03 Julho 2025
"É hora de saberem, enquanto negam a dor humana, que seus ultrajes são meu orgulho. E que seus agravos são minhas condecorações".
O artigo é de Jorge Elbaum, sociólogo, jornalista, escritor, doutor em Ciências Econômicas, 01-07-2025.
Insistem em negar minha condição judaica porque condeno genocídios, crimes de guerra, limpezas étnicas e ações neocoloniais de diversos tipos cometidas contra o povo palestino.
Distorcem minhas opiniões para me rotular, de forma ridícula, como um abominável defensor do Hamas, quando muitos de nós deixamos clara e explicitamente nossa condenação ao atentado de 07-10-2023.
Ameaçam-me com a perda da minha identidade como judeu argentino porque rejeito, de forma coerente, o alinhamento das organizações da direita comunitária com todas as políticas do Estado de Israel — mesmo as criminosas.
Me repudiam porque sou solidário com as vítimas de hoje, como também fui com aqueles que sofreram o massacre de 07-10-2023: não há como quantificar a atrocidade do horror. A chacina cometida pelo Hamas — sem dúvida abominável — não justifica o que os palestinos vêm sofrendo desde a Nakba de 1947.
Exigem que eu não divulgue as palavras do ex-chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel (FDI), Yair Golan, que afirmou há um mês: “Um país saudável não se dedica a combater civis, não mata bebês por diversão e não tem como objetivo expulsar uma população (…) Israel está a caminho de se tornar um Estado pária entre as nações, como a antiga África do Sul…”.
Ordenam que eu me cale diante dos bombardeios diários sobre civis, diante das lágrimas dos pais que diariamente velam seus filhos.
Reprovam o fato de eu questionar a condição democrática do Estado de Israel, ao apontar que existem 5 milhões de palestinos sem direitos políticos e cujas vidas dependem da justiça militar administrativa.
Se enfurecem quando descrevo a repressão aos habitantes da Cisjordânia, a colonização de suas terras e a expulsão de sua população mediante a imposição de leis militares.
Desmoronam quando afirmo que defender o direito inalienável do povo palestino não significa negar o direito de Israel de existir.
Me acusam porque observo, pelo olho de uma agulha, a prática patética de sujeitos iníquos como Waldo Wolff, que expressam o pior da condição humana, negando crimes e, ao mesmo tempo, apoiando os algozes que os cometem.
Negam minha herança hebraica porque afirmo, com persistência, que nenhum genocida tem o direito de exterminar um povo em nome de qualquer estirpe religiosa, cultural ou geopolítica.
Me pressionam a abandonar o reduto judaico porque não aceito os pactos de silêncio diante da crueldade explícita das bombas que destroçam bebês, enquanto fazem o mundo acreditar que é necessário massacrar mulheres e crianças para derrotar uma milícia fundamentalista já destroçada.
Tentam “desjudaizar-me” porque considero que o povo palestino tem direito à sua terra, conforme estabelecido pelas Nações Unidas em 1947, quando foi proposta a criação de dois Estados, lar para dois povos.
Difamam-me porque reivindico a tradição popular judaica, de clara marca crítica e humanista, que sofreu o extermínio nazista enquanto enfrentava com heroísmo e dignidade aqueles que hoje aplaudem a matança em Gaza.
Me acusam de más companhias porque considero que os Padres da opção pelos pobres são pessoas infinitamente mais íntegras, mais sensíveis e afetuosas do que todos os sujeitos brutalmente direitistas da comunidade judaica local.
Me demonizam porque milito no campo coerente da solidariedade, luto pela liberdade dos presos políticos da ditadura macri-mileísta e vivo nas antípodas da crueldade grosseira da reação monetarista, impiedosa e mesquinha.
Me ameaçam nas redes sociais — protegidos pelo anonimato ou pela distância — acreditando que vão silenciar o espírito de fraternidade com o qual fui educado pelos meus pais.
Me desprezam porque defendo uma tradição judaica que se relaciona com a insolência de Manuel Dorrego, a firmeza de Simón Radowitzky, a valentia de Marcos Osatinsky, a convicção do rabino Amram Blum e a coragem de Tamara Bunke Bider.
Me odeiam porque amo profunda e incondicionalmente minha Pátria. Este lugar sagrado é onde estão sepultados meus amados pais. Esta terra é a que sonhou Don José de San Martín como parte de uma Pátria Grande. Foi também a que se constituiu como refúgio acolhedor para milhões de imigrantes que fugiam de guerras, fomes e perseguições. Aqui meus pais foram felizes e criaram seus filhos. Aqui minhas cinzas os acompanharão, como uma centelha ligada à vida íntegra que tiveram.
Em 1656, as autoridades da comunidade judaica de Amsterdã expulsaram Baruch Espinosa de sua congregação por se recusar a obedecer ao senso comum da época. Ninguém lembra o nome daqueles que o excluíram e desonraram.
É hora de saberem, enquanto negam a dor humana, que seus ultrajes são meu orgulho. E que seus agravos são minhas condecorações.