04 Dezembro 2007
“Os países em desenvolvimento, que não têm a mesma responsabilidade que os países ricos na configuração do aquecimento global”, também “precisam assumir metas” para reduzir a emissão de CO2. Brasil, China, México não podem ficar fora de um esforço global, que precisa acontecer numa escala difícil e urgente, apenas porque não tem “o mesmo peso na balança de um país rico”. A opinião é do jornalista ambiental André Trigueiro, em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line.
Com as mudanças climáticas, destaca Trigueiro, problemas socioeconômicos poderão aumentar, principalmente em países pobres, que têm na agricultura sua principal fonte econômica. Ele também chama a atenção para o surgimento de uma nova categoria de refugiados ambientais, que, “não tendo condições plenas de subsistir nos seus territórios originais, migram para países desenvolvidos”, o que aumenta a imigração ilegal.
Na entrevista a seguir, o jornalista analisa as mudanças climáticas, os impactos das monoculturas, e questiona as sugestões do Brasil para a Conferência de Bali, neste mês.
André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental pela COOPE/UFRJ e professor do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Na Globo News, ele apresenta o programa "Cidades e soluções", tratando da questão do meio ambiente. Ele participou da edição 171, da IHU On-Line, intitulada A vingança de Gaia. Mudanças climáticas e a vulnerabilidade do Planeta, de 13 de março de 2006. A entrevista “Estamos imersos em um modelo suicida de desenvolvimento” pode ser conferida na nossa página eletrônica (www.unisinos.br/ihu).
Confira a entrevista:
IHU On-Line – A União Européia defende a posição de que todos os países desenvolvidos reduzam suas emissões de dióxido de carbono entre 20% e 30% até 2020. Os Estados Unidos e a China, como os maiores poluidores do planeta, representarão um novo empecilho nessa decisão, não compartilhando com a proposta dos europeus?
André Trigueiro – Há um processo de mudança na política externa desses dois países. A China, embora não aceite metas impostas pela comunidade internacional para a redução das emissões de gases estufa, já declarou, de público, o interesse em estabelecer alguma meta de redução. E, eles próprios, os chineses, definem e respeitam a soberania do país, sem ingerência externa. Ao contrário de outros países em desenvolvimento como o Brasil, a China se dispôs, portanto, a ter um objetivo, uma meta, e isso é positivo.
Em relação aos Estados Unidos, precisamos lembrar que 2008 é ano de eleição presidencial. Eu considero muito provável que seja quem for o novo presidente, democrata ou republicano, desse país, aquele que mais polui o Planeta, responsável por aproximadamente 25% das emissões globais de gases estufa, assuma unilateralmente, sem nenhuma vinculação a Kyoto, uma meta de redução da emissão de gases estufa. No entanto, considero difícil que China e Estados Unidos consigam assumir o nível de comprometimento dos europeus. Estes estão muito à frente, muito mais preparados e comprometidos, por várias razões, com metas mais ousadas de redução das emissões de gases estufa.
IHU On-Line – Sendo os países ricos os maiores contribuidores dos problemas climáticos, qual deveria ser a responsabilidade destes para equilibrar o orçamento da emissão de carbono?
André Trigueiro – Em relação aos países ricos, vale o que foi definido em 1997, no Tratado de Kyoto. Esses países são historicamente os principais responsáveis pelas emissões de CO2. Eles pertencem ao que eu gosto de chamar de "esquadrilha da fumaça", porque há 200 anos, desde a evolução industrial, vêm queimando progressivamente, primeiro o carvão mineral, depois o petróleo e o gás. Portanto, eles têm a responsabilidade histórica de estar à frente do processo de redução das emissões. Entretanto, também como preconiza o Tratado de Kyoto, a responsabilidade é comum, porém diferenciada. Os países em desenvolvimento, que não têm a mesma responsabilidade que os países ricos na configuração do aquecimento global, passaram a contribuir, bem depois, mais fortemente. Mas eles precisam, e essa é uma opinião pessoal minha, assumir metas, porque essa é uma iniciativa saudável. Portanto, países como o Brasil, Índia, México, Indonésia e China precisam ter objetivos.
Nós não podemos ficar fora de um esforço global que precisa acontecer numa escala grande, difícil e urgente, apenas porque não temos o mesmo peso na balança de um país rico. Então, é perfeitamente possível negociar metas diferenciadas, metas que os países em desenvolvimento possam cumprir sem grandes impactos sobre os seus processos de desenvolvimento.
IHU On-Line – Qual é a sua avaliação do Protocolo de Kyoto? Ele atingiu parte de sua meta ou já é visto como ultrapassado?
André Trigueiro – Ele não tem atingido as metas. Desde a ratificação em fevereiro de 1995, estima-se que estejamos elevando as emissões de gases estufa a cima de 2% ao ano, o que é trágico. A meta de Kyoto é muito tímida; a rigor, não faz grandes diferenças em relação ao aquecimento global. Redução média de 5.2% até 2012 não faz cócegas no aquecimento global. O mérito de Kyoto é ter estabelecido uma nova rotina, uma saída da inércia e ter dado início ao processo. O IPCC (1) estima que o freio que a humanidade deva aplicar sobre as emissões de gases estufa seja da ordem de 60 a 80%. Então, Kyoto já estaria muito defasado em relação à necessidade de nós realmente fazermos a diferença na contenção das emissões. E é isso que está em jogo em Bali (2), na reunião de dezembro.
IHU On-Line – Qual ponto do Relatório do Desenvolvimento Humano 2007-2008 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é mais significante? Por quê?
André Trigueiro – No Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o que me chamou mais atenção foi aquilo que eles geram como tema desse ano, que é justamente o aquecimento global. Nesse sentido, o relatório do Pnud informa que é muito importante que se pense na forma de sobretaxar carbono. Quando se enche o tanque de gasolina, o preço do litro do produto não traz o custo ambiental que esse combustível fóssil provoca. Então, o relatório defende essa tese da sobretaxação do carbono, como já foi defendido antes, em outubro do ano passado, no relatório do ex-economista chefe do Banco Mundial, Nicolas Stem, que realizou e produziu cenários para a economia, em função das mudanças climáticas.
Outro dado assustador é que 1,6 bilhões de pessoas não têm acesso à energia. Isso constitui um enorme desafio, porque a energia abundante no mundo, ainda é a suja, como o carvão, o petróleo e o gás. Então, nós não conseguiremos, num curto prazo, resolver essa equação.
Estudos do Centro de Desenvolvimento e Estudos (CDE) indicam que, até 2030, a humanidade deverá ser ainda muito dependente dos combustíveis fósseis, o que é trágico. Daí a urgência de se costurar acordos internacionais que fomentem linhas de crédito de investimento em inovação tecnológica no setor de energia.
IHU On-Line – Outro aspecto do relatório cita o Brasil como um dos países mais bem sucedidos no que se refere ao transporte movido pelo etanol de cana-de-açúcar, que é considerado o mais limpo e barato biocombustível desenvolvido nas últimas décadas. A produção exagerada de cana-de-açúcar poderá, no futuro, se tornar um problema ambiental e econômico, já que muitas comunidades perdem suas terras, como é o caso dos índios Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que vivem em constante conflito com fazendeiros, por exemplo? Como o senhor percebe essas controvérsias?
André Trigueiro – O risco existe. Potencialmente, o Brasil poderia sem susto aumentar o consumo de cana-de-açúcar, sem gerar danos ambientais. Em tese, isso seria possível, levando em consideração a quantidade de solo fértil disponível em áreas onde há tecnologia. Também podemos levar em conta a disposição do governo de certificar a produção de álcool e açúcar por selos verdes, que confirmem a não existência de mão-de-obra escrava, os cuidados ambientais que devem ser obedecidos e a não queimada do bagaço de cana-de-açúcar. Então, em tese, repito, nós teríamos todas as condições para incrementar a produção de álcool e açúcar sem prejuízos sócios ambientais. Mas o Brasil tem um histórico que sugere cautela, cuidado, precaução. Nós não temos, realmente, uma tradição no sentido de promover uma expansão da fronteira agrícola de forma ordenada e sustentável. O último exemplo interessante, nesse sentido, talvez seja o da expansão da soja na direção da Amazônia e do Mato Grosso, estado que lidera as estatísticas de desflorestamento, não por outra razão que não pelo fato de que o atual governador (3), antes de ser político, vinha a ser o maior produtor individual de soja do mundo. Assim, nós temos enormes dificuldades de praticar políticas de controle que funcionem, que ordenem o processo produtivo, que estabeleçam regras claras com monitoração eficiente, com fiscalização atuante, com a punição efetiva daqueles que ultrapassarem os limites do bom senso e da legislação.
IHU On-Line – O Pnud alerta também para um forte retrocesso no desenvolvimento e implementação na redução da pobreza mundial, sugerido pela ONU, na Cúpula do Milênio, em 2000. O senhor concorda com essa posição? As mudanças climáticas podem contribuir para fortalecer essas desigualdades regionais e mundiais entre as comunidades?
André Trigueiro – Existe um problema que está sendo discutido na Rodada de Doha (4), que pretende, ao liberalizar o comércio mundial, promover a revisão de certas barreiras comerciais e alfandegárias, facilitar o escoamento de produtos típicos dos países em desenvolvimento, como produtos siderúrgicos, grãos, certos gêneros de alimentos, álcool, etanol etc. De fato, liberalizar o comércio tendo uma sensibilidade de facilitar o escoamento de produtos que venham das partes menos favorecidas do planeta, seria uma medida muito justa. E não há dúvida que o flagelo causado pelas mudanças climáticas será mais intensamente sentido nos países pobres.
Pobres sofrerão os impactos das mudanças climáticas. Mas ricos também sentirão as conseqüências
Nós tivemos, há poucos dias, um ciclone causando uma devastação grande num dos países mais pobres do mundo que é Bangladesh. Aproximadamente 10 mil pessoas morreram, e 3 milhões ficaram refugiados, o que sugere realmente que o IPCC esteja certo quando diz que Bangladesh, que aparece reiteradas vezes em sucessivo relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática da ONU. É um bom exemplo de como as mudanças climáticas são parciais. Elas alcançam com mais voracidade, com um poder de destruição muito superior, países pobres.
No caso específico de Bangladesh, trata-se de um país baixo, pois grandes extensões de terras estão abaixo do nível do mar. Qualquer pequena elevação dos oceanos implicaria num avanço por vários quilômetros de água salgada. Países ricos como Holanda, que também está abaixo do nível do mar, se protegem construindo diques, e não faltam recursos para isso e nem tecnologia. Mas quem é que vai construir diques em Bangladesh?
Outra questão preocupante é que a agricultura tem um papel importante na economia desses países, e, com a mudança do clima, como já acontece, ocorre um impacto importante sobre o ciclo da chuva, o que é horrível para quem quer planejar a hora de semear e colher. Se não há como prever, com o mínimo de acerto, os períodos de chuva, se fica à mercê da sorte. Assim, o risco de quebra de safra aumenta. Então, esse cenário é muito preocupante, juntamente com o aparecimento de uma nova categoria de refugiados ambientais. Esse contingente enorme de pessoas, uma vez não tendo condições plenas de subsistir nos seus territórios originais, migram para países mais desenvolvidos. E essa panela de pressão pode explodir no colo dos países ricos, porque isso vai agravar a pressão na área da imigração ilegal.
IHU On-Line – Muitos ambientalistas criticam a plantação de eucalipto, alegando a possibilidade de monocultura em algumas regiões do país. Como o senhor percebe esse tipo de plantação? Elas realmente podem gerar um impacto irreversível no meio ambiente e na economia, a longo prazo? Algumas regiões correm o risco de se transformarem num deserto verde?
André Trigueiro – As monoculturas de eucalipto se expandem perigosamente. O eucalipto gera uma commoditie que é muito valorizada no comércio internacional, a celulose. A demanda por papel cresce, e países como o Brasil, que detêm uma tecnologia muito arrojada na produção de celulose, a um custo relativamente baixo, com condições naturais amplamente favoráveis, são pressionados nessa direção da expansão da monocultura de eucalipto. Particularmente, o estado do Rio Grande do Sul sofre com uma combinação perversa de fatores. Em primeiro lugar, com os inúmeros pedidos de licenciamento para projetos desse tipo. Em segundo, se estiverem corretas as análises de amigos meus, jornalistas do Sul, há uma leniência das autoridades do Rio Grande do Sul, no sentido de não serem rigorosos na forma como esse licenciamento se resolve. Então, o risco que você observou existe. Há uma explosão da oferta de áreas agrícolas para a produção de eucalipto. Mas o problema não é a plantação, e sim como se planta, se organiza e ordena a divisão e ocupação do solo para esse fim.
Monocultura mata a biodiversidade
Existe um livro bem interessante da Vandana Shiva, que ganhou o prêmio Nobel Alternativo, chamado Monoculturas da mente. Perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia, em que ela fala com muita propriedade da riqueza da biodiversidade. Quer dizer, a biodiversidade não é um conceito subjetivo. Existe uma sabedoria da natureza quando produz, por exemplo, diversos tipos de milho, de soja, de arroz. É um erro ocupar grandes extensões de terras, baseado apenas em interesses comerciais, e explorar apenas um determinado tipo de produto, por exemplo, os geneticamente modificados, que geram receitas volumosas para um fabricante que desenvolveu em laboratório a possibilidade de criar um novo gênero de grão, e conquistar o mercado, que fica refém desse produto, indisponibilizando a oferta de grãos naturais, como ocorreu no Rio Grande do Sul, em relação à soja orgânica. Atitudes como essa certamente gerarão impactos, mas tudo isso ainda está sendo estudado em detalhes.
O que se sabe, é que, onde as monoculturas se expandem, realmente há riscos maiores de perda de capital natural. Ou seja, o capital natural precisa ser explorado com inteligência, pois ele é o patrimônio do agricultor e do produtor rural, que precisa cuidar bem do solo, das águas e saber qual o impacto que a cultura que ele está cultivando gera sobre o entorno. Quando essas variáveis não são respeitadas, todos perdem.
IHU On-Line – Como o senhor percebe a greve de fome do bispo Luiz Cappio, que pretende dar a vida em prol do meio ambiente? O que essa atitude representa para a luta contra a transposição do Rio São Francisco e até mesmo para a campanha do meio ambiente?
André Trigueiro – É uma questão muito séria a opção de um religioso por uma greve de fome que implica em riscos de morte. Porém, esse gesto extremo ensina ou sugere que a transposição do Rio São Francisco talvez não esteja considerando algumas premissas importantes. Essa é uma obra cara que demandaria recursos vultuosos, não apenas na sua construção, mas, principalmente, e isso não é muito falado, na manutenção do sistema. Quando o governo federal entregar a obra, quem vai manter a hidrelétrica funcionando são os estados em que a obra será construída. Nesse momento, uma pergunta deve ser levada em consideração: os próximos governantes dos estados nordestinos favorecidos pela transposição estão dispostos a pagar o que será cobrado por esse serviço, que é bastante caro?
Também não está muito claro quem se beneficiará, e de que maneira, com esse projeto, e a relação custo-benefício, considerando inclusive o cenário que os cientistas brasileiros, este ano, apontaram para o semi-árido nordestino, que deverá se transformar numa região árida, em função das mudanças climáticas. Então, é preciso refazer as contas e ver se este investimento dará o retorno esperado, porque o clima vai mudar.
Me parece que o bispo também denuncia o caso de estar se retirando água de uma bacia muito depreciada, castigada por projetos de irrigação mal feitos, barragens mal construídas, falta de saneamento, assoreamento, desflorestamento de matas ciliares e da vegetação próxima ao leito do rio na bacia do São Francisco para a produção de carvão vegetal, que é usado para ferro gusa. Esses são inúmeros problemas da bacia que passaram ao largo do projeto. De qualquer forma, eu fico preocupado, porque é muito triste ver uma pessoa que valoriza tanto a vida ameaçar a sua própria, colocando em risco a sua sobrevivência, num gesto extremo como esse.
IHU On-Line – Com a insistência de construir novas hidrelétricas, ao invés de investir mais em energias renováveis, que produzem menos emissão de carbono, o Brasil tem caminhado no sentido contrário à proteção do meio ambiente, uma vez que essas questões ambientais são discutidas com bastante preocupação no mundo inteiro?
André Trigueiro – Essa é uma questão complexa e tem inúmeras variáveis. Primeiro, existem vários projetos para a construção de hidrelétricas que são embargadas na justiça, às vezes por ações movidas pelos próprios ambientalistas. Não importa aqui considerar se são motivos justos ou injustos. O fato é que projetos para a construção de hidrelétricas existem, como também as barreiras judiciais. O resultado dessas ações se dá através da desaceleração da construção de hidrelétricas, e o que aparece no lugar disso é a construção de termoelétricas movidas a carvão ou gás.
Fontes sujas compõem a matriz energética brasileira
Nos últimos anos, a matriz energética brasileira (5) foi carbonizada e foram incrementadas fontes sujas de energia, pois o país tem um potencial maravilhoso de exploração de energia renovável.
Um outro dado pouco conhecido, ao qual a imprensa brasileira não deu a menor importância, é que, no ano passado, o Brasil liderou o ranking dos países que passaram a ter capacidade instalada de energia eólica em grandes proporções. O país teve um incremento de 730% na capacidade instalada desse tipo de energia. Portanto, tivemos uma explosão de investimentos, estimulados pelo Proinfa (Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia). Atualmente, o Brasil lidera o vigésimo lugar no ranking dos países em que a energia eólica tem presença na matriz. Certamente, ainda há muita coisa a ser feita. O governo, por exemplo, poderia além do Proinfa, do etanol e do biodiesel, descobrir os benefícios do coletor solar ao invés do chuveiro elétrico e investir em programas que incentivam o uso da energia solar, através das placas fotovoltaicas, em áreas distantes, onde a relação custo-benefício das linhas de transmissão de energia eólica não se resolve bem.
IHU On-Line – Embora as energias renováveis tenham ganhado mais destaque, não lhe parece que o país vive uma contradição no que se refere às opções de energia ecológica, pois se fala da necessidade de energias renováveis para combater impactos ambientais, e, no entanto, com a descoberta do poço de petróleo, na bacia de Santos, o governo tem se demonstrado eufórico, e ao que tudo indica, pretende investir nesse ramo? Como o senhor avalia essa possível contradição?
André Trigueiro – Convém separar energia elétrica e combustível. Quando se fala em matriz energética apenas com o foco de produção de energia elétrica, o Brasil ainda está sob um colchão de percentual com sobras de fonte limpa, em relação aos outros países do mundo.
Eu concordo com você, e também penso que nós poderíamos ser mais agressivos e protagonistas, incentivando inovação tecnológica e abrindo caminho para o renovável, em outras frentes. Mas, tragicamente, nós temos perante o mundo uma posição confortável, percentualmente por conta da presença da hidroeletricidade na geração de energia. Talvez isso dê um certo crédito, uma leniência do governo, a de achar que não há por que ser tão agressivo nos investimentos em outras fontes.
Investindo com responsabilidade
A descoberta desse novo lençol petrolífero abaixo da camada de sal, na bacia de Santos, é uma boa notícia, mas inspira cuidados. Não há como não explorar esse petróleo. Nós temos que ter o pé no chão e reconhecer que a Petrobras tem todo o direito de explorá-lo. Por outro lado, ela tem também o dever de destinar parte dos recursos que serão oferecidos a partir da comercialização desse combustível fóssil, para acelerar pesquisas em inovação tecnológica e programas de eficiência energética no Brasil.
Este petróleo deverá estar disponível daqui a oito ou nove anos, segundo dados da Petrobras, e o mundo vai estar ainda mais hostil a novas fontes de combustível fóssil. O cenário será diferente. Nós teremos um mundo mais preocupado com as reduções da emissão de CO2. Então, é bom ter essa cautela, e não ir com tanta sede ao pote, pensando que o mundo, daqui a oito ou nove anos, estará igual a hoje. Eu penso que não. Ao se explorar esse petróleo, é necessário fazer um uso inteligente e sustentável dos lucros. Essa proposta que eu estou levantando aqui foi apresentada pela ministra Marina Silva, e eu espero que seja cumprida.
IHU On-Line – Como o senhor avalia as propostas do Brasil para a Conferência de Bali, uma vez que este tem a maior floresta tropical do mundo, um reserva de água doce e um extensa biodiversidade, mas que, ao mesmo tempo, enfrenta dificuldades em controlar as queimadas na Amazônia e apóia a China, que é um país ecologicamente sujo? Nós temos autoridade para pedir que outros países cooperem com a emissão de gás carbônico?
André Trigueiro – O Brasil acerta em Bali quando propõe a remuneração, por parte dos países ricos, do cumprimento de metas de redução de desflorestamento. Isso significa que se o Brasil conseguir desacelerar o desmatamento na Amazônia e indisponibilizar o uso do solo da floresta para outras atividades, conseguirá mantê-la em pé. O país merece, financeiramente, ser recompensado por isso. Essa proposta é inteligente e deveria valer não só para o Brasil, mas para outros países do mundo que ainda têm áreas verdes de grandes proporções. O Brasil também acerta quando não aceita ser comparado com os países ricos, porque historicamente eles têm muito mais responsabilidade sobre as emissões do que nós. Entretanto, me parece que o país erra ao não assumir metas formais de redução, porque possuir metas é bom. Quem tem objetivo tem um programa, um projeto, um trabalho a ser feito, com um prazo previamente definido e uma rotina para que as metas sejam atingidas. Assim, nós poderíamos ter uma meta menos tímida. No entanto, isso o Brasil não aceita, o que, na minha opinião, é um erro.
IHU On-Line – As medidas propostas para a conferência de Bali – o corte das emissões dos países em desenvolvimento em 20% até 2050, dos países desenvolvidos em 30% até 2020, e em pelo menos 80% até 2050, em relação aos níveis de 1990 – serão suficientes para combater as mudanças climáticas?
André Trigueiro – Cientistas fazem estimativas, e nós respeitamos os percentuais que eles definem. Eu considero difícil essa meta ser aprovada. A comunidade internacional ainda é muito reticente em relação às medidas que vão além dos 5.2% de Kyoto. A exceção é a Europa. O resto do mundo está colocando o pé no freio. Isso é grave, porque nós batemos palmas e demonstramos entender, acolher e respeitar os relatórios do IPCC, quando deveríamos contestá-los.
Eu quero considerar aqui a boa notícia da Austrália ter enxotado o ex-primeiro ministro, John Howard, que, ao contrário da maioria da população da Austrália, apoiou a invasão do Iraque e, juntamente com os Estados Unidos, rejeitou Kyoto. O novo primeiro-ministro, Kevin Rudd, não só anunciou a adesão da Austrália ao Tratado de Kyoto, deixando os Estados Unidos isolados, como nomeou o ex-vocalista Midnight Oil, Peter Garrett, que é um histórico ativista ambiental, como ministro do meio ambiente. Então são essas notícias que eu gosto de lembrar, apenas para que fique claro que o processo histórico não é linear. Surpresas acontecem, e, às vezes, como no caso da Austrália, são muito boas.
IHU On-Line – Como o senhor tem percebido a atuação da mídia perante a divulgação das mudanças climáticas, dos problemas ambientais e das desigualdades sociais? Comparado com a mídia internacional, o Brasil ainda está engatinhando? Quais são os desafios do jornalismo ambiental?
André Trigueiro – A cobertura dos assuntos alusivos ao aquecimento global tem uma dose de sensacionalismo que incomoda, porque onde houver sensacionalismo há perda de credibilidade. Eu gostaria de marcar uma diferença entre sensacionalismo e alarmismo. É importante alarmar, e a mídia tem essa função quando o assunto é grave.
Se o momento é crítico, e requer atitude, a mídia precisa deixar isso muito evidente para o público. Portanto, o grande desafio é acertar essa calibragem: informar sobre um assunto tão sério, gerando uma inquietação que remete a uma atitude. Assim, a mensagem da mídia deve ser: "Você precisa fazer algo". E, quando se carrega muito na dose, a imprensa pode gerar frustrações, fazendo com que as pessoas cruzem os braços e digam: "Se é tão sério, não faz diferença se movimentar na direção contrária ao caos".
Percepções
Na cobertura do aquecimento global, há exagero e acertos, e ser sensacionalista é perder credibilidade, o ponto de equilíbrio de qualquer profissional. Sobre o nível de cobertura do Brasil em relação a outros países, nós estamos indo bem. Hoje, alcançamos uma condição melhor do há pouco tempo atrás, tanto em termos de espaço para esse assunto quanto em qualidade da cobertura. Há um incentivo muito grande, e uma oferta de prêmios a pautas ambientais, o que estimula. Há também um maior entendimento nas redações, de que meio ambiente não é sinônimo de fauna e flora. Quer dizer, existe a agenda verde da conservação, e existem as pautas ambientais que se resolvem nas cidades.
Eu sou otimista, acredito que estamos caminhando na direção que interessa, que abrange a maior qualidade do texto, pautas mais inteligentes e menos óbvias, sabendo fazer isso com arte. Não basta bem informar; é preciso informar com graça, ser sedutor na forma como se realiza esse trabalho. Esta informação precisa remeter a uma nova atitude, o que é o grande desafio do jornalismo ambiental: informar para fomentar uma nova atitude.
IHU On-Line – Qual pensamento deve motivar nosso cuidado com o meio ambiente?
André Trigueiro - Eu desejo que as pessoas entendam que todas as chances de errar ou de adiar uma nova atitude perante a vida já foram desperdiçadas. A hora é essa, o momento é já e não basta mudar; é preciso mudar rápido. Não é o planeta que está em risco: somos nós enquanto espécie, e nós podemos fazer muito, dando o passo do tamanho da perna, na construção de um mundo melhor e mais justo, um mundo sustentável.
Notas:
(1) O Relatório do IPCC foi tema de capa da IHU On-Line na edição 215, intitulada Estamos no mesmo barco. E com enjôo. Anotações sobre o Relatório do IPCC, de 16-04-2007. A revista está disponível na nossa página eletrônica (www.unisinos.br/ihu). (Nota da IHU On-Line)
(2) Sobre a Conferência de Bali, acompanhe as Notícias do Dia do sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu). (Nota da IHU On-Line)
(3) O entrevistado refere-se à Blairo Maggi, político brasileiro filiado ao Partido da República (PR), que atualmente governa o estado do Mato Grosso, cargo que ocupará até 2011. Engenheiro agrônomo, ele também controla o Grupo Amaggi fundado por seu pai, André Maggi. Atualmente, Blairo Maggi é considerado o maior produtor individual de soja do mundo. (Nota da IHU On-Line)
(4) A rodada de Doha das negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio) começou em novembro de 2001. O objetivo era a adesão à Agenda de Desenvolvimento de Doha, e a partir daí negociar a abertura dos mercados agricolas e industrias. A rodada de Doha visa diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo, com foco no livre comércio para os países em desenvolvimento. As conversações centram-se na separação entre os países ricos, desenvolvidos, e os maiores países em desenvolvimento (representados pelo G20). (Nota da IHU On-Line)
(5) A matriz energética brasileira foi tema de capa da edição 236, da IHU On-Line. A revista Energia para quê e para quem? A matriz energética do Brasil em debate, de 17-09-2007, pode ser acessada através do nosso sitio (www.unisinos.br/ihu). (Nota da IHU On-Line)
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Fontes sujas compõem a matriz energética brasileira. Entrevista especial com André Trigueiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU