19 Fevereiro 2008
Aos 81 anos, sendo 49 deles no poder, Fidel Castro anunciou ontem sua renúncia ao cargo de Presidente da República de Cuba. Afastado dele desde 2006, devido a complicações no seu estado de saúde, Fidel começou sua luta pela transformação da sociedade cubana bastante jovem. Depois de se graduar em Direito, pela Universidade de Havana, intensificou sua luta contra o governo cubano, denunciando as corrupções e atos ilegais cometidos pelo poder. O golpe de estado de 1952 o convenceu sobre a necessidade de buscar novas formas de ação para transformar o país. Para realizar a Revolução Cubana, em 1955 foi até os Estados Unidos em busca de apoio dos emigrantes cubanos. Com os combatentes reunidos, dirigiu-se à Sierra Maestra, onde permaneceram por dois anos à frente do Exército Rebelde Cubano. Fidel, então, guiou a tática e a estratégia da luta contra a ditadura batistiana, financiada e apoiada pelos estadunidenses. Em 8 de janeiro de 1959, marchou até Havana e consolidou a vitória da Revolução. Por mais que sofresse um embargo econômico dos Estados Unidos e, depois, com o fim do regime socialista na URSS, Fidel manteve-se a frente de Cuba até o dia 1 de agosto de 2006. Nesta data, delegou o seu cargo ao irmão, Raul Castro.
Muitos aguardavam sua renúncia, outros não esperavam por tal notícia, tanto que os maiores jornais do Brasil não noticiaram o fato em suas primeiras edições do dia. Ao povo, Fidel diz em sua carta-renúncia: “Prepará-lo para a minha ausência, psicológica e politicamente, era minha obrigação depois de tantos anos de luta. Nunca deixei de assinalar que se tratava de uma recuperação ‘não isenta de riscos’. Meu desejo sempre foi de cumprir o dever até o último alento. É o que posso oferecer.”
Para repercutir o assunto, a IHU On-Line conversou, por telefone, com o doutor em Ciências Políticas Emir Sader, que nos atendeu por telefone desde a Bolívia, onde participa de um congresso. Atualmente, Sader atua como coordenador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais e é professor da Universidade de Oxford e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Pensando na perspectiva da esquerda latino-americana e mundial, quais são os aspectos do pensamento de Fidel que o senhor considera ainda hoje pertinentes?
Emir Sader – Pode-se falar de uma esquerda latino-americana de antes e depois de Cuba e Fidel. Ele introduziu a questão do socialismo no coração da América Latina, na vigilância dos Estados Unidos. Também introduziu questões fundamentais, como a de que apenas uma sociedade não fundada no mercado pode terminar com o analfabetismo, universalizar direitos de saúde, de educação e culturais para toda a população. Isso tudo fazendo com que um pequeno país sem grandes produtos de exportação, com baixo valor de carteira no mercado internacional, pudesse ter a projeção que teve. Essa é a posição interna. Cuba acredita que deve seguir sendo o país mais solidário do mundo, uma referência em saúde no mundo todo e o que tem mais médicos trabalhando ativamente fora do país. Isso para não falar na escola latino-americana de Medicina, que está formando as primeiras gerações de médicos pobres, provenientes inclusive do Brasil. Possui também a Operação Milagre, que é a recuperação de milhões de latino-americanos de forma gratuita. A sociedade cubana tem um grande espírito de solidariedade totalmente contraditório com o espírito mercantil que o capitalismo difunde pelo mundo afora. Então, o Fidel é um marco da história da América Latina, da história da periferia do capitalismo.
IHU On-Line – O que significa a renúncia de Fidel para a América Latina?
Emir Sader – Na verdade, a renúncia veio a partir de uma transição, pois o Fidel foi deixando aos poucos de assumir funções. A renúncia foi só uma formalização. Significa que a América Latina hoje não pode preferir Cuba. Na verdade, ela tem outros regimes que estão construindo sociedades alternativas, como Equador, Bolívia, Venezuela, e que estão na esteira, no caminho que foi plantado por Fidel. Então, a atualização dele hoje é a atualização presente, por exemplo, na ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), em que se constrói a experiência mais avançada, aquela que o Fórum Social Mundial pregava: a de um comércio justo, em que cada país oferece o que tem e recebe o que necessita, e assim por diante. Tudo isso feito a partir desse espírito de solidariedade que contém. Então, o Fidel se retira, mas a presença do que ele sonhou é constante, ou seja, continua contemporâneo na América Latina. Esse é um final de carreira digno de quem construiu uma trajetória extraordinária.
IHU On-Line – Podemos esperar algum tipo de mudança na forma de Raul Castro conduzir a política cubana e as articulações com os outros países da América Latina?
Emir Sader – Nada significativo.
IHU On-Line – A renúncia de Fidel tem relação com a nova estrutura da esquerda na América Latina, que está sendo chamada de Nova Esquerda?
Emir Sader – Não, não tem nenhuma relação. A história específica da esquerda na América Latina não tem ligação com a renúncia de Fidel. A renúncia de Fidel representa a continuidade do sistema político mais além do seu grande líder fundador, não mais do que isso. Fidel já instruiu aqueles que irão dirigir a Revolução Cubana.
IHU On-Line – De que forma a renúncia de Fidel pode influenciar a esquerda atual que está se formando na América Latina?
Emir Sader – Fidel está fora da presidência há um ano e meio, então não tem nada para influenciar agora. O que tinha para influenciar já influenciou. O que ele sonhou já está tendo continuidade em outros governos.
IHU On-Line – Então, Cuba continua sendo um modelo socialista para a América Latina?
Emir Sader – Uma referência, não um modelo. Estão sendo construídos diversos modelos novos influenciados por Cuba, por isso é uma referência.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a declaração de Bush de que a renúncia de Fidel deva ser um começo para a democracia cubana?
Emir Sader – O fim do governo Bush pode ser o começo para a democratização dos Estados Unidos. Eu não tenho previsão para as eleições, até porque não sou especialista, mas creio que todos os candidatos (1), de alguma maneira, rejeitam o governo Bush. Bush sairá do poder sozinho, como ele mesmo disse, só ele e seu cachorro, o que não é o caso do Fidel. Este sai com o apoio do povo cubano.
Notas:
(1) Os pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos são:
- Hillary Clinton é, atualmente, senadora democrata pelo Estado de Nova York. Planeja economizar 55 bilhões de dólares enfrentando empresas farmacêuticas, petrolíferas, Wall Street e inspecionando regulamentos de cartões de crédito. Propôs também um plano de aposentadoria para famílias de classe baixa e média e um programa de assistência médica. Sugeriu levantar o embargo comercial imposto décadas atrás em Cuba se o país adotasse “reformas democratizantes”.
- Barack Obama é, atualmente, senador democrata por Illinois. Apresentou um plano para criar cinco milhões de novos empregos no setor de energia limpa. Além disso, propôs revitalizar a infra-estrutura do país. Obama já afirmou que pagaria pelo plano ao acabar com a guerra no Iraque e aumentar impostos de estadunidenses e corporações ricas. Afirmou que levantaria o embargo econômico dos EUA em Cuba, mesmo com o regime político atual.
- John McCain (senador republicano pelo estado do Arizona) pretende abrir novos mercados para os Estados Unidos. Pretende parar com os empréstimos financeiros exagerados feitos pelo governo Bush. Na área de saúde, tem planos de crédito fiscal restituível e abertura dos mercados de assistência médica. Defende impostos baixo, simples e justos. Afirmou que os Estados Unidos precisam continuar fazendo pressão sobre o governo cubano.
- Mike Huckabee (ex-governador republicano do Arkansas) promete aumentar os gastos com o setor de Defesa e infra-estrutura pública. Pretende cortar e expandir os cortes dos impostos do governo Bush. Diz também que os Estados Unidos deve combater a concorrência externa que chama de desleal, como o praticado pela China.
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A renúncia de Fidel Castro e as implicações para a América Latina. Entrevista especial com Emir Sader - Instituto Humanitas Unisinos - IHU