10 Dezembro 2007
Aos poucos, o consumo ético e o comércio justo vão sendo introduzidos na cultura do cotidiano brasileiro. Enquanto consumidores dão cada vez mais valor às empresas que se preocupam com o meio ambiente, as empresas prestam atenção nesse comportamento. Segundo as Notícias do Dia de 05-12-2007, o Brasil “está em nono lugar em número de produtores certificados entre os países da América Latina, onde 317 grupos foram certificados. No mundo, o total chega a 569”. O Instituto Akatu realizou uma pesquisa por meio da qual constatou que um terço da população brasileira está mais consciente de suas atitudes e das atitudes daqueles que produzem o que consomem. A IHU On-Line, conversou, por telefone, com Raquel Diniz, coordenadora de projetos de capacitação comunitária do Instituto Akatu, sobre as práticas de responsabilidade socioambiental das empresas e a valorização que o consumidor brasileiro dá a tais práticas.
Raquel Diniz Ezequiel é graduada em Direito e é especialista em Desenvolvimento Local, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Possui MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor. Trabalha com projetos sociais desde 2002 e teve passagem por instituições como o Grupo Cultural Afro-Reggae. É coordenadora da área de capacitação comunitária do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Trabalha com o desenvolvimento, gestão e acompanhamento de avaliação de projetos de educação para o consumo consciente em comunidades de funcionários de empresas, de jovens em instituições de ensino e com outras organizações sociais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O consumidor brasileiro dá valor às práticas de responsabilidade socioambiental das empresas?
Raquel Diniz – Vamos começar falando sobre o reconhecimento de certificados e selos socioambientais. O consumidor de 2003 para 2006 teve um aumento significativo. Em 2003, 19% dos consumidores disseram que conheciam tais certificados e selos e, em 2006, esse número aumentou para 32%. Na pesquisa realizada pela Akatu, em 2006, por meio de entrevistas pessoais, foram 1275 pessoas entrevistadas entre homens e mulheres de 18 a 74 anos, das cinco regiões do país das principais capitais. O questionário possuía 80 questões, que são os indicadores de consumidores conscientes. Trata-se de uma ferramenta desenvolvida pela Akatu para avaliar o estágio de assimilação do consumo consciente. Dessas 80 perguntas, 42 diziam respeito a comportamento, e 38 diziam respeito a valores. Uma coisa que é importante dizer é que entre as 42 perguntas relacionadas a comportamento, 13 delas foram selecionadas para formar um grupo de questões segmentadas, que segmentam o público em quatro níveis de conscientização. O primeiro nível seria o de indiferente, que é o consumidor que pratica no máximo dois desses 13 comportamentos. Temos também o iniciante, que pratica de três a sete comportamentos. Depois, vem o consumidor engajado, que pratica de oito a dez comportamentos. Em seguida, há os consumidores conscientes, que adotam de 11 a 13 comportamentos. Esses comportamentos são diversos, desde apagar a lâmpada em ambientes desocupados, passando por ler rótulos atentamente antes de definir a compra, até comprar produtos orgânicos. O que nós percebemos é que 33% das pessoas que foram entrevistadas já praticam pelo menos oito desses 13 comportamentos. Nós já tínhamos aplicado essas questões em 2003 também e vemos que, de lá pra cá, caiu o nível. Em 2003, tínhamos 43% de mais conscientes. Em 2006, tivemos 33% de mais conscientes.
IHU On-Line – O que essa involução demonstra?
Raquel Diniz – O ano de 2003 foi o ano do apagão, uma época de recessão econômica, de desemprego, em que tivemos uma restrição do consumo. Em 2006, tivemos um estímulo ao relaxamento do consumo, a estabilização econômica. O que nos leva a crer que o fenômeno de consciência é um fenômeno social muito novo. Então, ainda está sujeito a essas variações, a reações mais imediatas. Mas é bastante significativo dizer que um terço dos consumidores hoje já pratica pelo menos oito dos comportamentos mais significativos.
IHU On-Line – Como o consumidor tem utilizado essa informação socioambiental que recebe das empresas que consideram tal fator?
Raquel Diniz – Em relação a valores, das 38 perguntas que fizemos em relação a valores, mais de 50% da população disse que os assimila. Já em relação a comportamento, nós tínhamos 42 perguntas e apenas sete delas são assimiladas por mais de 50% dos consumidores. O que temos aí? Um gap entre valores e comportamento. Os valores coletivos são menos incorporados. Os valores voltados à questão econômica são os mais incorporados. Comportamentos de economia têm uma adesão alta, como por exemplo, desligar aparelhos eletroeletrônicos quando não estão sendo usados, desligar a torneira enquanto se está escovando os dentes. Mas, quando passamos valores de planejamento, cai-se para 45% da população, que é um item fundamental. É importante que busquemos informações sobre quais os critérios socioambientais que as empresas estão adotando para que nós possamos fazer escolhas com consciência. É importante que a direcionemos o que nós queremos, quais são os impactos positivos e negativos que queremos causar no ato de consumo. É muito fácil para as empresas investirem em cultura, na comunidade do entorno, mas não é fácil no pensamento deles repensar a estratégia de negócio, o que é fundamental. Pois hoje estamos colocados num grande desafio: qual tipo de desenvolvimento queremos e que precisamos ter para que o consumo corresponda aos recursos temos disponíveis na Terra. Hoje, já consumimos 25% a mais de recursos que a Terra tem para nos oferecer, além de produzirmos mais resíduos do que ela é capaz de absorver. Esse é o grande desafio.
IHU On-Line - Há diferenças entre o que o consumidor pensa e o que o consumidor brasileiro pratica?
Raquel Diniz – Há diferença sim. Nós vimos a partir do resultado da pesquisa que ainda tem um gap muito grande entre o que ele pensa e o que ele prática. Se estamos falando que, entre 42 práticas, apenas sete são amplamente assimiladas, e em relação a valores de 38 questões, apenas 31 são assimiladas, existe uma diferença muito grande. E o Akatu vê isso como uma oportunidade muito grande de trabalho. Temos um trabalho muito grande pela frente, mas ele nos inspira. Não vamos cruzar os braços diante destes fatos.
IHU On-Line – E como vocês trabalham isso?
Raquel Diniz – Trabalhamos não apenas gerando informação, mas também com a reflexão, com a mobilização da prática mesmo. A pessoa só parte para a prática quando ela entende que terá benefícios para ela e para o coletivo. Lidamos muito com a questão da reflexão a partir das necessidades de cada, da experiência de cada, porque a partir desse momento. Porque é muito fácil dizer o que as pessoas devem ou não fazer, cheia de regras. Lógico que também trabalhamos com dicas, mas trabalhar apenas com regras não diz nada, as pessoas vão apenas ler e não irão assimilar. O importante é que trabalhamos com questões que sejam realmente impactantes para cada um e, assim, todos possam refletir sobre usas práticas cotidianas.
IHU On-Line - Qual é o perfil do consumidor brasileiro?
Raquel Diniz – Segundo essa pesquisa de 2006, apenas 5% da população está consciente, 28% estão engajados, 8% estão indiferentes, e 59% são iniciantes.
IHU On-Line - Como ele é se comparado aos consumidores dos países de Primeiro Mundo?
Raquel Diniz – No Brasil, apenas 15% dos consumidores deixam de comprar um produto ou falam mal de uma empresa que prejudica, de alguma forma, o meio ambiente ou a sociedade. Esse índice, nos Estados Unidos e na Alemanha, é de 42%. Na Austrália, esse índice é ainda maior: é de 51%. Assim também como os dados de quem valoriza e fala bem das empresas que têm selos ambientais e têm comportamentos corretos. No Brasil, apenas 17% declaram premiar esse tipo de empresa, disseminando as idéia e valorizando práticas. Na Austrália, são 53%, nos Estados Unidos, 44%, e na Alemanha são 40%.
IHU On-Line - As empresas têm feito um grande esforço publicitário para mostrarem-se responsáveis ambientalmente. Até que ponto essa preocupação é apenas mercadológica?
Raquel Diniz – Com o avanço tecnológico, com a globalização, estamos ganhando em transparência. Temos notícias de fraudes, da incoerências das empresas e das práticas não condizentes. Então, é muito mais arriscado hoje para uma empresa não ser coerente com aquilo que está divulgando. O consumidor precisa ficar atento, porque não há problema algum fazer marketing em cima dessas práticas. Só que se não estiver condizente com a sua prática real, com certeza isso virá à tona e da pior maneira possível.
IHU On-Line – Há realmente necessidade de fazer marketing em cima de uma prática que deveria ser obrigatória?
Raquel Diniz – Sim. Porque o consumidor já está voltando sua atenção para essas práticas. Isso é um referencial que ele está levando em conta. Então, é óbvio que as empresas vão correr para colocar isso no marketing. É aquela questão da qual falamos antes. Se esse marketing não estiver no DNA da empresa, não for uma decisão estratégica, isso virá à tona a qualquer momento, e o consumidor irá entender que era apenas uma jogada de marketing e não tinha fundamentos, ou seja, não condizia com a prática real da empresa.
IHU On-Line - De que forma a Economia Solidária pode contribuir para o consumo e para a produção ética?
Raquel Diniz – O comércio justo é fundamental e excelente para trazer novas práticas, novas configurações de parcerias para a sociedade. Diante de um comércio justo, de práticas de um comércio justo, nós conseguimos ter novas configurações de parcerias, porque muitas vezes existem associações junto com empresas, cooperativas, governo e se começa a juntar vários atores sociais em prol de um mesmo objetivo. Os consumidores estão dando mais espaço nas suas compras para o comércio justo, para produtos que tenham selos. A questão do comércio justo agrega muito valor em relação à transparência dentro da cadeia produtiva, e é possível conseguir uma cadeia produtiva um pouco mais enxuta, com menos atravessadores, havendo, com isso, a rastreabilidade do produto. A questão do preço dá retorno maior à comunidade produtora, favorecendo o desenvolvendo comunitário e evita o êxodo rural, mantém aquelas pessoas dentro da sua comunidade. Com isso, existem impactos culturais e sociais grandes. O comércio justo vem realmente para agregar.
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Consumo ético. Entrevista especial com Raquel Diniz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU