18 Dezembro 2007
A união da fé e da ciência pode ser, para alguns, ainda estranha, pois parece que elas não têm relação. Isso, no entanto, é um engano. Prova disso é a opção de José Funes. Jesuíta, veio de uma família bastante católica que vivia em Córdoba, na Argentina. Durante a faculdade de Astronomia, recebeu o chamado de Deus. Apaixonado pela academia e certo de que deveria seguir no caminho que Deus lhe revelara, não teve dúvidas e seguiu o caminho da fé e da ciência. “Neste caminho, ciência e fé nos podem ajudar a buscar a verdade e, como disse Jesus no Evangelho de São João, nos fará livre”, contou-nos durante a entrevista, concedida com exclusividade por e-mail, à IHU On-Line.
Nesta conversa, Funes fala sobre essa relação entre ciência e fé em sua vida, dos estudos e previsões da astronomia e do papel da religião na sociedade contemporânea. Para ele, “o sacerdote é mediador entre Deus e os Homens. E é mediador sempre, ainda que não celebre os sacramentos. Para mim, ser astrônomo e padre é ser ponte. É estar, às vezes, do lado de Deus e, às vezes, do lado dos científicos”.
José Gabriel Funes é padre jesuíta. Nasceu em Córdoba, na Argentina, em 1963. É doutor em Astronomia, pela Universidade Nacional de Córdoba e, atualmente, diretor do Observatório do Vaticano, localizado no Arizona, nos Estados Unidos, onde também é professor de Astronomia na Universidade do Arizona. Formou-se em Filosofia, pela Universidade do Salvador, na Argentina, e em Teologia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana , em Roma, na Itália.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Alguns cientistas acreditam que existem seres inteligentes em outros planetas. No entanto, o senhor disse que não há indícios sobre isto. O que acha que aconteceria se os encontrássemos um dia?
José Funes – Até o momento, não há prova de existência de vida fora da Terra. Nos últimos anos, tem se desenvolvido um ramo da Astronomia chamada Astrobiologia, que busca sinais da existência de vida em nosso sistema solar. Todavia, não temos a tecnologia adequada para realizar esta busca fora de nosso sistema solar. Certamente que, se encontrarmos vida inteligente, este encontro nos ajudaria a nos entendermos um pouco melhor. Não acredito, no entanto, que o impacto fosse maior em relação, por exemplo, a quando os europeus estabeleceram contato com os povos americanos pré-colombianos.
IHU On-Line – Como o senhor descobriu sua vocação? Como é ser padre e, ao mesmo tempo, astrônomo?
José Funes – Minha vocação religiosa despontou no ano de 1982. Estava no terceiro ano da carreira de astronomia. Naquele tempo, como qualquer outro estudante de astronomia, vivia para os estudos. Os que estavam estudando algumas carreiras físico-matemáticas sabem o que isso significa. Aos sábados, participava do grupo juvenil da paróquia. Olhando para trás, acredito que foi algo “natural” o chamado que o Senhor fez.
Cresci numa família católica, numa comunidade em que os padres eram pessoas próximas. Fui ao colégio dos padres das Escolas Pias e participei do grupo paroquial. Por outro lado, sempre fui apaixonado pela vida universitária. Sou apaixonado pelo diálogo com quem pensa diferente. Neste meio, vivi a abertura da Argentina à vida democrática. Neste contexto social e familiar, experimentei o chamado de Deus para viver em seu serviço oferecendo o melhor que tinha: minha capacidade de estudar.
Desde o princípio, pensei em ser jesuíta. Será porque não os conhecia bem? Nunca tive dúvidas sobre minha vocação. Não é mérito meu. Talvez seja cabeça dura. Voltaria a escolher ser jesuíta. É o que me dá identidade. Minha missão não é “espiritual” no sentido de que a maior parte do meu dia não consiste em acompanhar espiritualmente, dar retiros espirituais ou escutar confissões. Apesar de, como me ensinaram desde o noviciado, ser possível buscar e encontrar Deus em todas as coisas. Observando no telescópio do Vaticano, dando aulas na Universidade de Arizona, escrevendo artigos científicos ou celebrando a missa aos hispanos, Deus me vem ao encontro. O sacerdote é mediador entre Deus e os Homens. E é mediador sempre, ainda que não celebre os sacramentos. Para mim, ser astrônomo e padre é ser ponte. É estar, às vezes, do lado de Deus e, às vezes, do lado dos cientistas.
IHU On-Line – O senhor afirmou que o universo tem agora uns 13.700 milhões de anos e que segue expandindo-se e se expandirá eternamente. O universo pode sofrer um colapso, no futuro, por esta expansão contínua?
José Funes – Esse dado não é apenas uma afirmação minha. Provém de dados obtidos na missão da Nasa WMAP em 2003. De acordo com esses dados, os cosmólogos sustentam que o universo se expande aceleradamente. A possibilidade do colapso do universo não parece corresponder às observações.
IHU On-Line – No que diz respeito à evolução do universo, como tratar a questão da evolução da espécie humana?
José Funes – Não sou um especialista em evolução da espécie humana. Só posso dizer que nós somos partes de um universo que evolui. Os átomos de nosso corpo têm estado no interior das estrelas. Somos pó de estrelas com o alento da vida.
IHU On-Line – Quais são as maiores novidades atuais sobre os estudos da astronomia?
José Funes – Um dos temas mais apaixonantes da astrofísica atual é o estudo da formação de estrelas e planetas. Ainda mais à medida que nas últimas duas décadas temos dado grandes passos em nossa compreensão sobre o sistema solar e sobre outros sistemas estelares. Ficam, entretanto, muitas perguntas a respeito desses sistemas a serem respondidas, em especial aquelas que se referem à existência de vida em outros lugares do universo. No entanto, o estudo de outros sistemas estelares nos ajuda, sem dúvida, a entender um pouco melhor a formação e evolução de nosso próprio sistema solar.
IHU On-Line – Qual é o papel da religião e da fé nesta fase de transição da sociedade cristã para uma sociedade que não tem a religião como referência fundamental?
José Funes – Não acredito que estejamos numa fase de transição, numa sociedade que não tenha a religião como referência fundamental. Mas vejo que este é um momento do convívio dos fundamentalismos religiosos com o secularismo. Creio que uma fé madura, com sólidos fundamentos intelectuais, pode nos ajudar a centrar nossas vidas em Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
IHU On-Line – Quais são os caminhos, em sua opinião, da fé cristã na contemporaneidade?
José Funes – A pergunta é muito mais ampla e difícil de responder em poucas palavras. Só me ocorre dizer que a fé vivida e compartilhada pode ajudar muitas pessoas com dificuldade em encontrar sentido em suas vidas. Todos os cristãos deveriam estar dispostos a dar razão de nossas esperanças.
IHU On-Line – A ciência está sempre colocada à prova. A fé e a religião não são mutáveis. Como elas interagem?
José Funes – A ciência, como qualquer outra atividade humana em progresso, supera dificuldades, que às vezes são fracassos. O objeto de nossa fé, Deus, não muda, mas sim a compreensão de nossa fé. Todos traçamos um caminho de fé, como pessoas e como comunidade. Neste caminho, ciência e fé nos podem ajudar a buscar a verdade e, como disse Jesus no Evangelho de São João, nos fará livres.
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"Somos pó de estrelas com o alento da vida". Entrevista especial com José Funes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU