21 Novembro 2023
"Combater o racismo em todas as suas formas, abertas ou disfarçadas; empenhar-se na luta diária por justiça e igualdade de oportunidades para todos, recriar o fio ameaçado da “amizade social” (Campanha da Fraternidade de 2024) que nos tornem fratelli tutti (todos irmãos), comemorar e agradecer a contribuição da comunidade negra para o enriquecimento deste País – parece ser uma boa receita para celebrar o feriado de 20 de novembro", escreve o Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), São Paulo.
Não foi só a perda das raízes em terras da África, não foi só a travessia de vida ou morte no “navio negreiro” (Castro Alves), não foi só o trabalho forçado no eito ou na mina, não foi só a tortura do chicote e do tronco, não foi só a captura aos “fugitivos” por parte do capitão do mato, não foram só as condições precárias de moradia na senzala, não foi só uma abolição com sabor de condenação à pobreza e à fome… A escravidão continua sendo um estigma gravado a ferro e fogo na pele e na alma da população brasileira de origem negra.
O resultado desse estigma continua abrindo profundas feridas na existência de seus descendentes. O estigma reproduz-se na diferença de oportunidades entre brancos e pretos no mercado de trabalho. E mesmo dentro deste último, reflete-se na defasagem dos salários entre uns e outros, para serviços iguais, como ocorre, de resto, entre os homens e as mulheres. A mesma chaga apresenta-se também nas escolas e faculdades, com o bullying sofrido pelos estudantes; nas ruas, praças e meios de transportes, devido ao racismo estrutural; nas instituições e instâncias públicas, frutos podres do preconceito e da discriminação generalizada. Tudo isso nos faz questionar pela raiz o conceito de equivocado de “democracia racial”.
O Dia Nacional da Consciência Negra, entretanto, além de representar uma ocasião de contínua luta pela resistência, é também motivo de comemoração e agradecimento. De fato, as expressões culturais e religiosas trazidas da outra margem do Oceano Atlântico enriqueceram historicamente (e continuam a enriquecer) a sociedade brasileira como um todo. A memória dos quilombos, quase esquecida no currículo escolar, representa um grito de liberdade que, até os dias atuais, ecoa nos movimentos populares e organizações sociais. Com isso, a consciência negra se funde aos anseios das multidões oprimidas e fortalece inúmeras lutas sociopolíticas de libertação.
Mas não é só isso. A beleza da capoeira, a teimosia e resiliência diante das dificuldades, a dança e o samba, a rica diversidade da culinária, as distintas modalidades de esporte, a capacidade inovadora e criativa, se e quando encontra espaço no processo educativo nacional, com políticas públicas adequadas, entre tantas outras dádivas, revestem nossos encontros, eventos e festas com uma alegria intensa, genuína e profunda. Coisa que contrasta positivamente com o suor, o sangue e as lágrimas da famigerada escravidão. Verifica-se, neste caso, uma grande capacidade de superação, apesar de tantas lembranças doloridas e amargas.
Combater o racismo em todas as suas formas, abertas ou disfarçadas; empenhar-se na luta diária por justiça e igualdade de oportunidades para todos, recriar o fio ameaçado da “amizade social” (Campanha da Fraternidade de 2024) que nos tornem fratelli tutti (todos irmãos), comemorar e agradecer a contribuição da comunidade negra para o enriquecimento deste País – parece ser uma boa receita para celebrar o feriado de 20 de novembro.
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Dia Nacional da Consciência Negra. Artigo de Alfredo J. Gonçalves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU