Magda Fontanella, filósofa da Residência Sanitária Assistencial “Airoldi e Muzzi”, em Lecco, Itália, volta às livrarias com o livro “Socrate in camice” [Sócrates de jaleco]: “O pensamento filosófico oferece uma bússola para poder partir. Depois, a viagem está nas mãos de cada um”.
A reportagem é de Antonio Sanfrancesco, publicada em Famiglia Cristiana, 06-01-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Magda Fontanella usa jaleco, mas não é médica. Em 2008, depois de se formar em Filosofia na Universidade Católica de Milão, ela se perguntou o que essa disciplina poderia fazer concretamente pela vida de todos os dias e, em particular, por aqueles que se encontram na fronteira entre a vida e a morte, como as pessoas em estado vegetativo internadas na Residência Sanitária Assistencial dos Institutos Reunidos “Airoldi e Muzzi”, em Lecco, na Itália, uma joia da assistência sanitária fundada em 1594 e imersa em 50 mil hectares de vegetação, com a imponência das montanhas de Lecco, da Grigna ao Resegone, ao fundo.
Nesse local, desde 2011, Fontanella desenvolve o seu trabalho de “filósofa” auxiliando os pacientes, seus familiares e os profissionais de saúde que os assistem.
A partir dessa experiência, mas não só, nasceu o livro “Socrate in camice. Perché la filosofia può aiutarci a donare un senso alla vita” [Sócrates de jaleco. Por que a filosofia pode nos ajudar a dar um sentido à vida] (Ed. Documenta, 190 páginas, com ilustrações de Dan e Dav), que é uma viagem de perguntas na qual os filósofos de todas as épocas foram convocados para tentar dar respostas, de Sócrates a Heidegger, de Sartre a Santo Agostinho, de Tomás de Aquino a Nietzsche, de Bergson a Parmênides, de Epicuro a Sêneca, passando por Hannah Arendt.
Magda Fontanella e seu novo livro (Foto: Famiglia Cristiana)
As perguntas vão desde “quem sou eu?” a “o que é o bem e o mal?”, o verdadeiro e falso, o belo e o feio, desde a pergunta sobre se a vida tem um sentido a “o que é o amor?”. Paradoxalmente, mas não muito, Oscar Wilde dizia que todos são capazes de dar respostas, mas, para fazer as verdadeiras perguntas, é preciso um gênio. Como escreve o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau no seu romance “A nova Heloísa” (1761): “A arte de interrogar não é tão fácil quanto se pensa. É uma arte mais de mestres do que de discípulos. É preciso já ter aprendido muitas coisas para saber perguntar o que não se sabe”.
A filosofia realmente pode curar?
Sim, porque faz parte da sua natureza. A filosofia é cura ou não é, é levar a sério as perguntas que sempre inquietam o coração do ser humano, desde “a liberdade existe?” a “qual é o sentido da vida?”. Cada um, em alguma ocasião da sua própria história, se encontra diante desses convites existenciais a refletir, e a filosofia, que desde sempre se ocupa disso, oferece uma bússola para poder partir; depois, a viagem está nas mãos de cada um. À luz da minha experiência em uma residência sanitária assistencial, que acolhe pessoas em estado vegetativo – mas é mais correto defini-lo como um estado de não responsividade –, posso dizer que estou aprendendo o sentido mais autêntico da filosofia precisamente a partir das palavras e dos gestos dos familiares e dos profissionais de saúde que eu encontro. De fato, quando a filosofia se torna um estilo de vida, ela transforma as existências com que se depara, mesmo que simplesmente partindo de uma abertura à acolhida do outro, que se torna escuta não julgadora, mas solidária e partícipe daquilo que o outro conta, atravessa, testemunha. Acredito que quem está vivendo uma dramática experiência de sofrimento, como a de ter um ente querido em um estado de coma de não responsividade, e, apesar disso, mas também com isso, enfrenta a cotidianidade de cabeça erguida tem muito a transmitir.
Quanto há nesse livro da sua experiência profissional?
Aparentemente, não muito, mas, na realidade, as grandes perguntas que eu tento tematizar são vividas e atravessadas junto aos familiares e ao pessoal de saúde que eu encontro e, quando possível, se as suas condições assim o permitem, também a partir dos relatos de alguns hóspedes que não estão em coma.
Entre as perguntas presentes no livro, qual é a sua favorita? E qual é a decisiva para encontrar um sentido para a vida?
As duas coisas coincidem: a minha preferida é também a mais decisiva. Na minha experiência, apenas tentando responder de modo autêntico e leal, sem descontos, à pergunta “quem sou eu?” é possível encontrar ou dar um sentido à própria existência. Também é verdade que, com o passar dos anos, mudamos não só fisicamente – as nossas células, de fato, se renovam constantemente –, mas também nos nossos próprios gostos e nas nossas próprias relações, crescemos, damos alguns passos no conhecimento daquilo que é importante para nós ou, às vezes, paramos um pouco, mas isso não está em contraposição com a convicção de que podemos nos conhecer. Pelo contrário, a mudança nos lembra que a transformação é uma característica vital nossa, assim como às vezes a vontade de parar. E, além disso, também podemos voltar atrás, ou pelo menos parece que damos alguns passos para trás, e está tudo bem, isso também nos permite nos surpreender! Não existe um percurso pré-definido no conhecimento de si mesmo. É uma verdadeira aventura, mas, se encontrarmos a coragem para enfrentá-la de modo livre e consciente, para além das expectativas conformistas e para além dos nossos próprios preconceitos, a vida pode parecer rica de luz e de sentido, mesmo dentro das experiências mais difíceis. É uma grande potência perguntar-se quem sou e esperar, de modo aberta e livre de ideias pré-constituídas, que aflorem as nossas paixões e os nossos valores, aos quais podemos, então, dirigir as nossas escolhas.
Como você escolheu as perguntas e “selecionou” os filósofos que interroga?
Na realidade, foram elas que me escolheram, no sentido de que elas chegaram, e, junto com o fato de interrogá-las, chegaram também as ajudas de quem, muito antes de mim, se defrontou com as questões existenciais que levanta. Um ensinamento que estou aprendendo com a vida é que os acontecimentos, justamente, acontecem e, se você permanecer atento e vigilante, e souber aproveitá-los, eles podem falar com você de um modo precioso e significativo para a sua jornada. Não existe uma resposta definitiva para a pergunta “o que é o amor?”, por exemplo, mas há pessoas que amam e que experimentam que, por meio do amor, é possível superar obstáculos, preconceitos e dimensões que, de outra forma, consideramos intransponíveis. No entanto, são apenas palavras. Só vivendo a experiência é que se consegue interceptar a sua autenticidade.
Entre as perguntas do livro, há uma sobre informação e comunicação, que muitas vezes tendemos a sobrepor. Ao invés disso, quais são as diferenças?
Informar e comunicar são duas ações humanas voltadas a transmitir mensagens entre dois interlocutores, mas, enquanto a primeira ressoa como um ato mais frio e formal, a ser confiado também a um meio robótico, por exemplo, o comunicar tem a ver com levar a sério aquele ou aqueles com quem se dialoga, prevê um maior investimento humano. Não é à toa, de fato, que encontramos na palavra “comunicar” a raiz de “comunhão”, que, no âmbito cristão, indica uma relação particular com Deus, íntima e pessoal, com um significado muito relevante. Pode-se dizer, com os filósofos Habermas e Apel, que o propósito da comunicação é, portanto, criar comunhão, por meio da abertura à alteridade, em uma perspectiva de elasticidade dialógica em que nenhuma conclusão argumentativa jamais é subjugação do outro nem imposição, mas busca comum. Isso está em forte ressonância com aquilo que eu pretendo, por meio do meu trabalho na área da saúde, para fazer da filosofia uma prática, ou seja, promover o diálogo entre profissões e experiências diferentes, visando a uma comunhão de intenções que é constituída pelo cuidado da fragilidade humana, que pertence, de modo diferente, tanto aos pacientes quanto a quem se ocupa deles. Ser vulnerável é a chave da existência humana.
Como a mídia está se comportando ao falar sobre a pandemia?
Ainda estamos muito mergulhados nessa emergência para podermos fazer juízos sensatos e objetivos. Como dizia Kirkegaard, parafraseando-o um pouco, só de trás para frente é que podemos fazer uma leitura aos fatos que acontecem conosco. Eu acredito que, enquanto estivermos imersos nisto, é pouco respeitoso pronunciar-se com frases definitivas. Mas podemos advertir e lembrar que informar e comunicar são atos éticos que exigem responsabilidade e conscientização.
O que significa concretamente ter a filosofia como estilo de vida?
Quem me ajudou a descobrir isso certamente foi a escola em Análise Biográfica de Orientação Filosófica de Philo, fundada por Romano Madera e levada em frente por profissionais que há anos tentam viver a filosofia como prática, cada um encarnando-a com exercícios e práticas que provêm da contaminação entre disciplinas diferentes, práticas corporais, psicologia e psicanálise. Ter a filosofia como estilo de vida significa encontrar aquele método que lhe permite cultivar todos os dias um olhar atento e aberto à realidade, capaz de maravilhar-se, de estar livre de lentes pré-fixadas para ler o que acontece e também de ser capaz de recorrer àqueles ensinamentos ou instrumentos de pensadores antigos como Aristóteles ou modernos como Pierre Hadot. Em última análise, para mim, ter a filosofia como estilo de vida significa cultivar a minha liberdade de pensamento, ação e julgamento, sabendo me dar conta disso e tentando me conhecer sempre melhor. Para mim, a filosofia é um instrumento precioso de autoconhecimento. Estudando o que é o amor ou a liberdade segundo Hannah Arendt ou para Baruch Spinoza, por exemplo, volto a pergunta para mim, para a minha vida, para o modo como eu vivo a liberdade ou o amor.
De quais filósofos você aceitaria de bom grado um convite para jantar?
Neste momento, dos grandes romancistas, capazes de narrativas poderosas em relação àquilo que mobilizam, como Dostoiévski, que, por meio dos seus livros, consegue entrar nos meandros mais ocultos do coração do ser humano, interceptando uma filosofia que não é tanto teórica, mas sim vivida, prática. Além disso, aceitaria de bom grado um convite também das pensadoras do passado recente, como Hannah Arendt, para lhes pedir que me contassem como conseguiram se afirmar nos grandes debates científicos e políticos, na sua maioria protagonizados por figuras masculinas. De fato, o filósofo entra para a história com a representação estereotipada do homem idoso de barbas longas. É raro que se tenha em mente uma jovem de cabelos soltos, talvez. Eu tenho muita admiração pelas grandes pensadoras do passado por terem aberto espaço com a força do pensamento filosófico em um âmbito predominantemente masculino. Se eu tivesse que propor um nome acima de todos, eu diria Hipácia, que morreu pela sua liberdade de pensamento na antiga Alexandria do Egito.
E a quais você diria que não?
Talvez a ninguém, sustentada pela convicção de que é possível aprender algo com todos, mesmo que fosse apenas, por assim dizer, a capacidade de pôr à prova os próprios argumentos em relação a visões de mundo diferentes da minha. De fato, é extremamente estimulante para quem exerce a filosofia dialogar com alguém que não pensa da mesma forma.