14 Dezembro 2022
Estou em Gênova para receber um prêmio que leva o nome de uma grande cientista: Hipátia de Alexandria. Considero os genoveses acolhedores e generosos, tão preocupados quanto eu com o que está acontecendo no Irã e na Ucrânia. Mas o preocupante é que quase dois mil anos depois ainda existam mulheres que sofrem o que Hipátia sofreu pela simples razão de que pensaram por si mesmas, quiseram estudar, investigar e se opor ao totalitarismo.
O comentário é de Dacia Maraini, escritora e poetisa italiana, em artigo publicado por Corriere della Sera, 13-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fico satisfeita que o prêmio dê a oportunidade de lembrá-la. Para quem não sabe, Hipátia foi uma astrônoma grega que vivia na colônia romana do Egito e mais precisamente em Alexandria. Estamos no V século d.C. e o Império Romano que domina o mundo recentemente decidiu adotar a religião cristã. Mas Hipátia não era crente. Ela era uma mulher culta, filha de um grande filósofo, Téon, que a apresentou quando criança aos rudimentos da ciência. Podemos encontrá-la na praça ensinando aos jovens, frequentando a grande e preciosa biblioteca de sua cidade e passando o tempo livre observando as estrelas.
Hipátia de Alexandria, a primeira mulher matemática da história (Foto: A. Seifert | Wikimedia Commons)
É a ela que devemos a invenção do astrolábio e do hidroscópio, instrumentos experimentais para o estudo matemático do firmamento. Ela é a primeira cientista que teoriza algo inédito para a época: ou seja, que a Terra não é o centro do universo, mas um planeta que gira em torno do sol em um universo cheio de outros planetas. Isso a torna suspeita e logo começam as perseguições por parte dos fundamentalistas, sobretudo os partidários do bispo Cirilo, que aspirava ao governo absoluto da cidade, no lugar do questor romano Orestes.
E um dia, quando a jovem falava de estrelas diante de um público de estudantes, foi arrastada à força num carro pelo grupo de Parabolanos (seita de fanáticos cristãos), estrangulada e despedaçada. Parece que enquanto ela ainda estava viva, seus olhos foram arrancados porque seu olhar havia pousado hereticamente sobre o universo.
Hoje, em 2022, os fanáticos religiosos iranianos, em nome de um Deus ciumento e punitivo, prendem, chicoteiam e atiram na cara e na genitália das mulheres que pretendem, como Hipátia, reivindicar uma liberdade de estudo e pensamento, não admitida pela hierarquia eclesial.
O que se deduz disso? Que a fé é um maravilhoso ato de amor, mas deve ser mantida absolutamente separada do poder constituído. Quando se pretende impô-la, decidindo não apenas os comportamentos, mas até mesmo os pensamentos e as palavras das pessoas, especialmente das mulheres, afunda-se no ódio e na brutalidade.
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A cientista Hipátia e as mulheres de hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU