20 Julho 2021
"Nenhum espaço do corpo é tão adequado para marcar a singularidade da pessoa e indicá-la socialmente como o rosto. Nascemos à procura de um rosto, aquele da mãe, e é ao encontrar acolhimento naquele rosto que viemos ao mundo, aceitando viver e tomando consciência de que no rosto dos outros podíamos ver a singularidade da pessoa, a sua expressão, a sua historicidade, a sua vida e mais: ver também o mistério da pessoa do outro, porque justamente o rosto marca a fronteira entre o visível e o invisível, as palavras e o olhar", escreve Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, na Itália, em artigo publicado por La Repubblica, 19-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não usamos mais as máscaras, pelo menos ao ar livre, e voltamos a olhar para os rostos em sua nudez. Por muito tempo tivemos que renunciar ao “cara a cara” com amigos, conhecidos, pessoas que se cruzaram nos nossos caminhos, às vezes até com pessoas que moram na nossa casa e familiares. De fato, a nossa surdez aumentou, que não é apenas a incapacidade de acolher mensagens sonoras, mas que é, acima de tudo, uma falta de acolhimento das expectativas e dos desejos que se expressam nos rostos dos outros. Talvez nos tenhamos olhado com maior intensidade nos olhos, mas experimentamos que apenas o rosto permite aquela experiência humana fundamental em que a identidade de uma pessoa se oferece e se acolhe, nesse vis-à-vis.
O cara-a-cara é o lugar originário onde se acendem relação e comunhão, onde se constitui a identidade humana, porque cada um se deixa moldar pelo outro numa recíproca fecundidade. O humano é o único ser que tem um rosto, aliás podemos dizer com Emmanuel Lévinas, é "rosto", sempre "voltado" para o outro com suas expectativas que pedem para serem ouvidas. Nenhum espaço do corpo é tão adequado para marcar a singularidade da pessoa e indicá-la socialmente como o rosto. Nascemos à procura de um rosto, aquele da mãe, e é ao encontrar acolhimento naquele rosto que viemos ao mundo, aceitando viver e tomando consciência de que no rosto dos outros podíamos ver a singularidade da pessoa, a sua expressão, a sua historicidade, a sua vida e mais: ver também o mistério da pessoa do outro, porque justamente o rosto marca a fronteira entre o visível e o invisível, as palavras e o olhar.
Infelizmente, estamos acostumados a ver rostos de passagem, superficialmente, e temos medo de "olhar" intensamente o rosto do outro: tanto que se o outro percebe isso e nos olha, abaixamos os olhos com um pouco de timidez ou de vergonha. O rosto deve ser olhado, contemplado, porque só assim temos acesso ao conhecimento do outro: a singularidade do rosto, a possível presença nele de traços do seu parentesco, o sofrimento narrado pelas rugas e pelos sulcos deixados por lágrimas deveriam ser sempre uma revelação! Os gregos tinham uma compreensão tal da singularidade do rosto humano que qualificaram os escravos como aprósopoi, os "sem rosto", e percebiam que o rosto é a emergência da interioridade própria de uma pessoa a ponto de afirmar que cada um tem o rosto que merece, ou que construiu para si.
Mas aprender a ler o rosto também significa aprender a ler o mundo, porque no rosto cada um se apresenta em sua identidade. Como o vocabulário revela, o rosto também é "faccia", de facio fare, portanto, uma realidade que cada um constrói junto com o tempo como um escultor. Como deixar de reconhecer que, sobretudo, a maldade e a hipocrisia moldam o rosto que se torna sua epifania? E a bondade e a compaixão forjam um rosto que inspira paz e acolhimento? Assim, todo ser humano tem a alma no rosto!
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Nós que nascemos à procura de um rosto. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU