17 Setembro 2024
"Marcos vê Jesus que, vendo a multidão, se detém com ela para conversar, ensinando. Marcos aponta para os olhos de Jesus e capta o olhar do pastor. E lê seus sentimentos", escreve o jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Catollica, em artigo publicado em Il Fatto Quotidiano, 15-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Primeira cena: há um grande movimento (Mc 6,30-34). Os apóstolos retornam depois de terem sido enviados por Jesus. Agora se reúnem em torno dele para ouvi-lo e relatar-lhe “tudo o que haviam feito e tudo o que haviam ensinado”. É uma cena calorosa e íntima, mas também cheia de entusiasmo e, talvez, de exaltação. Jesus imagina o que eles fizeram: enfrentaram o mal, curaram, consolaram. Essa era a missão deles: não propagar uma ideia, mas atender, curar, tornar o mal ineficaz. E é bom contar-se coisas. Se não houvesse o que contar, o que seria da vida? E a fé, então?
Seria a adesão às regras de um manual. Contar e contar-se histórias, por outro lado, sempre infringem as regras porque contêm os desbastes da vida: os excessos e as depressões, as frustrações e os desejos. O crente é sempre um narrador. E a oração é sempre um conto.
Segunda cena: há muita confusão em volta. De fato, há muita gente indo e vindo. Os apóstolos não tinham tempo nem para comer. Essas são imagens de envolvimento cheio de sucesso: há muitas pessoas procurando o grupo. Suas ações são famosas. As imagens agora estão desfocadas, borradas. O Mestre está calmo, ouve-os e depois diz o que pensa. Mas não replica elogiando ou dando conselhos para o futuro, como se fosse um bom treinador. Pelo contrário, simplesmente diz: “Vinde vós, aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco”. É preciso silenciar as palavras e ficar em disparte para descansar. Jesus não gosta de eficiência. Os apóstolos não são astros em turnês, nem são espertos vendedores ambulantes de ideias. Descansar é permitir que aquele relato de ações e ensinamentos penetre profundamente na vida daqueles que os viveram. Nossa vida é, às vezes, uma sequência de imagens fotográficas que depois ficam queimadas porque não foram reveladas. Ir para um “retiro” é entrar na câmara escura para ver as cores e os contornos da vida.
Quando se percebe que “não se tem tempo”, como está acontecendo agora com os apóstolos, é preciso parar para avaliar onde se está e o que se está fazendo. É preciso colocar tudo novamente em foco. A missão de Jesus exige o descanso que reconcilia consigo mesmos, revela o sentido e a permite entender. “E foram sós num barco para um lugar deserto”. A história termina aqui? Não.
Terceira cena: muitos veem os movimentos de Jesus e dos seus e entendem qual é o seu destino. Põem-se a caminho e os precedem. Partem em perseguição, em suma. O barco que sulca as águas não supera o desejo que se comunica aos pés daqueles que pretendem seguir o Mestre. As pessoas estão sedentas.
Então Jesus, ao sair do barco, “vê uma grande multidão e se compadece dela, porque são como ovelhas que não têm pastor”. Marcos vê Jesus que, vendo a multidão, se detém com ela para conversar, ensinando. Marcos aponta para os olhos de Jesus e capta o olhar do pastor. E lê seus sentimentos.
Há, de fato, algo que interfere diretamente com os planos de Deus. Há um sentimento que supera o desejo de Jesus de encontrar um tempo de descanso: a compaixão por um rebanho perdido. Essa é a imagem que o comove visceralmente: a dispersão, o caos, a falta de orientação, a desorientação. A “compaixão” de Jesus é, na verdade, de acordo com o termo grego, um tremor emocional diante de um povo perdido, como um rebanho sem pastor. Não se trata de um sentimento, mas de um instinto. É o instinto divino que “ativa” Deus e o leva a ser o que ele é: um pastor cuidando de um rebanho disperso. Nossa desorientação seduz Deus. Infalivelmente.
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Fé. Jesus não gosta de eficiência e os apóstolos não são estrelas em turnê. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU