03 Novembro 2021
Corte de emissão em 2030 deveria ser de 80% em 2030. Meta de 50% de corte de emissão 'leva Bolsonaro a no máximo empatar com ambição proposta seis anos atrás por Dilma Rousseff', diz Observatório do Clima.
A reportagem é de Laís Modelli, publicada por G1, 01-11-2021.
Entidades ambientais alertam que a nova meta climática apresentada como "mais ambiciosa" pelo Brasil nesta segunda-feira (1º) na COP26 não representa, na prática, menores emissões de carbono do que o país já havia se comprometido a fazer. Argumentam ainda que o compromisso reforça a "pedalada climática" com relação ao Acordo de Paris, em 2015, por não informar qual deverá ser o valor limite de emissões em 2030 (leia mais abaixo nesta reportagem).
A meta climática do Brasil no Acordo de Paris usa como referência o valor total de gases emitidos em 2005. Esse valor é calculado pelo "Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa", do Ministério da Ciência e Tecnologia. O documento revisa periodicamente o valor absoluto de emissões. Na revisão mais recente, o reajuste fez o número de 2005 saltar de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões de toneladas.
Ao falar nesta segunda na COP26, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou: "Apresentamos hoje uma nova meta climática, mais ambiciosa, passando de 43% para 50% até 2030; e de neutralidade de carbono até 2050, que será formalizada durante a COP26". Representante do país no evento realizado na Escócia, ele falou apenas em porcentagens, sem apresentar a redução real prevista para as emissões dos gases de efeito estufa.
Veja, a seguir, a cronologia dos compromissos já firmados:
2015 – usando como referência 2,1 bilhões de toneladas de gases, o Brasil deveria reduzir 37% em 2025 (com isso, poderia emitir no máximo de 1,3 bilhão de toneladas) e 43% em 2030 (máximo de 1,2 bilhão de toneladas).
2020 – após a revisão mais recente do valor de referência para 2,8 bilhões de toneladas, o Brasil deveria reduzir 37% em 2025 (máximo de 1,8 bilhão de toneladas) e 43% em 2030 (máximo de 1,6 bilhão de toneladas).
2021 – na COP26, a meta passa a ser reduzir em 50% as emissões em 2030, mas ela não informa qual edição do "Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa" será usada como base. Ou seja, não fica claro quanto o Brasil poderá emitir em valor absoluto até 2030.
Ainda que seja usado como referência o valor de 2,8 bilhões de toneladas, uma redução de 50% até 2030 significaria uma emissão total de 1,4 bilhão de toneladas (acima, portanto, do 1,2 bilhão previsto em 2015).
Rede de 56 organizações da sociedade civil, o Observatório do Clima diz que, sem que seja informado em valores absolutos qual deverá ser a redução, o resultado anunciado na COP26 poderá ser o mesmo que o Brasil já propôs em 2015, no governo de Dilma Rousseff – e não maior, como afirma o governo Bolsonaro.
"Caso os 50% sejam aplicados sobre a base de cálculo do Inventário mais recente de emissões do Brasil (contido na Quarta Comunicação Nacional, de 2020), o que se espera que ocorra, o governo Bolsonaro empatará com a meta proposta seis anos atrás por Dilma", diz o Observatório do Clima. "Caso seja mantida a base do inventário anterior, a 'pedalada cai de 419 milhões de toneladas para 218 milhões, o equivalente às emissões anuais do Iraque."
O Greenpeace Brasil também destaca que a meta apresentada na COP26 não lista qual será a base de cálculo.
“O governo não explica como será a base de cálculo da redução de emissões. É importante que isso seja feito para que não haja nova pedalada climática, como houve em dezembro de 2020, na última reformulação das NDCs [sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada] brasileiras", afirmou Fabiana Alves, coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.
"A mudança da base de cálculo pode fazer com que se permitam mais emissões que nas metas passadas."
Outra meta apresentada por Leite na CP26 foi a de se alcançar a neutralidade de carbono no Brasil em 2050. O Greenpeace critica, mais uma vez, o fato de o governo não ter apresentado um plano de ação nesse sentido.
Fabiana Alves destaca que, para neutralizar as emissões de carbono até 2050, o governo deveria ter apresentado medidas como "diminuição das emissões com mudanças sistêmicas, como o investimento em energia renovável e agroecologia, desmatamento zero, e adaptação à crise do clima, com recurso para perdas e danos, principalmente para a população em situação de vulnerabilidade".
A Human Rights Watch lembrou que a meta da neutralidade de carbono em 2050 já havia sido prometida por Jair Bolsonaro em 2020, mas que o compromisso não foi formalizado em lei ou política.
"Tampouco existem políticas detalhando metas intermediárias e de curto prazo que permitiriam ao Brasil atingir esse objetivo. Em vez disso, suas emissões aumentaram significativamente, de acordo com as estimativas mais recentes", afirmou a entidade.
Apesar de não comparecer à COP26, Bolsonaro enviou um vídeo gravado, que foi exibido antes da fala de Leite. O presidente afirmou que o Brasil é uma "potência verde".
"O Brasil sempre fez parte da solução [no combate às mudanças climáticas], não do problema", disse Bolsonaro em vídeo gravado.
Bolsonaro afirmou também que, atualmente, o governo federal conta com linhas de crédito e investimentos que somadas superam a casa dos US$ 50 bilhões, oferecidas para projetos verdes em área para conservação e restauração florestal, agricultura de baixas emissões, energia renovável, saneamento, transporte e tecnologia da informação.
"Esses recursos vão impulsionar a economia, gerar emprego e contribuir para consolidar o Brasil como a maior economia verde do mundo", disse.
Desde 2019, no entanto, está paralisado o Fundo Amazônia - fundo que recebia investimentos internacionais para serem investidos na conservação da floresta e no combate ao desmatamento -, com mais de R$ 2,9 bilhões "parados" no cofre público.
A emissão líquida do Brasil atualmente é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de gases – o país é o sexto maior emissor de gases do planeta. Os maiores emissores de carbono no país são o desmatamento, principalmente o ilegal, e a agropecuária. Juntos, os dois somam quase 70% das emissões totais do país.
Na contramão do mundo, o Brasil teve um aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, em plena pandemia de Covid-19, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Já a média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por causa das paralisações de voos, indústrias e serviços ao longo do ano passado.
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Meta de redução de carbono do Brasil na COP26 'empata' com meta de 2015 e reforça 'pedalada climática', apontam especialistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU