"O substitucionismo é totalmente incompatível com uma relação correta entre a Igreja e Israel. E que a relação com Israel, para a Igreja, é realmente algo vital", escreve Brunetto Salvarani teólogo italiano, professor da Faculdade Teológica da Emília-Romanha. O artigo foi publicado por Rocca, 01-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em vista do próximo Dia do Diálogo entre Cristãos e Judeus (17 de janeiro), abordamos um tema delicado, mas incontornável. A história das relações entre judeus e cristãos, no longuíssimo período anterior à declaração conciliar Nostra aetate (1965), tem início com o nascimento da comunidade cristã: portanto, dura quase vinte séculos. De muitas maneiras, poderia ser resumida numa imagem que se encontra em várias catedrais e obras artísticas: aquela, acoplada e significativamente oposta, da Sinagoga e da Igreja. Aqui, uma mulher inclinada ou virada para o lado, muitas vezes com os olhos vendados, para aludir à sua cegueira diante do advento salvífico de Cristo-Messias; lá, outra figura feminina, triunfante, em evidente atitude de vitória sobre a primeira.
Antelami, na Catedral de Parma, que data de 1178 e mostra precisamente duas figuras desse tipo, com a Sinagoga à esquerda da cruz, entre os personagens negativos, com a cabeça abaixada por um anjo, para indicar sua justa vergonha pelo que fez. Trata-se de uma representação plástica da teoria cristã da substituição: quando a Igreja já tomou o lugar da Sinagoga, e é o Cristianismo que se considera para todos os efeitos o novo (e autêntico) Israel. Os judeus, ainda presentes na sociedade cada vez mais cristianizada, desde o II século estão assim condenados a um estado de subordinação: verdadeiros símbolos do erro supremo, apesar de si mesmos, inevitavelmente se transformarão em testemunhas privilegiadas da verdade incontestável da mensagem cristã.
Deve-se admitir: a questão do substituicionismo deve ser considerada o primeiro e maior obstáculo para uma compreensão renovada das relações entre judeus e cristãos.
Se a teoria substitucionista resolvia a relação entre Israel e a Igreja em termos de sucessão e herança, agora, no tempo pós-conciliar, ao aceitar seu declínio, "a relação entre o povo do Antigo e do Novo Testamento pode ser redirecionada em termos que ponham em evidência o enxerto do segundo no primeiro, fazendo emergir a novidade sem declarar abolido o antigo” (E. Castellucci).
Olhando para as perspectivas futuras do diálogo, nos seus aspectos mais cruciais, ao lado dos inevitáveis reflexos sobre a cristologia da redescoberta judaica da figura de Jesus, há, portanto, aquelas sobre a eclesiologia. Sobre a qual o substitucionismo teve grande peso, historicamente, mas continua a tê-lo, direta ou indiretamente, ainda hoje.
Emblemático, deste ponto de vista, continua sendo o exitoso texto do exegeta alemão Wolfgang Trilling intitulado O verdadeiro Israel (ed.or. 1958), que, estudando a relação entre o Evangelho de Mateus e o Primeiro Testamento, consegue argumentar que a Igreja seria "não um novo Israel, que substituiu o antigo, mas o verdadeiro Israel, aquele genuíno, como Deus o pensou desde o início". Ele, portanto, adotava uma espécie de substitucionismo total, que, no entanto, olhando bem, resulta extrínseco à intenção de Mateus, especialmente porque a própria fórmula adotada aqui de verdadeiro Israel não é encontrada nem naquele Evangelho nem em todo o Novo Testamento.
Ao contrário, aparece, com uma virada que não é arriscado definir como radical, na literatura patrística a partir do II século, com Justino no Diálogo com Trifão e Tertuliano no Adversus Iudaeos; enquanto os materiais do Novo Testamento geralmente utilizados em chave substitucionista, da parábola dos lavradores assassinos de Mt 21,33-43 até os três capítulos paulinos centrais de Rm 9-11, após uma análise cuidadosa, parecem muito mais articulados e dificilmente redutíveis àquela substância.
O evangelho foi proclamado por um ‘nós’ hebraico ('nós somos judeus por natureza e não pecadores dentre os gentios’, Gl 2,15) ou para irmãos judeus ou um ‘vós’ gentio.
De fato, o Novo Testamento sabe da existência de judeus que pregavam a boa nova a judeus e gentios, mas não de um gentio que a anuncia aos judeus: no II século, porém, começa a aparecer um ‘nós’ cristão que afirma a pretensão de julgar, herdar e substituir as outras componentes, principalmente aquela judaica, a ponto de lançar as bases de um verdadeiro sistema antijudaico.
Tanto é assim que se poderia considerar, de alguma forma, a teologia da substituição como a resposta historicamente vencedora para refutar uma suposta primazia da verdade judaica anterior em relação àquela de um cristianismo agora quase inteiramente gentio. A própria Pontifícia Comissão Bíblica, em seu importante documento de 2001 sobre O povo judeu e suas Sagradas Escrituras na Bíblia cristã, explica a situação nos seguintes termos, com referência aos materiais do Novo Testamento citados acima: “A conclusão tirada de todos esses textos é que os primeiros cristãos tinham consciência de estar em profunda continuidade com o desígnio de aliança manifestado e realizado pelo Deus de Israel no Antigo Testamento. Israel continua a se encontrar em uma relação de aliança com Deus, porque a aliança-promessa é definitiva e não pode ser abolida. Mas os primeiros cristãos tinham consciência de que viviam uma nova etapa deste desígnio, uma etapa que havia sido anunciada pelos profetas e agora inaugurada pelo sangue de Jesus, o sangue da aliança, porque derramado por amor (cf. Ap 1,5b-6)" (n. 35).
Para compreender o quanto a Igreja, tanto antes quanto depois da Páscoa de Jesus, se percebesse em profunda continuidade com a antiga aliança, aliás, bastaria refletir sobre a autocompreensão da comunidade reunida por Jesus em seu ministério público e sobre aquela da mesma comunidade depois da Páscoa. A Igreja primitiva, bem consciente de se enxertar no sulco da aliança estipulada por Deus com os pais do Primeiro Testamento, era de fato igualmente ciente de já ter atrás de si o evento histórico crucial de tal aliança, ou seja, o envio do Messias por Deus e o dom do Espírito do fim dos tempos (ver, por exemplo, o discurso de Pedro depois do Pentecostes em Atos 2,14-41): e sabia que esta era a matriz original de sua pertença a Israel.
Será tal matriz que se mostrará logo mais decisiva do que parecia no início, a ponto de conduzir a comunidade de Jesus ressuscitado à convicção de representar algo de relativamente novo em relação a Israel. Daí a inserção, ainda em época patrística, da fórmula novo Israel, cujas primeiras evidências podem ser encontradas, no II século, na chamada Carta de Barnabé, que argumenta em torno do novo povo preparado por Deus, e em Irineu de Lyon, o primeiro a declarar explicitamente a Igreja como o novo Israel.
No entanto, ao contrário da expressão verdadeiro Israel, que nunca é encontrada no Vaticano II, as fórmulas novo povo de Deus e novo Israel têm espaço nos textos conciliares: na passagem crucial da Lumen gentium 9, onde é delineada a constituição fundamental do tema Igreja = novo povo de Deus, que terá grande fortuna, mas também na Lumen gentium 10, 13 e 26 e na Nostra aetate n. 4; enquanto na própria Lumen gentium 9 e na Ad gentes 5 a Igreja é referida como o novo Israel. Não se trata, é preciso frisar, de textos polêmicos em relação a Israel, nem exclusivistas em sentido próprio: mais que absorver ou suplantar o povo judeu, a Igreja aqui pretende destacar como a ela se coloca ao lado e se integra a ele com uma própria especificidade.
A tensão, no entanto, permanece, e é plenamente fotografada na famosa abertura da Nostra aetate n. 4: “Sondando o mistério da Igreja, este sagrado Concílio recorda o vínculo com que o povo do Novo Testamento está espiritualmente ligado à descendência de Abraão”. Pouco depois, o mesmo parágrafo, introduzindo precisamente a categoria de povo de Deus, recorre a uma forma concessiva, como que a denunciar um certo embaraço: “E embora a Igreja seja o novo Povo de Deus, nem por isso os judeus devem ser apresentados como reprovados por Deus e malditos, como se tal coisa se concluísse da Sagrada Escritura". Há como que uma tensão teológica não resolvida entre o reconhecimento de Israel como povo de Deus junto com a Igreja e a identificação de uma originalidade cristã em relação a Israel; entre o desejo de superar o substitucionismo tradicional e a ideia de que a prerrogativa de constituir o sacramento da salvação tenha sido transferida para a própria Igreja. Como sair disso?
O Papa João Paulo II proferiu uma palavra clara sobre o assunto, na reflexão realizada em Mainz em 17 de novembro de 1980, que ficou para a história como o Discurso sobre a aliança nunca revogada. Naquela ocasião, de fato, o papa polonês, por um lado, afirmou que “quem encontra Jesus encontra o judaísmo” e, por outro, auspiciou abertamente um “encontro entre o povo de Deus do Antigo Testamento (. . .) e aquele do Novo Testamento”. A frase refere-se evidentemente a Rm 11,29, e ao fato de que os dons e lição divinos são irrevogáveis (ametaméleta), mas também mostra como a virada histórica da Nostra aetate nos permite reler a própria revelação de uma maneira nova.
A partir de tal diretriz, é legítimo argumentar que o marcionismo rastejante que tem afligido a eclesiologia cristã, a ponto de levá-la a considerar os eventos do antigo Israel apenas como uma etapa totalmente superada pelo Novo Testamento, deve ser decididamente corrigido: abandonando, precisamente, a infeliz fórmula verdadeiro Israel, e integrando oportunamente as expressões novo povo de Deus e novo Israel. De resto, o repensamento eclesiológico ainda tem de ser em boa parte realizado: de fato, não se trata de retocar aqui e ali a doutrina sobre a Igreja, mas de reconsiderar globalmente o seu arranjo, em relação à autocompreensão atual do povo judeu. Em outras palavras: com a superação do substitucionismo tradicional, a Igreja é chamada a reformular sua continuidade com a história que Deus iniciou com Israel, em termos que respeitem a compreensão que hoje Israel tem de si mesmo.
Sem, portanto, qualquer intenção de anexá-lo, nem de declará-lo superado.
Excelentes indicações para o caminho a percorrer vêm do magistério e, em particular, nas Notas para uma correta apresentação dos judeus e do judaísmo na pregação e na catequese da Igreja Católica, de 1985, que exortam a Igreja a inserir mais profundamente na sua própria autoconsciência a perspectiva escatológica, explicitando-a em relação a duas categorias eclesiológicas fundamentais: o corpo de Cristo e o povo de Deus. Por um lado, lemos que a Igreja, "já realizada em Cristo, no entanto espera a sua perfeição definitiva como corpo de Cristo.
O fato de o corpo de Cristo ainda tender para a estatura perfeita (cf. Ef 4,12-13), em nada diminui o valor de ser cristão”. Por outro lado, procura-se ressaltar que, "acentuando a dimensão escatológica do cristianismo, chegar-se-á a uma maior consciência de que, quando o povo de Deus da antiga e da nova aliança considera o futuro, tende - ainda que a partir de dois pontos de vista diferentes - para fins análogos: a vinda ou o retorno do Messias. E perceberemos mais claramente que a pessoa do Messias, sobre a qual está dividido o povo de Deus, constitui para este povo também um ponto de convergência”. O judaísmo ajudaria, portanto, toda a Igreja a conservar a consciência de ser um povo peregrino, ainda em caminho rumo ao Reino.
É claro que, para concluir esta breve panorâmica, deve-se admitir que o substitucionismo ainda é difundido, em vários níveis, e que a categoria de novo Israel para indicar a Igreja nunca desapareceu completamente. É por isso que é necessário repetir novamente com firmeza que o substitucionismo é totalmente incompatível com uma relação correta entre a Igreja e Israel. E que a relação com Israel, para a Igreja, é realmente algo vital.