24 Junho 2008
Um mal-estar se dá num âmbito que mal começou no Brasil: a TV Digital. Alguns pesquisadores já falam em crise nessa área, mas para o professor César Bolaño é muito difícil falar em crise da TV Digital porque ela ainda não existe verdadeiramente. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, o professor falou sobre o problema de recepção pelo qual a TV Digital passa no país, do que falta para que ela realmente aconteça e sobre as bases em que está sendo construída e instalada no Brasil. Para Bolaño, existe pouco debate no que se refere à inserção do digital no cotidiano dos brasileiros. “Os movimentos sociais, os consumidores, os usuários não são ouvidos e, quando escutados, não são levados em consideração”, destacou.
César Ricardo Siqueira Bolaño é jornalista graduado, pela Universidade de São Paulo, e doutor em Economia, pela Universidade Estadual de Campinas. Obteve o título de pós-doutor pela USP. Atualmente, é professor da Universidade Federal de Sergipe. É autor de Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? (São Paulo: Paulus, 2007) e Mercado brasileiro de televisão (São Paulo-Aracaju: EDUC-SP e EDUFS-SE, 2004), entre outras obras. Destacamos também os livros escritos junto com o professor Valério Brittos, da Unisinos, REDE GLOBO - 40 anos de poder e hegemonia (São Paulo: Paulus, 2005) e A televisão brasileira na era digital (São Paulo: Paulus, 2007).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Professor, segundo a Folha de S. Paulo, a recepção do sinal em televisores ainda não chegou a 55 mil domicílios na Grande São Paulo, ou seja, nem 1% no Ibope. O que isso significa?
César Bolaño – Isso representa aquilo que já era esperado, ou seja, que não há estímulo para que o consumidor se interesse pelo sistema. Não está sendo oferecido nada efetivamente novo para que ele se interesse por comprar um equipamento tão caro como é um conversor, que hoje custa mais do que um aparelho de televisão.
IHU On-Line – E falta incentivo por parte de quem?
César Bolaño – Faltam incentivos de toda ordem. Eu acho que, na verdade, quando se definiu o formato não havia muita preocupação com o usuário, de fato. Por isso, falta uma programação diferente, pois não justifica gastar um dinheiro tão grande para assistir a mesma coisa que você já vê. Também não existe um incentivo do ponto de vista da redução do custo do equipamento. Há uma carência em muitos pontos. O que poderia incentivar é outro tipo de coisa além da programação da televisão, como, por exemplo, o acesso à internet, ou seja, outras formas de estimular o interesse do consumidor. Isso não existe hoje.
IHU On-Line – Mesmo que tenha apenas seis meses, já se fala em crise da TV Digital. Há uma crise e onde ela está acontecendo?
César Bolaño – Não sei se existe uma crise, porque a TV Digital ainda não existe. Difícil falar de uma crise de uma coisa que nunca existiu, mas isso já era previsto. Na verdade, foi uma espécie de anticlímax, porque muita coisa foi prometida e nada foi oferecido. Prometeram maior programação, acesso à internet, alta definição, ou seja, diversas coisas que não estão sendo oferecidas. Então, não houve interesse da parte do público.
IHU On-Line – Com a entrada do Ginga e, com isso, a interatividade, essa recepção tende a melhorar?
César Bolaño – Eu não tenho notícia de quando o Ginga será introduzido. Precisamos aguardar para vermos o que vai acontecer.
IHU On-Line – Os brasileiros estão preparados paras as possibilidades que a TV Digital pode permitir?
César Bolaño – Na minha opinião, sim. Os brasileiros irão utilizar da maneira que for possível. Não será, com certeza, como a internet que precisa de alfabetização para poder usar. O que se pensa é que a TV Digital contribui para a inclusão digital porque é mais amigável do que o computador e mais fácil de ser utilizada.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a forma como os sistemas digitais de rádio e televisão no Brasil estão sendo construídos e discutidos?
César Bolaño – Penso que esteja faltando muito debate. No caso do rádio, está faltando muito debate público. No caso da televisão, foi lamentável, porque houve um debate, mas tudo o que foi comentado não se levou em consideração. Então, foram levantadas uma série de expectativas e elas não se realizaram. Houve, de fato, um debate público em relação à TV Digital, não no nível que nós esperávamos e pretendíamos. Então, um dos problemas que houve da regulação da comunicação vem disso também. Os movimentos sociais, os consumidores, os usuários não são ouvidos e, quando escutados, não são levados em consideração.
IHU On-Line – No último Fórum de Mídia Livre, foi discutida a relação entre mídias colaborativas e as novas mídias. Como o senhor vê essa relação?
César Bolaño – Eu tive conhecimento, mas não participei do Fórum de Mídia Livre. No entanto, sobre este assunto, creio que seja uma relação interessante.
IHU On-Line - O que a população brasileira precisa saber sobre a TV Digital e ainda não foi ou foi pouco comunicada?
César Bolaño – A população brasileira precisa saber sobre a TV Digital é que ela é uma nova tecnologia que, em princípio, permitiria que você tivesse uma oferta muito maior de conteúdo, a entrada de novos ofertantes de conteúdos. Você poderia ter formas de interatividade extremamente avançadas, acesso à internet e telefonia, uma série de coisas. Mas, infelizmente, isso fica muito no terreno das possibilidades, das expectativas. O governo precisa tomar uma decisão diferente daquela que já foi tomada.
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TV Digital: um mal-estar no ar. Entrevista especial com César Bolaño - Instituto Humanitas Unisinos - IHU