29 Julho 2008
Para a pesquisadora autônoma na área de energia Telma Monteiro, os projetos de construção de hidrelétricas no Rio Madeira e em Belo Monte somam uma série de problemas não considerados pelo governo federal brasileiro. Em relação à matriz energética do país, ela diz que o Brasil está sendo ultrapassado, pois não vem aproveitando seus recursos para ser menos atingido pelas conseqüências do aquecimento global. “Nós estamos indo completamente na contramão da história. Ficamos em 42° no ranking de países que sofrerão os impactos das mudanças climáticas, entre 168 países. Não estamos prevenindo nada. Continuamos a desmatar a floresta Amazônica e a destruir nossos ecossistemas importantes e cruciais com usinas do porte dessas do Rio Madeira e Belo Monte”, afirmou ela na entrevista que segue, concedida à IHU On-Line por telefone.
Desde 2002, Telma Monteiro analisa os documentos relacionados aos projetos de construção de usinas hidrelétricas na Amazônia. Em seu blog, a pesquisadora publica seus estudos e notícias relacionadas sobre o assunto.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre o novo projeto apresentado pela Suez de construção da Usina de Jirau?
Telma Monteiro – A Suez está dizendo que fazer a hidrelétrica nove quilômetros rio abaixo irá trazer uma economia nas obras de um bilhão de reais e que os impactos serão menores. A questão que cabe aqui é a seguinte: se realmente existe uma alternativa para uma usina hidrelétrica do porte da usina de Jirau que custe mais barato, então é lógico que deveria haver também uma alternativa para Santo Antônio, e isto deveria ter sido colocado para a sociedade. Precisamos insistir na seguinte pergunta: por que Furnas e Odebrecht não deram uma opção mais barata para construir Santo Antônio? Então, nós temos um fato muito sério, pois estes projetos foram superdimensionados.
IHU On-Line – Para a senhora, quais são os maiores problemas que a construção dessa usina pode trazer para a região?
Telma Monteiro – Nós temos, por exemplo, a inundação de áreas que são sazonais. O rio é de planície e nas cheias ele inunda algumas áreas. Ao mesmo tempo, no período em que não há chuva, tais áreas ficam muito secas. Com essas hidrelétricas, nós teremos uma inundação perene das áreas que seriam inundadas apenas no período de cheias. Se você transpuser isso para a questão ambiental, acontecerá uma alteração em todo o ecossistema na área de influência desses reservatórios. Haverá muitos impactos na biota (conjunto dos seres animais e vegetais de uma região). Além disso, as comunidades ribeirinhas e as comunidades indígenas serão afetadas. O Rio Madeira já tem um problema sério de sedimentos e de dificuldades de navegação porque em determinadas épocas do ano ele fica tão assoreado que muitos navios e barcas que transportam grãos encalham. Se você imaginar que eles estão querendo fazer também uma hidrovia, conectando as duas hidrelétricas para transformar a parte navegável, teremos um problema grave de manutenção desse hidrovia por causa do assoreamento. Um dado muito mais sério, que não está sendo levantado, é o motivo de essas usinas estarem sendo construídas. Isso porque o Rio Madeira possui tanto sedimento que ainda não deram uma solução para o problema do ataque dos sedimentos nas turbinas bulbo. A ex-ministra Marina Silva tem falado muito a respeito da questão que o ministério do meio ambiente licenciou as usinas, forçando que as turbinas utilizadas fossem do tipo bulbo. Ela disse ainda que essas turbinas implicariam num menor impacto ambiental. Na realidade, não há comprovações em parte alguma do mundo, por parte de nenhum especialista, de que as turbinas bulbo diminuem os impactos ambientais.
IHU On-Line – Ao analisar a aprovação desse projeto por parte do governo, podemos considerar que o que está por trás dele é um interesse prioritariamente político ou econômico?
Telma Monteiro – É interesse político e das grandes empreiteiras, que precisam de grandes obras. Assim, temos dois projetos de hidrelétricas no Rio Madeira superdimensionadas nos estudos feitos pela Furnas e pela Odebrecht. A meu ver, essas empreiteiras estão gritando agora contra essa atitude da Suez justamente por causa disso. A Odebrecht tinha uma idéia de economia de escala ao fazer duas hidrelétricas. Então, existe um grande interesse financeiro de grandes empreiteiras ao projetar nessas obras grandes lucros. No entanto, o governo federal não está considerando isso.
IHU On-Line – Em relação à questão do projeto de Energia Sustentável no Brasil, como a senhora avalia a atuação da senadora Mariana Silva e que perspectivas tem na administração de Carlos Minc à frente do Ministério do Meio Ambiente?
Telma Monteiro – Nós temos uma perda muito grande com a saída da ministra, embora ela tenha deixado passar algumas coisas. Eu acredito que uma das grandes falhas de sua administração foi uma assessoria muito ruim: um exemplo disso é esse caso das turbinas bulbo. A perda foi que ela tinha força suficiente para segurar e insistir na qualidade das licenças ambientais. E a impressão que o Carlos Minc está dando, transmitida através da mídia, é a de que está trocando licenças ambientais por preservação de unidades de conservação, por exemplo. Sem contar essa agilização que ele está propondo na concessão das licenças, sem o mínimo critério. Até porque, nos Estados Unidos, uma licença ambiental é pensada com 20 anos de antecedência. Aqui é um toma lá, dá cá. Nós agilizamos, por exemplo, para 13 meses uma licença, o que é uma loucura. Precisamos de equipes multidisciplinares para analisar esse tipo de licença e não dois técnicos, como separou Minc, para analisar todos os estudos sobre o Rio Madeira, por exemplo, que contém estudos de fauna, flora, hidrologia... Como é que ele coloca dois técnicos para analisar um projeto desse porte? É uma insanidade. São propostas jogadas ao vento, politicamente.
IHU On-Line – Como a senhora avalia a matriz energética brasileira?
Telma Monteiro – Em primeiro lugar, nós estamos perdendo “o bonde” da história. Existem estudos internacionais que dizem que, com o problema do aquecimento global, os ventos vão diminuir ao longo dos anos. Então, estamos perdendo a oportunidade de aproveitar o que temos, que é a questão da geração de energia elétrica através da eólica. Mais uma vez estamos ficando para trás. Eu li que a Holanda está reativando os moinhos antigos para economizar energia e estão aproveitando o potencial eólico. E o que nós estamos fazendo? Hidrelétricas? Angra 3? Estamos indo completamente na contramão da história. Ficamos em 42° no ranking de países que sofrerão os impactos das mudanças climáticas, entre 168 países. Não estamos prevenindo nada. Continuamos a desmatar a floresta Amazônica e a destruir nossos ecossistemas importantes e cruciais com usinas do porte dessas do Rio Madeira e Belo Monte.
IHU On-Line – Os projetos que visam melhorar e aumentar a energia do Brasil estão sendo feitos, em sua opinião, para quem e para quê?
Telma Monteiro – A demanda de energia que nós temos volta àquela velha história: quem é que precisa da quantidade de energia que produzimos e importamos? Esses projetos estão sendo feitos para quem? Para as eletro-intensivas, ou seja, para aquelas empresas que vendem os nossos recursos naturais: água, ferro. A proposta de gerar energia hoje nessa quantidade é para as eletro-intensivas. Para quê? Para exportar nossos recursos naturais.
Para ler mais:
» Energia para quê e para quem? A matriz energética do Brasil em debate
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Matriz energética. O Brasil na contramão da história. Entrevista especial com Telma Monteiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU