O banqueiro Alfredo Setúbal está hoje em O Globo, defendendo a urgência da chamada reforma administrativa, que, segundo ele, vai desbloquear o crescimento do Brasil.
É mais uma rodada de desmonte do Estado e de retirada de direitos.
Essas reformas são apresentadas como salvadoras da pátria até acontecerem. Depois, são devidamente esquecidas, dando lugar à propaganda de novas reformas igualmente milagrosas, num moto perpétuo.
A reforma da Previdência equilibraria as contas públicas, a reforma da legislação trabalhista criaria milhões de empregos, as privatizações abririam as portas da modernidade e assim por diante.
Em cada caso, restou apenas o aumento na exploração do trabalho, nada mais.
"Enrique Dussel é considerado o maior conhecedor de Marx no mundo, embora venha do assim-chamado “Terceiro Mundo”; sua leitura vem, em particular, da América Latina, que historicamente foi a primeira vítima do capitalismo, aliás, pode-se afirmar que sem a conquista da América Latina o capitalismo não poderia ter nascido, porque essa conquista ofereceu a quantidade de metais preciosos para desencadear o mecanismo de acumulação primitiva do capital, para usar a terminologia de Marx."
O Marx de Enrique Dussel
Considerações sobre a profundidade da interpretação da obra de Marx, feita a partir da perspectiva do Terceiro Mundo. Disponível aqui.
VAI SER AINDA MAIS GIGANTE
NAS RUAS DE TODO O BRASIL
CONTRA O FASCISMO, GENOCÍDIO, CORRUPÇÃO, FOME, INFLAÇÃO, DESEMPREGO
ENFIM: CONTRA O PIOR PRESIDENTE DA HISTÓRIA DO BRASIL, ABJETO, INCOMPETENTE, DESRESPEITOSO, PERVERSO, DEFICIENTE COGNITIVO
AGORA É OFICIAL
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, sancionou. A antiga rua Sérgio Fleury, na Vila Leopoldina, passa a se chamar rua Frei Tito. Nenhuma homenagem a torturador!
#FreiTito #DireitosHumanos #DitaduraNuncaMais
OS AMIGOS DE BOLSONARO
Bolsonaro deu emprego a mais de 6 mil militares no governo, muito mais do que no tempo da ditadura.
Muitos dos que conseguiram emprego são os coronéis do Ministério da Saúde, da turma de Pazuello, denunciados pela CPI do Genocídio por suspeitas de envolvimento com a compra de vacinas de quadrilhas de Brasília.
Mas o próprio Bolsonaro admite que não foi pela competência ou pelas habilidades, foi por amizade.
Foi o que ele disse em discurso hoje:
"Alguns criticam que eu botei militar demais no governo, mais até, proporcionalmente, do que os governos de Castello Branco a Figueiredo. Sim, é verdade, é meu círculo de amizade. Assim como de outros presidentes foram outras pessoas, era o círculo de amizades deles".
Os outros presidentes, acusados de empregar amigos, vão ficar quietos?
Uma curiosidade incômoda: quem são, o que fazem e o que pensam da vida os que ainda mantêm as mães internadas na clínica da Prevent Senior em São Paulo?
Não vou emitir opinião sobre a resolução do Encontro Nacional do PSOL, que não acompanhei. Uns dizem que prevaleceu o apoio a Lula no próximo ano, outros dizem que a questão foi adiada para abril.
Minhas poucas experiências com o PSOL são péssimas. Salvo as exceções de praxe, é gente fraca, oportunista e desleal.
Chama a atenção, porém, a leniência da esquerda em relação ao lulismo. Depois de mais de 40 anos de hegemonia lulista, parece que ela se tornou tão natural como o ar que respiramos.
Mas o lulismo:
Numa palavra: deixa a sociedade como ela é. Trata-se, pois, de uma força conservadora.
Este passou a ser o horizonte de expectativas da maior parte da esquerda brasileira, em nome do realismo político.
Mas a realidade tem mostrado, em toda a América Latina, que a esquerda capaz de vencer é aquela que afirma valores novos e propõe muito mais do que isso.
Ao rebaixar tanto a mensagem da esquerda, em nome da vitória, o lulismo prepara derrotas, tal como a que nos trouxe ao bolsonarismo.
O PSOL jamais e em nada está abrindo mão de sua independência programática. No setor majoritário do PSOL não há nem ilusão, nem muito menos capitulação a ninguém e nada. Isso não passa de um espantalho criado por setores da esquerda, de fora e de dentro do partido. Trata-se simplesmente da responsabilidade histórica que o momento do país exige.
Cansa repetir, mas ESTA eleição em 2022 é completamente diferente de todas as outras. Para lutarmos pelo futuro do país, primeiro é preciso garantir que teremos um país pelo qual lutar. Sem adentrar muito em análises mais complexas, entendo que, além de terminar de varrer os raros fascistas pro esgoto, garantir o mínimo de recuperação na correlação de forças entre capital x trabalho em favor dos explorados é fundamental para recuperarmos o poder de mobilização e avançarmos no projeto que defendemos, reformas estruturais capazes de, finalmente, transformar de fato este país.
Repito, nesta altura, ninguém se ilude com os limites do que Lula estará disposto a fazer e confrontar com os setores parasitas da economia. Mas a NOSSA força política e o NOSSO projeto Nacional estão finalmente amadurecendo. No entanto, longe da necessidade de 2022. Ano que vêm, o mais provável é que aqueles que insistirem em divisionismo ficarão falando sozinhos e serão isolados pelo próprios eleitores. Mas o cenário ainda pode virar e, sendo assim, postergar a decisão para Abril me parece acertado. Por fim, digo que o partido mudou muito desde a sua saída, Cesar Benjamin . Se o nosso então principal intelectual e formulador não tivesse deixado o partido prematuramente, talvez o amadurecimento do PSOL tivesse sido mais célere.
A Petrobras entre a Bolsa e a urna
WILLIAM NOZAKI / EDUARDO COSTA PINTO
O aumento de dividendos para os acionistas da Petrobras e a elevação do preço dos combustíveis para o consumidor final tem marcado o governo Jair Bolsonaro. Desde 2019, a política de preços de paridade de importação (PPI) provocou 94 alterações no preço do diesel e 107 no preço da gasolina.
De 2019 até o primeiro semestre de 2021, a Petrobras teve um lucro líquido de R$ 91 bilhões e distribuiu R$ 56,5 bilhões em dividendos para seus acionistas, dos quais R$ 41,9 bilhões neste ano.
Se, por um lado, o represamento do repasse das variações dos preços internacionais já se mostrou inadequado para os resultados financeiros da companhia, por outro a flutuação com tamanha volatilidade e o alinhamento completo com os preços internacionais está longe de ser o melhor caminho. A falta de previsibilidade e o viés de alta pesam principalmente para os consumidores de menor renda.
Entre 2019 e 2021, o preço Petrobras do diesel sofreu alta acumulada de 23,5%, da gasolina de 51% e do GLP de 85,4%. E a rentabilidade dos acionistas tem sido acompanhada da inflação de combustíveis enfrentada pelos consumidores, que já pagam R$ 4,58 pelo litro do diesel, R$ 5,80 pelo litro da gasolina e R$ 91,92 pelo botijão de gás.
A princípio, esse cenário pode até ser avaliado de forma positiva pelo mercado financeiro, mas guarda uma armadilha, sobretudo quando observado à luz das ações de um presidente que não mede esforços para se manter no poder.
Preocupado mais com a urna do que com a crise econômica, Bolsonaro sinalizou que deve realizar manobras contábeis e fiscais para furar o problemático teto dos gastos. A polêmica proposta de pedalada fiscal de Paulo Guedes na PEC dos precatórios deve ser utilizada para abrir espaço fiscal a partir de 2022.
A emenda busca criar um fundo de liquidação dos passivos da União com venda de imóveis do governo, alienação de participações societárias e recebimento de dividendos de estatais. Parte dos R$ 15 bilhões de dividendos que serão pagos em 2021 pela Petrobras ao governo federal pode ser destinada para esse fundo.
Nesse mesmo contexto, o governo federal apresentou o Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família. Em breve, poderá incluir um vale gás entre os benefícios a serem pagos com esses recursos.
No curto prazo, a estratégia é engenhosa. O aumento e a antecipação dos dividendos da Petrobras atendem aos interesses do mercado e ajudam a União, acionista majoritária, a irrigar o seu fundo de rolagem de dívidas e precatórios.
Mas, no médio prazo, o quadro é muito problemático. Caso a Petrobras não altere sua política de preços, a inflação de combustíveis seguirá sua escalada e anulará o efeito de eventuais novos programas sociais. Vincular dividendos de estatais a gastos sociais é um perigoso oportunismo eleitoreiro.
William Nozaki
Coordenador técnico do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
Eduardo Costa Pinto - Pesquisador do Ineep e professor do Instituto de Economia da UFRJ
FSP 26.09.2021
Quem é Maria Lira, que saiu do Vale do Jequitinhonha e ganhou o circuito das artes
JOÃO PERASSOLO
Em meados da década de 1990, quem passasse pela estrada esburacada e cheia de curvas que liga Belo Horizonte à pequena Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, poderia se deparar com uma cena insólita. Nos morros que cortam a região, uma moça de meia idade com o cabelo partido em duas longas tranças cavoucava a terra ao lado de um padre de batina.
Acompanhando frei Chico em suas viagens por Minas Gerais, Maria Lira Marques observava do Fusca do religioso as serras em busca de diferentes tonalidades de terra — amarela, branca, avermelhada, rosada. Quando algo agradava a ela, pedia que o padre parasse o carro e ambos desciam para recolher o substrato, que a artista depois misturaria com cola e água para criar tintas de aspecto natural e toque rugoso.
Com materiais que incluíam até um pincel feito com a ponta do rabo de um gato, Marques usava as tintas da terra para pintar, em pedras ou sobre telas, animais que sua imaginação inventava.
“Você vê que meus bichos não são esses bichos daqui desse mundo, não. Às vezes esse ali parece que é um veado, eu não tive a intenção de fazer um veado, eu não tive a intenção de fazer determinado animal. Mas se as pessoas acham que parece, tudo bem”, ela conta, em encontro no seu ateliê, localizado nos fundos de sua casa, em Araçuaí.
Essas pinturas, às quais a artista de 75 anos vem se dedicando com intensidade nas últimas três décadas, depois de diminuir sua produção de esculturas em barro devido à uma tendinite grave, passam agora por uma grande valorização nas mãos de galeristas e colecionadores. É uma segunda vida do trabalho de Marques, reconhecida anteriormente por suas máscaras de cerâmica e por pesquisar cantos populares de sua região.
Sua inserção no circuito das artes se dá pelo caráter singular de seu trabalho e também pelo fato de museus e galerias terem começado a expor mais artistas não brancos e de fora do centro. Um conjunto das pinturas dos bichos pode ser visto até o fim de outubro na galeria paulistana Bergamin & Gomide, que passou a representar a artista, e também na galeria AM, em Belo Horizonte, outra casa com direitos sobre as obras de Marques.
Mulher negra e pobre, como ela se define, Marques estudou até a sétima série do primário e não teve educação formal em arte. Com cinco anos, começou a observar os presépios em barro que sua mãe, uma lavadeira, fazia para presentear os vizinhos todo final de ano. Em seguida começou a modelar pequenas figuras a partir da cera de abelha que o pai, sapateiro, passava na linha para costurar calçados.
Ela então passou a frequentar o mercado central de Araçuaí, epicentro da vida pública da cidade, onde descobriu potes, panelas e botijas de barro, seu primeiro contato com a cerâmica utilitária típica da região. Curiosa, conversava com os artesãos para aprender.
“Eu começava a indagar — por que a peça é dessa cor? Porque ela vai no forno. Por que é lisa? E cada um ia me dando uma definição. Aí eu chegava e comentava com minha mãe. Ela não tinha forno, então ela não queimava nada que fazia. Ela fazia mistura de alguns ingredientes no barro pra dar liga, como as cinzas.”
Por volta dessa época, nos anos 1970, Marques conheceu Joana. A vizinha ensinou a ela onde buscar barro e como escolher a lenha certa para queimar as peças que passaria a produzir. De seu primeiro forno saíam pequenas esculturas mostrando “o sofrimento das pessoas, tanto do Vale do Jequitinhonha como de um modo geral no mundo”, conta a artista. Estavam representadas cenas como uma enchente em Araçuaí e um aldeia africana, e havia também uma pequena estatueta com o triste título “Me Ajude a Levantar”.
Marques criava ainda máscaras com traços de feições negras e indígenas, em alusão tanto à sua ascendência quanto aos maxacalis, povo originário local, além de bustos com cerca de 20 centímetros de alguns filósofos. “Fazia de cabeça, imaginava e fazia. Depois é que eu fui conhecer o rosto de Sócrates. Na época, porque eu fazia os bustos, começou a chegar retrato de Roberto Carlos, Ronnie Von, mas nunca aceitei, porque não sei pôr lá na minha frente e ficar copiando. Sempre trabalhei de imaginação.”
Situada às margens do rio de mesmo nome, Araçuaí é uma cidade de 36 mil habitantes distante 12 horas de ônibus de Belo Horizonte — o veículo treme tanto no asfalto esburacado ligando as cidades que a impressão é a de viajar dentro de uma britadeira. Sob o sol de 38 graus de setembro, há pouca gente andando nas ruas e o cenário lembra o filme “Bacurau”, com casas coloridas algo degradadas e o eventual motoqueiro passando a toda velocidade, deixando um rastro de poeira.
Apesar da pobreza, aparente, por exemplo, nas casas de tijolo inacabadas, Araçuaí é a principal cidade do Médio Jequitinhonha, uma das regiões com os piores indicadores sociais do país. Mas Marques nunca pensou em sair da rua onde nasceu e morou a vida inteira, ela conta, apesar de ter recebido convites e exposto em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e na Bélgica, Holanda, Dinamarca, França e Estados Unidos.
Uma das razões é seu profundo vínculo com a cidade, que transparece na sua fala com a naturalidade de quem tem as memórias entrelaçadas com o local. Marques fundou lá um museu com peças suas e de outros artistas, a exemplo das esculturas em madeira de Dona Zefa, e além disso se dedicou, durante décadas, a gravar em fitas cassete e depois transcrever os cantos dos moradores das regiões rurais dos arredores, trabalho que fez a pedido de frei Chico, um padre holandês que virou seu grande amigo e parceiro profissional.
São versos de trabalho de tropeiros, boiadeiros e canoeiros, músicas religiosas, cantigas de roda e de pedir esmola. Durante esse período ela afirma ter perdido a vergonha de cantar, e então passou a integrar o coral local Trovadores do Vale, fundado por frei Chico. O grupo tinha como membros lavadeiras, donas de casa, sapateiros e comerciários, com repertório formado pelas músicas das pesquisas de Marques.
Dada a sua história de vida e seu reconhecimento prévio como uma importante figura local, por que a obra visual de Marques passa por uma valorização só agora? Por um lado, suas máscaras de barro e pinturas de terra são singulares no contexto do artesanato do Jequitinhonha, já que em nada lembram as bonecas e noivas de barro típicas da região, das quais Dona Isabel, morta em 2014, é uma das maiores representantes.
“Você já pensou se todo mundo desgrama a fazer boneca? O que eu acho bonito na arte é a diversidade, não precisa eu fazer boneca porque tem Dona Isabel fazendo boneca, tem a neta dela fazendo boneca, os filhos dela, e a comunidade quase toda trabalha com a cerâmica que ela passou para as pessoas. A arte é universal, e a diversidade é o que faz a beleza”, ela diz, serena, justificando a escolha de temas próprios para a sua produção.
Há também um interesse de museus e galerias em deixar de representar apenas as elites urbanas do sudeste e fazer com que a sociedade se enxergue mais no sistema da arte, afirma Rodrigo Moura, curador-chefe do Museo Del Barrio, em Nova York, e autor do texto que acompanha a exposição da artista na galeria Bergamin & Gomide. Segundo ele, os espaços de arte não estão acostumados a esperar grandes artistas de fora dos centros urbanos, “mais por defeito nosso do que por falta deles”.
Vilma Eid, fundadora da galeria Estação, especializada em artistas não eruditos, ou seja, sem formação acadêmica, dá como exemplo dessa valorização da arte popular uma série de mostras realizadas pelo Masp na última década, como as de Agostino Batista de Freitas, Maria Auxiliadora e Conceição dos Bugres, e a recente exposição “Terra e Temperatura”, na galeria paulistana Almeida & Dale, que colocou o marceneiro baiano Mestre Guarany ao lado de nomes do cânone como Tarsila do Amaral e Mira Schendel.
Eid levanta a hipótese de que a grande exposição “Brasil +500 Mostra do Redescobrimento”, curada por Emanoel Araújo no ano 2000, pode ter plantado a semente do que se vê hoje, ao trazer naquele momento obras de artistas populares, afro-brasileiros e indígenas. Talvez aconteça agora uma ressignificação do que já existe, ela pondera, acrescentando que brigou muito para que seu negócio fosse reconhecido como uma galeria de arte e não de artesanato.
Segundo Renan Quevedo, pesquisador de arte popular brasileira, “todos os profissionais do mercado de arte tem percebido a lacuna que existe na construção de uma definição de arte brasileira."
"É muito fácil a gente pensar nos contemporâneos superbem-sucedidos. A gente precisa encaixar a dita arte popular nessa história para que a gente consiga ter uma cronologia mais bem construída dessa narrativa”, ele diz.
Há sete anos, Quevedo viaja o interior do país em busca de artistas populares. Ele relata que, neste período, viu também o mercado de decoração se inclinar mais a levar este tipo de arte para dentro das casas, com arquitetos e decoradores procurando cada vez mais peças entalhadas em madeira ou esculturas em barro, comuns em diversas regiões do Brasil.
Com o interesse crescente, de um ano para o outro as cifras das pinturas de Marques pularam das centenas para os milhares de reais, e não se pode mais adquirir diretamente da artista, devido a seu contrato de exclusividade com as galerias. Ela usa o influxo de dinheiro das vendas para comprar remédios que não consegue pegar pelo SUS e também para reformar seus dentes.
O próximo passo é construir, no terreno vazio ao lado de seu ateliê, um cômodo para receber o séquito de pesquisadores, cineastas, colecionadores, lojistas e jornalistas que vão até sua casa. Nos últimos meses, conta, o telefone de sua sobrinha e assistente não para de tocar.
O jornalista viajou a convite da galeria Bergamin & Gomide
MARIA LIRA MARQUES: OBRAS RECENTES
Quando até 30 de outubro; segunda à sexta, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 15h
Onde galeria Bergamin & Gomide, alameda Ministro Rocha Azevedo, 1052, São Paulo
Preço grátis
MEUS BICHOS DO SERTÃO
Quando até 23 de outubro; segunda à sexta, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 14h
Onde AM galeria, rua do Ouro, 136, Belo Horizonte.
Preço grátis
Foto: A artista Maria Lira Marques em cena do documentário "Do Pó da Terra" Mauricio Nahas
FSP 26.09.2021
PAXÁ
mourão viaja para Grécia e mais dois países com 32 assessores para ajudá-lo.
diz que fará visitas a país que nunca receberam o brasil para estreitar laços comerciais.
não sabia dessa incapacidade física e mental do general. TRINTA E DUAS pessoas para lhe ajudar. enche o avião e esvazia o dinheiro público.
#ForaMourao
O print abaixo é, muita gente já reconhece, a capa da Veja desta semana. Cortei-a pela metade porque quero evitar fotos do minúsculo na minha página, mas acho que a matéria, a capa e a citação merecem um comentário.
A frase é uma contradição performativa evidente. Em retórica, chamamos de contradição performativa aquele enunciado que dinamita as condições de possibilidade da própria enunciação. Pense, por exemplo, na frase "eu sou a pessoa mais humilde do mundo". Basta ouvi-la para entender que, no momento da enunciação, o conteúdo da frase se torna impossível.
Se um presidente da república que não está ameaçado de golpe diz que "a chance de um golpe é zero", o que importa não é o conteúdo da frase, mas o fato de que ela precise ser dita. A enunciação da frase é contraditória com o conteúdo que ela traz. A frase é uma ameaça de golpe.
E aí chegamos ao jornalismo declaratório no qual a Veja se refestelou em vários momentos de sua história. Quando se trata de apresentar um personagem político da forma como aquele personagem quer ser apresentado, recorre-se ao jornalismo declaratório, composto apenas de enunciados seus, dados ao leitor sem nenhum contexto crítico, como se aquelas declarações fossem apenas a verdade.
Bolsonaro "explica" a sua "opinião" sobre as vacinas, "conta bastidores" do conflito entre poderes, "garante" o respeito do governo ao teto de gastos e diz que não vai melar as eleições.
Reparem nos verbos escolhidos para a capa. Nenhum deles abre a possibilidade que sabemos ser a mais provável: a de que o presidente esteja mentindo, como ele mente sempre.
É uma peça de propaganda, sem mais.
Eu tenho a sorte de poder estar perto de minha mãe, agora com 104 anos, acolhida com carinho pelos familiares. Agradeço de coração às irmãs e irmãos que têm se dedicado a ela com uma alegria e grandeza que são uma inspiração para os nosso tempo sombrio. O destino de muitos velhos ainda são os asilos. Alguns se adaptam um pouco melhor, mas outros vivem na pela o abandono da família.
Depois de ler o conto de Clarice, Viagem a Petrópolis, tive que interromper um pouco a leitura, tomar um café e recolher forças para continuar a leitura...
Dei uma passada de olhos em outro autor que mexe com nossas entranhas, que é Philip Roth. Num de seus livros, Homem Comum, trata do processo de envelhecimento de um personagem:
"Ele tinha vivido quase três quartos de um século e sua vida produtiva, ativa, havia terminado. Ele não possuía o atrativo másculo dos homens produtivos nem era capaz de fazer germinar os prazeres másculos, e tentava não ansiar demais por essas coisas. Sozinho, por algum tempo lhe parecera que o componente que faltava de algum modo haveria de voltar, tornando-o invulnerável como antes e reafirmando seu domínio, e aquele direito perdido por engano seria recuperado, e ele poderia retomar sua vida no ponto em que havia interrompido alguns anos atrás. Porém agora lhe parecia que ele, como tantos outros idosos, estava vivendo um processo de diminuição progressiva, e seria obrigado a encarar os dias que lhe restavam tal como via a si próprio - dias vazios, noites incertas, suportando com impotência a deterioração física e a melancolia terminal e a espera por nada"
Dos 222 bispos que fizeram a III Conferencia Geral do Episcopado em Puebla, México, em 1979, estão vivos 32 bispos da América Latina e Caribe. Entre esses há sete bispos brasileiros:
dom Alano Maria Pena, OP, bispo prelado de Marabá, PA, idade: 85,97 anos, atual arcebispo emérito de Niterói, RJ;
dom Antonio Afonso de Miranda, SDN, bispo Administrador apostólico de Campanha, MG, idade: 101,45 anos, atual bispo emérito de Taubaté, SP;
dom Gilberto Pereira Lopes, arcebispo coadjutor de Campinas, SP, idade: 94,61 anos, atual arcebispo emérito de Campinas, SP;
dom Jayme Henrique Chemello, bispo de Pelotas, RS, idade: 89,16 anos, atual bispo emérito de Pelotas, RS;
dom Karl Josef Romer, bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ, idade: 89,21 anos, atual secretário emérito do Conselho Pontifício para a Família, Vaticano;
dom Orlando Octacilio Dotti, OFM Cap., bispo de Barra do Rio Grande, BA, idade: 91,26 anos, atual bispo emérito de Vacaria, RS;
dom Pedro Antonio Marchetti Fedalto, arcebispo de Curitiba, PR, idade: 95,12 anos, atual arcebispo emérito de Curitiba, PR.
Falecidos todos os 138 bispos que fizeram a II Conferencia Geral em Medellin em setembro de 1968 na Colômbia.
IRMÃZINHA GENOVEVA, PARTEIRA DOS TAPIRAPÉS
~ Leonardo Boff
No dia 24 de setembro de 2013 morreu na aldeia dos indígenas tapirapés, no Araguaia, a irmãzinha de Jesus Genoveva, de origem francesa. Ela e suas companheiras viveram uma experiência que o antropólogo Darcy Ribeiro considerava uma das mais exemplares de toda a história da antropologia: o encontro e convivência de alguém da cultura branca com a cultura indígena.
Eis o testemunho de Canuto, que bem sabe da vida e obra da irmãzinha Genoveva. Assim descreve a morte dela:
Genoveva na manhã da terça-feira, 24, estava bem disposta. Tinha amassado barro para o conserto na casa. Almoçou tranquilamente com a irmãzinha Odile. Estavam descansando quando se queixou de dores no peito. Odile foi logo providenciar um carro para levá-la ao hospital de Confresa. No caminho a respiração foi ficando mais difícil. Morreu antes de chegar ao hospital.
De volta à aldeia, consternação geral. Genoveva viu nascer quase 100% dos apyãwa (é assim que se autodenominavam os tapirapés — assim voltam a se autodenomiar hoje), nestes 61 anos de vida partilhada. Os apyãwa fizeram questão de sepultá-la, segundo seus costumes, como se mais uma apyãwa tivesse morrido. Os cantos fnebres, ritmados com os passos, se prolongaram por muito tempo, durante a noite e o dia seguinte. Muitas lamentações e choros se ouviam.
Segundo o ritual apyãwa, Genoveva foi enterrada dentro da casa onde morava. A cova foi aberta com todo o cuidado pelos apyãwa, acompanhada de cânticos rituais. A uma altura de uns 40 centímetro do chão foram colocadas duas travessas, uma em cada ponta da cova. Nestas travessas foi amarrada a rede que ficou na posição de uma rede estendida com quem está dormindo. Por sobre as travessas foram colocadas tábuas. Por sobre as tábuas é que foi colocada a terra. Toda a terra colocada foi peneirada pelas mulheres, como é a tradição. No dia seguinte esta terra foi molhada e moldada de tal forma que fica firme e espessa como a de chão batido. Tudo acompanhado com cânticos rituais.
Em sua rede em que todos os dias dormia, Genoveva continua o sono eterno entre aqueles que escolheu para ser seu povo.
A notícia da morte se espalhou pela região, pelo Brasil e pelo mundo. Muitos agentes de pastoral vieram. Os coordenadores do Cimi, de Cuiabá, chegaram depois de uma viagem de mais de 1.100 kms, quando o corpo já estava na cova, ainda coberto só com as tábuas. Os apyãwa as retiraram para que os que acabavam de chegar a vissem pela ltima vez em sua rede.
Cânticos rituais dos tapirapé foram entremeando cânticos e depoimentos da caminhada cristã de irmãzinha Genoveva. Ao final, o cacique falou que os apyãwa estão todos muito tristes com a morte da irmãzinha. Falando em português e tapirapé, ressaltou o respeito como eles sempre foram tratados pelas irmãzinhas, durante estes 60 anos de convivência. Lembrou que os apyãwa devem sua sobrevivência às irmãzinhas, pois, quando elas chegaram, eles eram muito poucos e hoje chegam a quase mil pessoas.
Plantada em território tapirapé está Genoveva, um monumento de coerência, silêncio e humildade, de respeito e reconhecimento do diferente, provando como é possível, com ações simples e pequenas, salvar a vida de todo um povo. Saudações: Canuto.
Em setembro de 2002, depois de um encontro com a irmã Genoveva, escrevi um pequeno artigo no Jornal do Brasil, que aqui retomo em parte.
As irmãzinhas de Foucauld testemunharam a nova forma de evangelização, sonhada por tantos na América Latina: ao invés de converter as pessoas, dar-lhes a doutrina e construir igrejas, decidiram encarnar-se na cultura dos indígenas e viver e conviver com eles. Nos nossos tempos este caminho foi vivido pelo irmão Carlos de Foucauld, que nos inícios do século 20 foi ao meio dos muçulmanos no deserto da Argélia, não para anunciar mas para conviver com eles e acolher a diferença de sua cultura e de sua religião. A mesma coisa fizeram as irmãzinhas de Jesus entre os índios tapirapés no noroeste de Mato Grosso, próximo ao Rio Araguaia. No dia 17 de setembro de 2002 assisti à celebração do cinquentenário de sua presença junto aos tapirapés. Lá estava ainda a pioneira, a irmãzinha Genoveva, que em outubro de 1952 começou sua convivência com a tribo.
Como elas chegaram lá? As irmãzinhas souberam através dos frades dominicanos franceses, que missionavam em terras do Araguaia, que os tapirapés estavam em extinção. Dos 1.500 de antigamente foram reduzidos a 47 por causa das incursões dos caiapós, das enfermidades dos brancos e da falta de mulheres. No espírito do irmão Carlos, de ir para conviver e não para converter, decidiram unir-se à agonia de um povo.
À sua chegada, a irmãzinha Genoveva ouviu do cacique Marcos: ”Os tapirapés vão desaparecer. Os brancos vão acabar conosco. Terra vale, caça vale, peixe vale. Só índio não vale nada”. E eles haviam internalizado que não valiam nada mesmo e que estavam condenados inexoravelmente a desaparecer.
Elas foram junto a eles e pediram hospedagem. Começaram a viver com eles o evangelho da fraternidade: na roça, na luta pela mandioca de cada dia, no aprendizado da língua e no incentivo a tudo o que era deles, inclusive a religião, num percurso solidário e sem retorno. Com o tempo foram incorporadas como membros da tribo.
A autoestima deles voltou. Graças à mediação delas, conseguiram que mulheres carajás se casassem com homens tapirapés e assim garantissem a multiplicação do povo. De 47 passaram hoje a quase mil. Em 50 anos, elas não converteram sequer um membro da tribo. Mas conseguiram muito mais: fizeram-se parteiras de um povo, à luz daquele que entendeu sua missão de “trazer vida, e vida em abundância”, Jesus.
Quando vi o rosto de uma índia tapirapé e o rosto envelhecido da irmãzinha Genoveva notei: se tivesse tingido de tucum seus cabelos brancos, ela seria tida por uma perfeita mulher tapirapé. Realizou, de fato, a profecia da fundadora: ”As irmãzinhas se farão tapirapés para, daqui, irem aos outros e amá-los, mas serão sempre tapirapés”. Não é por aí que deverá seguir o cristianismo, se quiser ter futuro num mundo globalizado: o evangelho sem poder e da convivência terna e fraterna no estilo do papa Francisco?
Paulo Freire vive, vive entre nós...
Boa noite. Paz, saúde e bons sonhos...