25 Junho 2021
"A beleza espiritual do texto, a pena elegante e passional de padre Luigi, o frescor sempre surpreendente do Evangelho aqui examinado, não oferecem uma tranquila paz interior, mas liberam um espaço interior e o desejo de encontrar o Mestre, ainda que em um vislumbre de anônima cotidianidade. Porque se Deus habita nos detalhes, então ninguém é esquecido. E cada pedra descartada é protagonista de uma história de salvação", escreve Francesco Cosentino, padre, teólogo italiano e professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em artigo publicado por Settimana News, 20-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com seu toque sempre poético e brilhante, o bispo Dom Tonino Bello escreveu algumas cartas que quis endereçar aos que chamava de "pedras descartadas". São “aqueles que não contam, os que se sentem fracassados, os que não encontram a paz, os descartados, os que sofrem no corpo, os jovens desempregados e, por último, quem não tem coragem de mudar”. Toda esta ressaca da humanidade é a verdadeira semente de esperança na história: são eles que transformam este vale desolado que é a terra, porque, dizia Dom Tonino, “desde que Jesus foi derrotado na cruz na mais escura marginalização, também os descartados da humanidade se tornaram poeira de estrelas”.
Sob este ângulo evangélico, que evidencia como o Senhor sabe fazer uma obra-prima também a partir dos nossos descartes, Luigi Maria Epicoco oferece ao seu público páginas cheias de espiritualidade e de vida, no seu novo livro La pietra scartata. Quando i dimenticati si salvano (A pedra descartada. Quando os esquecidos são salvos, em tradução livre, San Paolo, Roma, 2021, 220 p.). O sacerdote de Aquila, escritor e pregador bastante apreciado, recentemente nomeado pelo Papa Francisco como assistente eclesiástico do Dicastério para a Comunicação e colunista do L'Osservatore Romano, reúne nessas páginas um curso de exercícios espirituais pregados em Assis. E, como sempre, suas palavras vão direto ao coração, varrem os esquemas religiosos dentro dos quais muitas vezes encerramos a fé, nos fazem procurar o "reverso da medalha" que não havíamos considerado, a ponto de cutucar o alma com um consolo inquieto.
Luigi Maria Epicoco. La pietra scartata. Quando i dimenticati si salvano,
San Paolo, Cinisello Balsamo (MI) 2021, p. 224, € 15,20.
A perspectiva escolhida está no coração do Evangelho: os esquecidos se salvam, os descartados são buscados nas esquinas das estradas e são convidados para o banquete do Reino, as prostitutas e pecadores são os primeiros. De fato, escreve Dom Epicoco, “o Evangelho está repleto de não protagonistas que, no entanto, são essenciais” (p. 33).
Desde as primeiras páginas, percebe-se que o autor buscou apresentar ao público que tinha diante de si um exercício espiritual entre os mais importantes e, muitas vezes, entre os mais desconsiderados: treinar o olhar para ir além da notícia, descobrindo que sempre há muito mais. do que o que parece à primeira vista e que os Evangelhos são muito ricos de detalhes e de significados ocultos, que falam à nossa vida.
Só assim podemos perceber os personagens menores, escondidos, muitas vezes anônimos, que mesmo assim propiciam viradas necessárias à história bíblica. É o método de Deus, que não por acaso nos deixa confusos: ele escolhe o que é frágil para confundir os fortes, tem predileção pelos últimos porque eles não têm nada do que se gabar, ama os segmentos corriqueiros da vida em vez dos fogos de artifício da vaidade.
Dom Luigi nos leva a este cenário maravilhoso: quando você pensa que é o centro, que sabe tudo, que já conheceu a salvação, lembre-se que tem que passar "para o outro lado do mar", ou seja, você tem fazer uma viagem de expropriação: “O mais importante é renunciar imediatamente ao nosso protagonismo. Não somos nós que temos as rédeas da situação, mas o Espírito” (p. 11). Assim, se aprende uma grande lição: nem sempre se pode usar a matemática e analisar todas as coisas na vida encontrando sozinhos a solução. O episódio dos pães e dos peixes, primeiro capítulo do livro, com o "pouco" que se torna protagonista principal, deixa isso claro para nós.
Tratando-se de um curso de exercícios, cada capítulo é a retomada de uma meditação. Mas toda meditação, além da riqueza da exposição e dos detalhes evangélicos que ela propicia, oferece pelo menos uma lição preciosa a ser aprendida.
A viúva que joga a sua moeda no tesouro do Templo revela um Deus que "é sempre o Deus do detalhe, do particular, do instante, do aqui e agora", ensinando-nos que, na vida como na fé, “a parte mais importante é aquela que passa despercebida” (p. 33). E isso nos ensina também a paciência de caminhar e crescer, contra a pressa de catalogar apressadamente os eventos que - afirma o autor - também fazem a vida espiritual escorregar para o moralismo.
A história da cura de Naamã da lepra, em primeiro lugar, representa a reconciliação entre uma parte bem-sucedida e segura da vida e outra fracassada e ferida. Mas não só: esse homem fica quase perplexo com a indicação demasiado "fácil" que lhe é dada para se curar da lepra, porque quem tem o coração endurecido não consegue compreender as coisas simples. Naamã tem que questionar seus próprios esquemas: o amor de Deus, que cura, é gratuito, desarmado, fácil. E aqui o autor não esconde o que pode ser considerado um grande obstáculo à vida espiritual e pastoral: a visão comercial da relação com Deus que preside - como afirma o próprio Dom Luigi – até mesmo a vida sacramental: “O mundo nos educou de maneira diferente: se você é bom, então você merece amor. Do contrário, o encontro com Cristo e com a graça de Deus muda tudo. Você é amado. Ponto. Mesmo que você não seja bom" (p. 72).
A história de Tobias e Sara ajuda-nos a captar a postura de Deus perante a nossa dor: Ele não nos explica o sofrimento, mas o vive conosco ao declarar que "aquela aflição tem as horas contadas, a Cruz não é para sempre" (p. 92) e para isso devemos aprender a viver a vida espiritual não como "um inquérito de explicações, mas a busca da presença divina em nossas perguntas e em nossas angústias" (p. 98).
Há também dois filhos e um amigo: o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo e Lázaro. São páginas que recordam a beleza pitoresca do Evangelho, a ser entendida como um encontro com a compaixão de Cristo.
Com a mesma profundidade, o autor nos aproxima de três mulheres do Evangelho. Uma mulher curvada, símbolo do nosso olhar para os pés sem conseguir levantar o olhar, que Jesus cura para nos dizer que só Ele pode nos libertar "de uma religião que pode se tornar uma prisão, levando a cumprimento assim a fé cristã até nos libertar" (p. 139); uma mulher com hemorragia, a quem Jesus quer tirar do anonimato para nos ensinar que quer saber tudo sobre nós e a nossa vida; uma cananeia, relato dramático e belíssimo de uma fé que muitas vezes não nos corresponde, aliás nos decepciona, e que ao mesmo tempo nos pede para não abandonar o campo, para não "romper a relação" (p. 146).
Também há espaço para os servos, o centurião e os leprosos curados. Com um final dedicado justamente ao tema da pedra descartada e àquela retomada da vida cotidiana, após a pausa dos exercícios, que inevitavelmente significa navegar em mar aberto, às vezes com forte vento contrário: e aí, aprendendo enquanto remamos, que Jesus está dentro do nosso barco. Não só isso: ele caminha sobre as águas, é o Senhor que "perante os nossos medos, perante as nossas tentativas de rendição, perante a nossa pusilanimidade, nos convida a não temer" (p. 209).
E quando você fecha o livro, ainda restam algumas perguntas, alguma inquietação interna, alguns suspiros mais profundos. A beleza espiritual do texto, a pena elegante e passional de padre Luigi, o frescor sempre surpreendente do Evangelho aqui examinado, não oferecem uma tranquila paz interior, mas liberam um espaço interior e o desejo de encontrar o Mestre, ainda que em um vislumbre de anônima cotidianidade. Porque se Deus habita nos detalhes, então ninguém é esquecido. E cada pedra descartada é protagonista de uma história de salvação.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Os “não-protagonistas” que mudam a história. Artigo de Francesco Cosentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU