para as empresas saírem de uma situação de crise, deveria usar como contrapartida a manutenção dos postos de trabalho. Essa é a minha opinião e também das centrais sindicais e dos trabalhadores. Qualquer recurso público destinado às empresas precisa estar, fundamentalmente, ligado à geração de empregos. Isso é um aspecto que tem nos deixado muito apreensivos.
Jairo Carneiro – É lamentável que um governo como o Lula, que sai das nossas organizações, não tenha discutido essa questão. Toda vez que o governo corre para ajudar empresas automotivas e outras não coloca qualquer tipo de exigência, apenas lamenta que essas empresas estão demitindo. Lamentar não leva a nada; é preciso garantir que as empresas não irão demitir. Obama sugeriu que as empresas deveriam reduzir pela metade o salário dos executivos como forma de demonstrar que estão levando a sério esta crise. Aqui não tem nada disso. As empresas recebem recursos da forma que for, mas sem nenhuma exigência para garantir o emprego do trabalhador, o que é um problema muito sério.
IHU On-Line – O Estado, para você, deve ou não apresentar condições para demissões em relação a essas empresas?
Lírio Rosa – Acredito que o governo precisa, mais do que nunca, impor condições para garantir empregos, integralidade dos salários. Inclusive, o Ministro do Trabalho já sinalizou esta intenção. Então, cabe à sociedade, aos trabalhadores e aos sindicatos unir-se ao Ministro nessa tese para que as empresas tenham o mínimo de comprometimento com os trabalhadores que são os que geram a riqueza, mas que, num momento de crise, são sempre os mais atingidos por fazerem parte de um setor mais fragilizado. Nós queremos uma discussão mais qualificada para essa situação de crise, pois os empresários sempre aparecem com o mesmo tema, ou seja, redução dos direitos, do salário, demissões. Queremos que a nossa condição de trabalhadores seja reconhecida, considerada importante e respeitada. Não podemos pagar a conta de uma crise que não fomos nós, trabalhadores, que geramos.
Jairo Carneiro – Se o governo se expõe e coloca recursos numa empresa privada sem condições e esta demite os trabalhadores, a situação vira uma piada. O governo pega dinheiro público do Fundo de Amparo ao Trabalhador, empresta para empresas privadas e não faz nenhum tipo de exigência para proteger os trabalhadores. É uma coisa que chega a dar uma agonia, pois isso acontece num governo popular, que demonstra se esforçar tanto para criar empregos, fez o PAC e uma série de outras coisas, mas no momento de ajudar empresas esquece o trabalhador. Num país como o nosso, isso é inaceitável.
IHU On-Line – Que previsões vocês fazem para esse primeiro trimestre de 2009?
Lírio Rosa – Não fazemos previsão, porque ainda estamos tentando compreender o “tamanho da coisa”. Nem os próprios especialistas conseguem prever precisamente o que vai acontecer com a crise. Existem expectativas diante dos números apresentados pelo setor automobilísticos que está retomando os níveis de produção, por exemplo. Não temos ainda nenhuma previsão para o futuro. Alguns acham que essa é uma crise momentânea, passageira, mas há quem acredite que ela irá durar ainda mais alguns anos. Então, é difícil fazer projeções sobre o futuro da crise.
Jairo Carneiro – Até um economista tem dificuldades de fazer isso. A crise vai até quando? Ninguém sabe. Ela está em via de solução, mas o clima do pânico da segurança abre a “porteira” para se discutir tudo: redução da jornada de trabalho, demissões, mudanças na legislação trabalhista (o sonho dourado do patronado). A questão não é quando acaba a crise, mas sim o problema que esse clima gera, propício para as grandes empresas. Para muitos setores interessa esse tipo de crise. Sair da crise é uma questão de buscar as leis, os nossos direitos.
IHU On-Line – A crise, para os sindicalistas, pode servir como oportunidade, de alguma forma, para o setor?
Lírio Rosa – Para nós, a crise levanta alguns aspectos importantes do ponto de vista dos sindicatos. Que este é um importante processo, por exemplo, para que possamos qualificar nossos debates, como a questão macroeconômica, a questão do setor imobiliário etc. Essa é uma situação diferenciada que estamos enfrentando, até porque boa parte dos sindicalistas não acompanhou ainda alguma crise similar a esta e isto tem sido um desafio.
Jairo Carneiro – Ela sempre é uma oportunidade, porque faz com que o movimento sindical passe a ter uma visão mais global. Muitas vezes, o movimento sindical se contenta a discutir, ano após ano, se vamos ganhar mais 5%, 3%, 2% e não discute a questão central, ou seja, como é o trabalho no Brasil? Essa é a questão. Precisamos fazer o trabalhador se dar conta da legalidade, compreender como se financia a produção, como o governo cobra impostos e garante que o trabalhador tenha renda. Essa tensão é um momento importante para os sindicatos desenvolverem um movimento de capacitação para que o trabalhador compreenda o que está acontecendo. Não é um momento bom, porque demissão não é algo bom, mas, se o sindicato for ativo e compreender que o capitalismo vive na tentativa de ganhar lucros em cima dos trabalhadores, a crise pode ser superada de forma mais efetiva.
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Os sindicatos e a crise. Entrevista especial com Lírio Rosa e Jairo Carneiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU