12 Novembro 2007
Quando a Rádio 93.5FM, Rádio Solidariedade, da cidade de Macau, no Rio Grande do Norte foi proibida de transmitir sua programação por ser acusada, pelo Ministério Público Federal, de utilização de equipamento de radiodifusão, próprios de rádios comunitárias, o sociólogo e economista Cláudio Antonio Guerra escreveu o artigo “Rádios Comunitárias. O caso da FM 93.5: pelo direito de ser bonsai” e o enviou a inúmeros veículos. Cláudio, no texto, fala da luta das rádios comunitárias contra os “donos” da grande mídia.
A IHU On-Line, conversou com Cláudio, por e-mail, para tratar deste assunto. “A pressão popular deve se dar em todas as frentes de luta, mas penso que o fundamental é destruirmos a noção da ‘normalidade’ das coisas, essa ‘normalidade’ que exclui, que oprime e que massacra o cidadão”, relatou Guerra, que falou também sobre as mudanças que precisam ser feitas nas leis que regem a comunicação comunitária no país e do cumprimento da função social do rádio no Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que a população brasileira deve fazer, em sua opinião, para exigir que tais leis sobre concessões de rádios comunitárias sejam modificadas e, por conseqüência, reorganizem todo o rol de veículos que hoje existem na clandestinidade, mas contribuindo para a sua comunidade?
Cláudio Antonio Guerra - A pressão popular deve se dar em todas as frentes de luta, mas penso que o fundamental é destruirmos a noção da “normalidade” das coisas, essa “normalidade” que exclui, que oprime e que massacra o cidadão. Nessa área da comunicação, ficou estabelecido como “normal” o poder das grandes redes e que todo político deve ser o dono de emissoras de rádio e canais de TV. Eu não sei como está a situação no resto do país, mas no Nordeste é um escândalo. Agora mesmo leio num jornal daqui uma denúncia sobre uma emissora de rádio, cuja concessão foi obtida para a cidade de Macaíba (RN), mas que está instalada e funcionando há muitos anos em Natal (RN). E a eficiente ANATEL - na ação de lacrar rádios comunitárias - desconhece o fato! Essa emissora é propriedade da vice-prefeita de Natal, Micarla Souza (1). Sem a intenção, o artigo acaba denunciando também o ex-senador e ex-governador Geraldo Melo (2) como dono de uma emissora de rádio na cidade de Ceará-Mirim e Agnelo Alves (3) (tio do senador Garibaldi Alves e do deputado federal Henrique Alves) como dono de uma emissora de rádio na cidade de Parnamirim, onde é o prefeito.
Penso que nossa ação maior deve ser a de fazer valer a Constituição Federal. Se o texto diz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, isso tem que valer. Não podemos concordar com uma lei que, ao invés de regulamentar, oprime as rádios comunitárias e o guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, feche os olhos para essa injustiça. É necessário que avancemos para uma participação mais direta naquilo que nos pertence. Precisamos de mais plebiscitos, referendos e outras formas de participação direta tanto nas questões nacionais, bem como nas estaduais e municipais, pois a nossa democracia representativa, o parlamento, já se esgotou, e sozinho não atende mais aos anseios populares.
Eu penso também que essa demanda social pela liberdade de comunicação deve ganhar muita força nos próximos anos. E a Internet vai jogar aí um papel fundamental. Nós vivemos um belo momento de inclusão social que necessariamente pressiona para novas demandas sociais. Acredito também que nós estamos trilhando um caminho que pode levar ao fim da nossa submissão secular. Nossa história começou com a escravidão do negro e dos indígenas e continuou com a espoliação dos trabalhadores assalariados e dos pequenos produtores rurais e urbanos.
Para concluir, defendo que as rádios comunitárias de 25 watts ERP e antena de até 30 metros devem ter uma regulamentação específica apenas para preservar o interesse público, mas nunca com o intuito de suprimir o direito à comunicação como está definido na Lei 9.612.
IHU On-Line - Quais seriam as mudanças que você faria nas leis que regem os princípios das rádios comunitárias.
Cláudio Antonio Guerra - Primeiramente enterrar de vez o entulho autoritário. É urgente a supressão da Lei 4.117/62 (4). Não é possível que uma lei da ditadura seja maquiada e acolhida pela democracia. Depois, alterar os artigos 5º (5) e 22º (6) da Lei 9.612, de 19/02/1998, a lei das rádios comunitárias. O artigo 5º estabelece um “único e específico canal na faixa de freqüência do serviço de radiodifusão”, o que limita a ação e expansão das rádios comunitárias. O artigo 22º é um absurdo, pois exclui o direito de proteção contra as interferências causadas por outras emissoras de radiodifusão. Mas o que é necessário mesmo, como propõe o Doutor Venício Lima (7), é um novo marco regulatório para o setor de comunicações.
IHU On-Line - A função social do rádio, hoje, está sendo cumprida?
Cláudio Antonio Guerra - Definitivamente não. E, sendo propriedade, deveria cumprir a função social conforme o texto Constitucional. Excluindo as rádios educativas e comunitárias que cumprem a função social, o que vemos são emissoras de radiodifusão voltadas quase que exclusivamente “na defesa do nosso grupo político”, no dizer dos seus proprietários. Não se vê programas de debates com pluralidade de idéias. Deles só participam os que defendem as idéias “do nosso grupo político”. As notícias são filtradas até o absurdo da inversão dos fatos. Não se vê pluralidade de opinião nem versões simultâneas das matérias polêmicas e também nenhuma iniciativa para a integração, divulgação e conservação dos elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade. Ao invés de integrar a comunidade, contribui para desagregá-la.
IHU On-Line - O filme “Uma onda no ar” (8), de Helvécio Ratton, retrata a construção de uma rádio comunitária, a Favela FM de Belo Horizonte. Qual é a importância que esse trabalho tem hoje para as ciências da comunicação brasileira?
Cláudio Antonio Guerra - Minas Gerais tem uma contribuição importante na disseminação das rádios comunitárias. Da cidade de Uberaba, em meados da década de 1990, um juiz federal concedeu várias liminares para a instalação e funcionamento de rádios comunitárias, contribuindo sobremaneira para o aprofundamento do debate e estimulando muitas comunidades a instalar o seu serviço de radiodifusão comunitária. O filme “Uma onda no ar” é analisado por muitos como uma discussão sobre os problemas da favela e também sobre o preconceito racial. Eu vejo o filme mais como uma contribuição ao debate em torno do problema da exclusão social, independentemente de serem favelados e negros. O primeiro preconceito é o de classe, depois vem o resto. O filme traz uma mensagem de resistência e toma partido. Nessa luta é preciso tomar partido.
IHU On-Line - Quais são, hoje, os principais problemas de ordem técnica para viabilizar a plena operação das rádios comunitárias no Brasi?
Cláudio Antonio Guerra - Pelo menos até agora eu não vejo problemas de ordem técnica na operação das rádios comunitárias. Um equipamento razoável e uma antena bem situada - coisa que está ao alcance de qualquer comunidade organizada - responde bem à necessidade da população. Veja bem, ninguém aqui pretende falar para o mundo, se isso acontecer é conseqüência. O que a comunidade pretende é ter voz, ser ouvida, falar entre si, comunicar-se.
Notas:
(1) Micarla Souza é deputada federal pelo PV. Mudou para o PR para concorrer à prefeitura de Natal em 2008. É filha ex-senador Carlos Alberto (antigo PDS) e dele herdou as rádios e a TV Ponta Negra, filiada ao SBT.
(2) Geraldo Melo é ex-senador e ex- governador do Rio Grande do Norte pelo PSDB. É dono da TV Potangi, filiada à Band.
(3) Agnelo Alves é prefeito de Parnamirim, no Rio Grande do Norte. Foi senador e ministro durante o governo FHC. É presidente da Femurn.
(4) Um dos principais dispositivos usados nessas situações é o artigo 70 da lei 4.117/62, antigo Código de Telecomunicações, que foi modificado pelo decreto 236 em 1967, durante o regime militar. O artigo considera crime a instalação ou a utilização de telecomunicações fora do que especifica a lei, o que incluiria as rádios comunitárias sem licença. Pela infração, os responsáveis pelas rádios podem ser presos por um ou dois anos.
(5) Art. 5º - O Poder Concedente designará, em nível nacional, para utilização do Serviço de Radiodifusão Comunitária, um único e específico canal na faixa de freqüência do serviço de radiodifusão sonoro em freqüência modulada.
Parágrafo único - Em caso de manifesta impossibilidade técnica quanto ao uso desse canal em determinada região, será indicado, em substituição, canal alternativo, para utilização exclusiva nessa região.
(6) Art. 22- As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária operarão sem direito a proteção contra eventuais interferências causadas por emissoras de quaisquer Serviços de Telecomunicações e Radiodifusão regularmente instaladas, condições estas que constarão do seu certificado de licença de funcionamento.
(7) Venício Lima é graduado em Ciências Sociais – Sociologia, pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutor em Comunicação, pela University of Illinois, e pós-doutor, pela University Oxford, Ohio, EUA. Atualmente, é pesquisador da Universidade de Brasília e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Atuou nas principais universidades do país, focando nas Teorias da Comunicação, no Jornalismo Político e na Comunicação Pública. É autor de Duas questões de comunicação pública e Sete teses sobre mídia e política no Brasil, entre outras obras.
(8) Uma onda no ar é a história da criação e do desenvolvimento da Rádio Favela de Belo Horizonte - "a voz livre do morro", como a chamavam seus idealizadores. A rádio pirata entrava no ar todos os dias no horário do programa estatal A Voz do Brasil. A tática e o amplo alcance dos transmissores da rádio, que mandavam suas ondas bem além da favela, incomodavam as autoridades. Jorge, um dos idealizadores da Rádio, que é negro e morador da favela, acaba sendo perseguido e preso pela polícia. Atrás das grades, é questionado por outro detento sobre como foi a criação da Rádio. Começa uma história de luta, resistência cultural e política contra o racismo e a exclusão social, em que a população da favela encontra uma importante arma: a comunicação.
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Rádios Comunitárias. Um plano geral. Entrevista especial com Cláudio Antonio Guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU