31 Março 2023
As políticas públicas são fundamentais para a agricultura familiar se fortalecer e produzir alimentos. É consenso entre entidades e movimentos do campo que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por exemplo, ajudam os agricultores e as agricultoras na organização das cadeias produtivas, possibilitando a viabilidade econômica e a permanência das famílias trabalhando na terra.
A reportagem é de Catiana de Medeiros, publicada por Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/RS, 30-03-2023.
Djones Zucolotto, do setor de comercialização da Cooperativa Terra Livre de Nova Santa Rita, localizada na região Metropolitana de Porto Alegre, lembra que a agricultura familiar, por ser caracterizada pela pequena quantidade de terra disponível para produzir e obter renda, necessita desse apoio público “justamente por não ter condições econômicas suficientes para contratação de uma assistência técnica que auxilie no aumento da produção e produtividade da propriedade, bem como a pensar sistemas sustentáveis e que protejam o meio ambiente”.
O Pnae e o PAA são grandes impulsores de diversas cadeias produtivas em assentamentos da Reforma Agrária, possibilitando a comercialização de uma variedade de produtos para o mercado institucional. “Atualmente, a principal política pública que tem contribuído para a manutenção da cadeia produtiva do arroz orgânico, leite, suco e feijão é o Pnae, em que a legislação obriga que pelo menos 30% dos alimentos consumidos nas escolas sejam adquiridos da agricultura familiar. Certamente, essa política hoje é responsável pela compra de mais de 80% dos alimentos que são produzidos em escala nos assentamentos”, ressalta Zucolotto.
Foto: Maiara Rauber | MST-RS
De acordo com Everton Silva, do setor comercial da Cooperativa Cooperforte de Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, além de prefeituras e escolas estaduais, os exércitos são os principais compradores da produção dos assentamentos, como os hortifrutigranjeiros, leite, arroz orgânico, feijão, suco e queijos. Já a Cooperativa Terra Livre, em 2022, teve aproximadamente 90 contratos entre escolas estaduais e prefeituras. “Uma peculiaridade é que temos muitas cooperativas da agricultura familiar aqui no estado e isso acaba gerando uma certa competitividade. Por isso, é muito importante fortalecer o programa de forma que todos consigam ser contemplados e beneficiados”, alerta Zucolotto.
O enfraquecimento dos dois programas nos últimos anos acabou impactando a produção e comercialização, resultando na diminuição da renda das famílias assentadas. Conforme Zucolotto, muitas delas reduziram a área plantada e o tamanho do rebanho leiteiro e arrumaram outras formas de obter renda para complementar o sustento familiar. “Houve o enfraquecimento das nossas cooperativas tanto na perspectiva organizativa das famílias, quanto econômico e financeiro, pois sem ter para quem vender diminuiu o capital de giro e, consequentemente, a vida ativa das cooperativas se fragilizou”, relata.
Além do fortalecimento do Pnae e do PAA, Zucolotto comenta que a agricultura familiar necessita de políticas que dialoguem com as mais variadas necessidades de quem vive e trabalha no campo. As demandas do setor também envolvem o acesso à energia elétrica de qualidade; sistemas de irrigação, principalmente no Rio Grande do Sul, onde ocorrem estiagens seguidas e cada vez mais fortes nos últimos anos; políticas que fortaleçam o modo de trabalho cooperativo através da estruturação das cooperativas, associações e grupos coletivos, e que ajudem na comercialização dos alimentos.
“Também precisamos de políticas de incentivo à permanência do jovem no campo, e de reconhecimento e valorização do trabalho das mulheres agricultoras. Outra política extremamente importante é a da desapropriação de terras para o assentamento de famílias camponesas Sem Terra, gerando dinâmicas na economia local dos municípios”, aponta.
Foto: Maiara Rauber | MST-RS
Além de sofrerem os impactos do enfraquecimento de políticas públicas para a produção e comercialização de alimentos, agricultores familiares e assentados viveram nos últimos quatro anos o drama da falta de chuva no estado. Diante da situação de acúmulo de prejuízos, a busca de ajuda aos governos é constante. Porém, tanto o ex-presidente Bolsonaro quanto o governador Eduardo Leite não priorizam a atenção ao setor.
Na cultura de arroz orgânico no MST, este ano, a estiagem atingiu lavouras nas regiões Carbonífera e Fronteira Oeste. “Os reservatórios não foram suficientes para irrigação das lavouras durante o seu ciclo. Por esse motivo, as perdas podem chegar a 25% a 30% na produção e perda de qualidade na formação do grão, ocasionando uma queda na renda e no rendimento do produto”, explica Celso Alves da Silva, da coordenação do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico.
Agora, com Lula na presidência, a pauta da estiagem volta à centralidade do governo federal. Dia 23 de fevereiro, os ministros do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; do Desenvolvimento Social, Wellington Dias; da Secretaria de Comunicação da Presidência, Paulo Pimenta; e o próximo presidente da Conab, Edegar Pretto, estiveram em Hulha Negra, na região da Campanha, para anunciar o repasse de R$ 430 milhões em ações emergenciais nas áreas da agricultura, desenvolvimento social e defesa civil. Segundo Teixeira, o governo Lula também vai enfrentar o problema com políticas estruturantes, num intenso diálogo com o governo do estado, prefeituras, entidades e movimentos do campo.
Para Roberta Coimbra, da direção estadual do MST, o socorro do governo federal é uma importante saída para a crise. “Todo o estado está mobilizado para que a gente monte, junto ao governo Lula, um plano estratégico de combate à estiagem. Nós queremos estruturas que deem condições das famílias viverem no campo, tomando água potável, produzindo comida, mantendo o bem-estar dos animais. Que nos deem condições de ajudarmos, com a produção dos assentamentos, a combater a fome no Brasil”, salienta.
Foto: Alex Garcia | MST-RS
A Campanha possui 58 assentamentos e foi escolhida para o anúncio por ser uma das mais prejudicadas pela falta de água no estado, devido à estiagem combinada com o avanço da mineração. O resultado, em épocas como essa, é a redução drástica dos reservatórios de água para o consumo humano e dos animais, além da baixa ou até mesmo inexistente produtividade de alimentos. Isso acaba impactando na renda das famílias e na economia local.
Dos sete municípios da Campanha, somente Dom Pedrito não decretou situação de emergência em decorrência da estiagem, ainda que sofra com a falta de água. Em todo o estado, o número de municípios nessa situação chega, até o momento, a 340.
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Políticas públicas impulsionam a produção de alimentos no Rio Grande do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU