02 Dezembro 2022
Por ocasião do Dia Mundial de Luta contra a AIDS, celebrado em 1 de dezembro, a ONU destaca como as desigualdades econômicas, sociais e de gênero estão desacelerando o combate à pandemia. Sobre a qual (quase) ninguém mais fala.
A reportagem é de Anna Pozzi, publicada por Mondo e Missione, 30-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Equalize” é uma daquelas palavras do inglês difíceis de traduzir para outra lígua: significa tornar mais igual, mas também mais justo. É o slogan da agência das Nações Unidas para a luta contra o HIV-Aids (UNAIDS), para o Dia Mundial contra essa pandemia que se celebra em 1 de dezembro. E que também este ano enfoca o tema das desigualdades. “Desigualdades Perigosas”, aliás, é o título do novo relatório, que reitera o impacto negativo que as muitas iniquidades e desigualdades presentes no mundo têm também no combate a essa terrível pandemia, de que, aliás, se fala cada vez menos.
O HIV-Aids é a grande esquecida de muitas batalhas - inclusive midiáticas - que ao longo dos anos foram travadas para combater uma doença que continua atingindo 38,4 milhões de pessoas no mundo, a maioria das quais (25,6 milhões) concentradas na região subsaariana da África.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o HIV-Aids continua sendo um grave problema de saúde pública. Só em 2021, cerca 650 pessoas morreram de causas relacionadas ao vírus, somando-se às mais de 40 milhões de mortes causadas pela doença desde que apareceu pela primeira vez. Uma doença que, aliás, continua a se espalhar: no ano passado, 1,5 milhão de pessoas contraíram o vírus.
Mas todos os esforços de prevenção e de cura se reduziram de forma preocupante, também devido a outra pandemia, a do Coronavírus, que concentrou todas as atenções e muitos recursos sobre si.
O relatório "Desigualdades Perigosas" confirma o que tem sido uma constante em todos esses anos: ou seja, que as desigualdades de gênero e várias formas de discriminação contra as mulheres não só tornam estas últimas mais vulneráveis, mas também freiam o combate à propagação da pandemia.
Em particular, na África subsaariana, as mulheres representaram 63% das novas infecções por HIV em 2021. Adolescentes e mulheres jovens (entre 15 e 24 anos) têm três vezes mais probabilidades de contrair o vírus do que seus pares do sexo masculino. Também porque muitas vezes são excluídas precocemente dos sistemas educativos. De acordo com o UNAIDS, permitir que as garotas concluam o ensino médio reduz sua vulnerabilidade à infecção em até 50%. Infelizmente, devido justamente à pandemia de Covid-19 e às medidas também implementadas pelos governos africanos para a combater, as escolas permaneceram durante muito tempo fechadas provocando enormes dispersão escolar. Isso afetou, acima de tudo, muitas meninas e garotas que muitas vezes foram forçados a casamentos precoces. Além disso, em 19 países africanos, programas específicos de prevenção combinada para adolescentes e jovens mulheres estão em funcionamento em apenas 40% dos locais com alta incidência de HIV.
“Devemos enfrentar as várias desigualdades que as mulheres são forçadas a enfrentar”, declarou Winnie Byanyima, diretora executiva do UNAIDS. Em áreas de alta difusão de HIV, as mulheres submetidas à violência por parceiro têm até 50% mais probabilidades de contrair o HIV. Em 33 países, de 2015 a 2021, apenas 41% das mulheres casadas de 15 a 24 anos foram capazes de tomar suas próprias decisões sobre a saúde sexual. O único caminho eficaz para acabar com a AIDS, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e garantir saúde, direitos e prosperidade compartilhada é um caminho que coloca as mulheres no centro. Organizações e movimentos de direitos das mulheres já estão na linha de frente na atuação desse corajoso trabalho. Os líderes precisam apoiá-los e aprender com eles."
No entanto, as crianças também são particularmente vulneráveis e estão em risco. Segundo a OMS, apenas 52% das crianças que vivem com HIV estão em tratamento para salvar a vida. E é também a partir deles que devemos recomeçar porque, ressalta a OMS: “Se conseguirmos mostrar progressos na erradicação de novas infeções entre as crianças e garantir que todos recebam antirretrovirais (ARVs) de qualidade, temos maiores esperanças e podemos garantir maior empenho política para acabar com a AIDS em todas as populações até 2030".
Em nível global, 70% das novas infecções por HIV ocorrem entre pessoas marginalizadas e muitas vezes criminalizadas. “Só podemos acabar com a AIDS ampliando os serviços e removendo as barreiras estruturais, o estigma e a discriminação das populações-chave em cada país”, insiste a OMS. Além disso, porém, há também a necessidade de aumentar a disponibilidade, qualidade e adequação dos serviços tanto na prevenção quanto no tratamento do HIV-Aids, para que todos possam realmente acessá-los.
E mesmo que muitos avanços tenham sido dados nos últimos anos tanto na prevenção quanto no acesso a medicamentos, ainda há muito a ser feito. Infelizmente, porém, a sensibilidade e a conscientização diminuíram em vez de aumentar, especialmente desde esses tempos, em que até mesmo as campanhas de conscientização e prevenção realizadas de forma generalizada e massiva em toda a África (e em outros lugares) diminuíram drasticamente.
Segundo o UNAIDS, durante os dois anos marcados pela Covid-19 e outras crises globais, o progresso contra a pandemia de HIV-Aids desacelerou acentuadamente, assim como os recursos diminuíram muito, especialmente nos contextos onde serviços básicos – como exames, tratamentos e novas tecnologias – não estão adequadamente disponíveis.
Acabar com o HIV-Aids é um dos objetivos de desenvolvimento sustentável contidos na agenda 2030, mas a conjuntura atual não permite esperar nada de bom para sua consecução, dadas as graves desigualdades econômicas, sociais e culturais que ainda persistem – e, aliás, se acentuam - quase em todo o mundo. "Podemos acabar com a AIDS se acabarmos com as desigualdades que a perpetuam", declarou Winnie Byanyima. Neste Dia Mundial, precisamos que todos se envolvam em compartilhar essa mensagem para manter todos seguros e proteger a saúde de todos."
Mesmo na Itália os dados não são tranquilizadores. Nos últimos anos, de fato, os novos diagnósticos de HIV diminuíram, especialmente em 2020, quando foram notificados 1.303 novos casos, devido à emergência da Covid-19. Por outro lado, aumentou o número de pessoas que não sabem que são seropositivas e que apresentam sintomas ou patologias relacionadas com o HIV. Um dado alarmante é a proporção de indivíduos diagnosticados com AIDS (doença manifesta), que descobriram sua positividade para o HIV há menos de 6 meses: 80% em 2020 em comparação com 48% em 2000.
Além disso, se desde 2016 diminuiu ligeiramente o número de pessoas com uma doença sexualmente transmissível (DST), com exceção de clamídia e gonorreia (esta última dobrou), a prevalência de infecção pelo HIV entre pessoas com uma DST confirmada em 2019 é cerca de quarenta vezes maior do que a estimada na população geral italiana.
Outra questão crítica é a falta, ou inadequação, dos fundos. Na Lombardia, por exemplo, existem 23 alojamentos (com 250 vagas) destinadas a doentes de AIDS e pessoas vulneráveis com múltiplos problemas de saúde, ou seja, a metade das atualmente existentes na Itália, mas as taxas estabelecidas com uma resolução da Região Lombardia em 2005 nunca foram atualizadas. Não só: essas estruturas foram praticamente “esquecidas” durante a emergência do Coronavírus e agora, com a crise na Ucrânia e o aumento dos custos da energia, encontram-se em grandes dificuldades e algumas correm o risco de fechar.
Entre as muitas iniciativas realizadas nas últimas décadas na Itália, o centro Dom Isidoro Meschi, comunidade residencial que acolhe homens e mulheres que convivem com o vírus HIV, está comemorando 30 anos de serviço. Inaugurado pela Caritas Ambrosiana em 27 de novembro de 1992, atualmente está sediado em Villa Aldé em Lecco.
Em três décadas, o Centro Dom Meschi assistiu 242 pessoas, prestando-lhes cuidados médicos e psicológicos e acompanhando-as nos caminhos da reinserção social e profissional. Inicialmente, as pessoas portadoras de HIV, muitas vezes muito jovens e com vínculos familiares rompidos, tinham grande probabilidade de não sobreviver à doença. O acolhimento pós-hospitalização acompanhou-os com os instrumentos dos cuidados paliativos até ao momento da morte; 53 das 75 mortes registradas no Dom Meschi ocorreram nos primeiros 10 anos de funcionamento da estrutura. Posteriormente, o advento dos medicamentos anti-HIV cada vez mais potentes mudou as estratégias de tratamento e as perspectivas de vida dos pacientes; quem se cura rápido e bem, mesmo que não se recupere totalmente, pode levar uma vida normal.
“O centro Dom Meschi e a rede Caritas - ressalta Luciano Gualzetti, diretor da Caritas Ambrosiana - devem continuar e, de certa forma, devem fortalecer o empenho informativo, educativo e cultural que manifestaram desde o início. É necessário sensibilizar as gerações mais jovens, numa chave preventiva, para as tornar conscientes e responsáveis, de forma a reduzir a taxa de transmissão do vírus, que é especialmente elevada na faixa etária dos 25-29 anos. É preciso estar atento aos preconceitos e estigmas sociais sempre possíveis e insidiosos: os tempos de guetização dos doentes de AIDS ficaram para trás, mas nunca devemos deixar de tratar os medos, que sempre têm repercussões culturais e produzem discriminação. Por fim, convém não deixar de solicitar as instituições e as comunidades, tanto eclesiais como civis, para que favoreçam tratamentos, acolhimento e reintegração social eficazes e que respeitem a dignidade dos doentes”.
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AIDS e desigualdades: pacto de morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU