03 Agosto 2023
"Refletindo sobre a doutrina luterana da lei, poder-se-ia até mesmo afirmar que a prática católica do preceito, afinal, é mais realista: DEVERIA ser supérflua, mas como somos quem somos, até o dom de Deus deve ser apresentado a nós como lei. E Lutero efetivamente o diz: a lei (ele especifica a dimensão eclesial dessa lei, mas o faz em termos não exatamente ecumênicos e, portanto, renuncio à citação literal) serve justamente para aqueles que são teimosos demais para se alegrar com o evangelho", escreve Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado através de sua página do Facebook, 01-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O levantamento nos EUA que o site Settimana News (em português, clique aqui) divulga confirma todas as pesquisas sociológicas realizadas no Ocidente: a porcentagem de "protestantes-protestantes" (luteranos, reformados, metodistas e também batistas) que frequentam regularmente o culto dominical é inferior a TODAS as outras expressões cristãs, ou seja: à ortodoxia, ao catolicismo romano e aos movimentos evangélicos de vários tipos. Os números podem variar (aqueles estadunidenses certamente não são os piores), mas, em igualdade de situações, nenhum tipo de cristianismo negligencia o culto mais do que os protestantes. Todos/as nós sabemos disso desde sempre, mas isso não diminui o caráter vergonhoso do fato: pelo contrário, o exaspera. Obviamente não estamos falando de situações de necessidade ou de dificuldades pessoais, logísticas, ambientais: trata-se de um dado que expressa uma mentalidade. Errada.
A fé evangélica afirma que onde a palavra de Deus é pregada e a Ceia do Senhor é celebrada, Cristo está REALMENTE presente no poder do Espírito Santo. A observação segundo a qual o Senhor também pode se fazer presente em outro lugar é óbvia, mas fútil e, nesse contexto, enganosa: ele associou a sua promessa a esses momentos, de maneira particular. Não frequentar o culto dominical, portanto, significa negligenciar o dom de Deus.
Colocando à dura prova o meu sistema nervoso e cardiovascular, alguém ocasionalmente se sente compelido a me lembrar que a fé evangélica não conhece algo como um "preceito" dominical. É verdade, mas depende do fato de que nem mesmo ocorreu à Reforma rotular como preceito aquilo que é simplesmente parte constitutiva da existência cristã. Aliás, refletindo sobre a doutrina luterana da lei, poder-se-ia até mesmo afirmar que a prática católica do preceito, afinal, é mais realista: DEVERIA ser supérflua, mas como somos quem somos, até o dom de Deus deve ser apresentado a nós como lei. E Lutero efetivamente o diz: a lei (ele especifica a dimensão eclesial dessa lei, mas o faz em termos não exatamente ecumênicos e, portanto, renuncio à citação literal) serve justamente para aqueles que são teimosos demais para se alegrar com o evangelho. A lei é uma espécie de chicote (assim diz ele) de Deus, que também tem um ministério especial que a utiliza... A liberdade evangélica é o contrário da deserção do culto. No entanto, afirma Lutero, se você entender mal a liberdade, são melhores para você o código penal religioso e uma espécie de polícia eclesiástica para aplicá-lo.
Quando eu era jovem, me explicavam que ir à igreja não basta para ser cristãos/ãs. Continua sendo verdadeiro. "Não basta" significa: não é uma condição suficiente. Mas é condição necessária. Até se pode ir à igreja e ser carola em vez de ser crente, é claro: isso acontece, de fato, com muita frequência. Mas não se pode ser cristão desertando o culto da comunidade. É APENAS o primeiro passo da fé. Mas é um passo indispensável. Quem o negligencia por superficialidade assume uma responsabilidade cuja extensão talvez não consiga medir. Mencionar Mt 7,21 NESSE ponto e NESSE contexto é, se quisermos ser benevolentes, um disparate.
OBS: E se no lugar de ir à igreja eu acompanho o culto em streaming? Perfeito! Avalie, porém, se lhe é possível, pelo menos ocasionalmente (por exemplo: quando é celebrada a ceia do Senhor), ir pessoalmente: uma igreja cheia também melhora o streaming.
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Uma vergonha protestante. Artigo de Fúlvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU