28 Fevereiro 2022
Henry Glynn foi franco ao falar diretamente com o papa. “A nossa experiência é de que os padres nunca discutem as mudanças climáticas”, disse o calouro da Creighton University (1) nos Estados Unidos, durante uma conversa online que 130 estudantes universitários e jovens católicos realizaram na quinta-feira com o Papa Francisco, como parte de uma sessão de escuta para o Sínodo sobre a Sinodalidade, organizada pela Loyola University Chicago.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada em National Catholic Reporter, 26-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A questão das mudanças climáticas, disse Glynn, é “a questão que preocupa profundamente a nossa geração”.
Enquanto o seu grupo sinodal, composto por estudantes da região central dos Estados Unidos e do Canadá, conversava antes de seu encontro com Francisco, ele disse que eles discerniram “uma frustração compartilhada” sobre a falta de liderança que veem em relação à Igreja dos Estados Unidos na questão do aumento das temperaturas que ameaça todo o planeta.
“A nossa geração valoriza a autenticidade e deplora a hipocrisia”, disse Glynn a Francisco. “O fracasso das lideranças católicas dos Estados Unidos em compartilhar e em promulgar os próprios ensinamentos climáticos da Igreja está desiludindo os jovens”, acrescentando que tal fracasso entre os líderes políticos “semeia dúvida e cinismo entre nós”.
O momento foi uma das críticas mais diretas proferidas durante as quase duas horas de debate. E Glynn – um estagiário em Washington do Catholic Climate Covenant, cujo dia começou com uma pesquisa no Google sobre o que vestir para uma audiência papal – estava determinado a não perder a chance de levar as frustrações da sua geração diretamente ao papa.
“Eu acho que ficaria mais nervoso em dizer essas coisas se nunca tivesse lido a Laudato si’ ou se não soubesse nada sobre o Papa Francisco”, disse ele ao EarthBeat, enquanto ainda processava a experiência horas após a sessão via Zoom.
“Acho que eu teria pensado assim: ‘O quê? Vou dizer a ele que seus bispos não estão fazendo o seu trabalho, diretamente na cara do papa? Não sei se essa é uma boa ideia’”.
Parte do que lhe deu confiança é que o seu grupo sinodal chegou com dados.
Um estudo em coautoria com a sua colega de painel, Emily Burke, constatou que menos de 1% das colunas de bispos dos Estados Unidos nos jornais diocesanos mencionavam as mudanças climáticas nos mais de seis anos desde que Francisco publicou a sua encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum.
Burke, uma estudante de pós-graduação da Universidade de Wisconsin-Madison, disse que foi “surreal” ouvir a pesquisa que ela conduziu em Creighton ser citada ao papa. Ela observou atentamente enquanto Francisco se sentava em sua cadeira e tomava nota enquanto Glynn resumia o silêncio e a inação das lideranças da sua Igreja em relação às questões climáticas e ambientais.
“E eu tenho certeza de que ele está bem ciente disso, mas os leigos também estão cientes disso, e os jovens também. Por isso, acho importante que ele escute”, disse ela.
A ideia de levantar o tema das mudanças climáticas com Francisco surgiu a partir das reuniões quinzenais que seu grupo sinodal realizou no mês que tiveram para se preparar. Com a tarefa de analisar as causas da migração, o grupo – que incluía vários estudantes que eram migrantes ou tinham familiares migrantes – acabou falando sobre o clima.
As Nações Unidas estimam que mais de 20 milhões de pessoas são deslocadas anualmente por eventos climáticos extremos, que estão se intensificando e se tornando mais predominantes à medida que as temperaturas globais aumentam. Um estudo de 2017 da Cornell University projetou que até 2060 poderá haver até 1,4 bilhão de refugiados climáticos.
Ou, na perspectiva de muitos dos estudantes do grupo, antes que eles completem 60 anos de idade.
“É algo universalmente ansiogênico falar e se preocupar com os jovens, especialmente os estudantes universitários”, disse Burke, que também trabalha com o Catholic Climate Covenant e fez parte da campanha de desinvestimento em combustíveis fósseis da Creighton.
Com um sentimento compartilhado de preocupação, eles decidiram abordar isso com Francisco, incluindo a percepção de que suas lideranças, na Igreja e fora dela, não estão levando a sério as mudanças climáticas.
“Vimos que se tratava de um momento que realmente não queríamos desperdiçar, o que fez com que muitos estudantes quisessem ser francos e realmente verdadeiros, chamando a atenção de tudo isso e iluminando alguns dos problemas que vimos”, disse Burke ao EarthBeat.
Em sua resposta, Francisco não abordou diretamente a crítica do grupo à hierarquia dos Estados Unidos, mas os encorajou a optar pela sinceridade e a “recusar qualquer forma de hipocrisia”.
“Não caiam na armadilha da hipocrisia, nunca na vida de vocês. Porque a hipocrisia envenena tudo”, disse Francisco, enquanto “a sinceridade realmente os ajuda a viver em harmonia com a ecologia, com o resto do mundo”.
Francisco também abordou a proposta de Burke de que a Igreja estabeleça centros para formas jovens e outras pessoas na espiritualidade e na ética necessárias para uma conversão ecológica, mas também em formas de ação direta não violenta como último recurso para levar pessoas aparentemente imóveis a levarem a sério as mudanças climáticas.
“Precisamos da profecia da não violência”, e são os jovens que devem levar essa visão adiante, disse Francisco.
“A violência sempre destrói a natureza”, acrescentou, fazendo referência à sua recente crítica que afirma que a poluição do plástico “mata tudo”.
Os alunos da Creighton também ficaram impressionados com um provérbio espanhol que o papa cita regularmente: “Deus perdoa sempre, o ser humano perdoa às vezes, mas a natureza não perdoa nunca”. Glynn disse que isso sintetizava a essência do que eles esperavam transmitir, ou seja, “basicamente que consertar o clima significa que devemos consertar os nossos relacionamentos uns com os outros e com Deus”.
Quanto ao que eles querem das suas lideranças eclesiais, eles disseram que falar sobre as mudanças climáticas é um primeiro passo importante. Para Glynn, foi só quando ele chegou a Creighton que ele leu a Laudato si’ ou viu a sua fé católica ligada a questões sociais como as mudanças climáticas – conexões que ficaram mais claras no ano passado, quando ele morou com uma família na Tanzânia que perdeu a safra de tomate devido a uma geada fora de época.
A partir daí, eles gostariam de ver a Igreja explorando seus ensinamentos e operações – por meio de seus prédios, escolas e outras instituições – de forma a se tornar líder em neutralidade de carbono e em sustentabilidade ambiental. Por exemplo, por meio da Plataforma de Ação Laudato si’.
“Se somos uma Igreja que escreve esses documentos e diz que precisamos prestar atenção a essas questões sociais, eu gostaria de ver uma Igreja que abraça totalmente essa mensagem do Evangelho em relação a si mesma”, disse Glynn.
Ambos os estudantes saíram de seu encontro com o papa via Zoom sentindo-se fortalecidos pela experiência, gratos pela oportunidade e, igualmente importante, ouvidos pela sua Igreja.
Burke disse: “Eu realmente não sei se alguém sabe o que vai acontecer neste momento, mas espero que isso seja uma espécie de início e não o fim da escuta às vozes dos jovens católicos”.
Creighton University é uma universidade jesuíta, localizada em Omaha, EUA. Os professores Todd A. Salzman e Michael G. Lawler, da Creigton University, são parceiros do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Todd A. Salzman participou do XIX Simpósio Internacional IHU, de conferências online promovidas pelo IHU e tem vários artigos publicados em Cadernos Teologia Pública.
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De frente com o papa, jovens católicos fazem críticas ao silêncio climático das lideranças da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU