27 Setembro 2021
"Diz-se que quando era 'apenas' o arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio confidenciasse a poucos que, ao frequentar os círculos da Cúria, temia perder a fé. Verdadeira ou não a anedota explica alguma coisa e no fundo justifica a tese aparentemente ousada de que o radicalismo evangélico deste pontificado possa levar a uma emancipação da Igreja do Vaticano, algo impensável ou irracional a cultivar categorias clássicas ou históricas, mas concretamente possível se, em vez disso, tentarmos usar as lógicas de um mundo invertido", escreve Gianni Cuperlo, político italiano, membro da Câmara dos Deputados italiana e ex-presidente do Partido Democrata, em artigo publicado por Domani, 24-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
No final, Felicetto de li Caprettari, o cardeal em pior situação de saúde, tornava-se Papa. O decano julgava que a melhor solução, um papado de transição depois que as almas negras de Piazza-Colonna e Canareggio, o segundo havia inclusive eliminado o último Papa, haviam exterminado um após o outro os respectivos partidários em um conclave travado na igualdade das cédulas.
Com um porém, que o moribundo Felicetto, ascendendo ao trono sagrado, milagrosamente "ressurge" do leito de agonia, onde havia se colocado em uma estudada pantomima e, assim, em plenitude de poder, envia os dois incômodos cardeais para o outro mundo.
Sátira de estilo com Manfredi, Mario Scaccia, Sergio Graziani encenando a Roma dos complôs e o solidéu tão caro a Luigi Magni. Senhoras e senhores, boa noite, o filme repleto de outros episódios conhecidos, data de 1976. Significa trinta e cinco anos antes do Papa demissionário de Nanni Moretti em Habemus Papam, por sua vez dois anos antes da renúncia de Bento XVI e da chegada em Santa Marta de Francisco, o primeiro a abençoar o mundo vindo do outro lado do mundo.
É por isso que as palavras do Papa em carne e osso, o atual, relançadas outro dia, são surpreendentes, e não teria como não ser, mas no fundo não são desconcertantes. "Ainda estou vivo - escreveu Bergoglio - apesar de que alguns me quisessem morto". Continuando: “Sei que até houve encontros entre prelados, que pensavam que o Papa estivesse pior do que se declarava. Estavam preparando o conclave. Paciência! Graças a Deus estou bem”.
Ai, que raiva não poder perguntar a Magni que trata de filmar uma história de ficção (céus, não era nem então, mas com um olhar retrospectivo, certamente não contemporâneo) e encontrá-la transposta, sem os aspectos sangrentos, na atualidade.
No entanto, isso acontece em uma cambalhota da lógica que desconcerta um pouquinho por algumas razões. A primeira pode parecer a menos importante, mas não é. O calendário dos mandatos foi invertido. O que antes estava no final, chefes de Estado e de partido, parece destinado a se estender além de seus limites ou mesmo a se proclamar vitalício. Deixemos a nossa presidência da República de lado, de qualquer forma marcada pela primeira vez, tendencialmente também a única, pelo duplo mandato de Giorgio Napolitano, o que chama a atenção é a “liderança sem fim” concebida pela dupla Vladimir Putin- Xi Jinping. Em outras palavras: os papas mudam, não necessariamente porque morrem, os autocratas continuam por terem transferido para suas respectivas constituições a antiga práxis dos conclaves.
O outro motivo se refere às frases de Francisco. E aqui o assunto se torna ainda mais sério porque a Igreja secular abriga mistérios e conflitos investigados pela história, mas se ficarmos na amarga confissão do primeiro jesuíta à frente do Vaticano, temos a impressão de que o conflito aberto é mais do que apenas à sucessão (espero a mais tardia possível) investe sua ancoragem em uma Igreja refundada, mas que muitos gostariam de deixar como está ou, pior, levá-la de volta um passo atrás no tempo.
Diz-se que quando era "apenas" o arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio confidenciasse a poucos que, ao frequentar os círculos da Cúria, temia perder a fé. Verdadeira ou não a anedota explica alguma coisa e no fundo justifica a tese aparentemente ousada de que o radicalismo evangélico deste pontificado possa levar a uma emancipação da Igreja do Vaticano, algo impensável ou irracional a cultivar categorias clássicas ou históricas, mas concretamente possível se, em vez disso, tentarmos usar as lógicas de um mundo invertido.
No fundo, para a Igreja de Roma, um desfecho semelhante significaria emancipar-se de um arranjo eclesial e, se assim se pode dizer, geopolítico que aquela instituição marcou durante séculos. Mas tudo isso também daria um sentido único e "revolucionário" ao Papa que veio do fim do mundo. E então, talvez, tendo estabelecido residência fora dos cânones, refletisse desde o início aquele desejo de reconduzir o catolicismo do terceiro milênio ao ideal das primeiras comunidades cristãs.
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A tentação do Papa Francisco de separar a Igreja do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU