09 Dezembro 2020
O jesuíta francês Jacques Sommet, muito conhecido na França pelo seu compromisso intelectual e por ter sido o primeiro diretor do Centre Sèvres, conseguiu sobreviver à deportação para o campo de concentração de Dachau. A experiência do estreito contato com a máquina mortífera nazista o convenceu a escrever dois artigos, um intitulado “A condição desumana”, publicado em julho de 1945 na revista Études, e outro, “A conquista da liberdade”, em abril de 1946 nos Cahiers du Monde Nouveau.
O comentário é de Luca Menichetti, publicado por Settimana News, 08-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Jacques Sommet.
La condizione disumana.
Un gesuita a Dachau.
Bolonha: EDB, 2017, 80 páginas.
São certamente páginas de testemunho, mas Sommet não pretendia contar apenas as condições de vida em um campo de concentração: a ambição era, no mínimo, de fazer o homem de fé falar e, portanto, de captar, também no contexto de um extermínio planejado, uma lição da humanidade e uma esperança para o futuro. Essa esperança que os algozes nazistas pretendiam demolir também com a alavanca das ilusões iniciais.
O autor – com esse seu estilo que consegue fundir empatia e visão espiritual – lembra que, pouco antes de partir para a Alemanha, os prisioneiros detidos em Fresnes estavam demasiadamente esperançosos de melhorar a sua condição: “Esta máquina das ilusões produziu o seu efeito. Quase todos os prisioneiros aceitam o irreparável imaginando-o na cor dos seus sonhos” (p. 8). Um feitiço que durou poucas horas, porque depois começou a viagem dentro dos vagões superlotados, amontoados pior do que os animais: “Risos e deboches nos indicam o nosso destino: não mais pessoas, mas objetos de pouca importância dos quais se zomba, entramos na condição desumana” (p. 9).
A chegada ao campo de Dachau confirma todos os medos de Sommet e dos seus companheiros de prisão: despojados, desinfetados, numerados, desfazem-se todos os grupos, aumenta-se cada vez mais um “isolamento na promiscuidade”; e assim, expostos ao frio da noite, começa a vida do “rebanho no trabalho”, interrompido apenas pela doença, pela punição e pela morte. Uma condição que significa incerteza perene, números entre números, sem um verdadeiro espaço vital.
Sommet continuou a se perguntar qual era o propósito desse sistema desumanizador, autêntico mistério de iniquidade, e logo compreendeu que, por trás da exigência do trabalho, havia sempre e em todo o caso uma vontade de extermínio, que também colocava em questão as punições aparentemente mais humildes.
De fato, tudo estava planejado: desgastar os corpos e assim matar também as almas. Um projeto de morte que, porém, não conseguiu aniquilar completamente aqueles que mais cedo ou mais tarde seriam exterminados; e não apenas porque depois o Exército aliado conseguiu derrotar os nazistas.
De fato, a recordação de Sommet volta-se para a luz que apareceu por trás das sombras: “No campo, também havia homens, seculares ou religiosos, de esquerda ou de direita, que, no dia da provação, tendo aceitado há muito tempo a morte, socorreram os seus irmãos esquecidos”.
Desse modo, contando sobre os militantes que arriscaram a vida para assegurar aos seus camaradas um kommando melhor, ou sobre os 20 padres que voluntariamente se trancaram no bloco dos infectados, ele evidencia como eles viveram de alguma forma no absoluto, “realizando em si mesmos o valor eterno e sempre presente da pessoa humana que se queria abater” (p. 32).
No artigo “A conquista da liberdade”, Sommet analisa também os comportamentos dos militantes marxistas, solidários na miséria, imbuídos de uma fé e de uma disciplina de ação, mas também condicionados por terem que permanecer fiéis “à História”: “Devemos escolher entre a eficácia organizada e o dom total ao fato humano imprevisível” (p. 68).
O artigo publicado nos Cahiers du Monde Nouveau talvez tenha um corte mais teórico, uma espécie de “continuação mais refletida”, como foi escrito na nota introdutória, em comparação com o anterior “A condição desumana”.
Acima de tudo, é uma reflexão sobre o verdadeiro significado de Dachau, ou seja, a fronteira permanente de uma humanidade às portas da morte, com a intenção de explicitar claramente alguns elementos da psicologia coletiva “desta massa proletária, sub-humana” (p. 49).
No entanto, apesar da tentativa dos algozes nazistas de esmagar toda expressão de humanidade, Sommet evidenciou o milagre que surgiu de uma condição que não deixava saída: do nada, “uma fonte que eles não puderam reprimir, uma fonte melodiosa: a vitória de uma liberdade nascida de si mesma” (p. 52). É aquela que é definida como “Consciência do eterno”, a tomada de consciência de que, na escuta da mensagem dos mortos e daqueles que sofreram para salvá-los, a experiência limite de Dachau adquiriu um valor universal: “De fato, em todo o lugar é preciso estar pronto para vencer uma morte inútil ao mundo” (p. 70).
Jacques Sommet (1912-2012), jesuíta e pensador francês engajado em batalhas eclesiais e sociais, foi deportado para Dachau em 1944. Consultor do semanário Témoignage Chrétien, foi reitor do Companhia de Jesus em Lyon-Fourvière e primeiro diretor do Centre Sèvres de Paris.
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A condição desumana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU