30 Julho 2020
“Às vítimas devemos uma coisa: cuidá-las. Sem fazer política e, menos ainda, religião em cima delas”. O filósofo francês Bernard-Henri Lévy acaba de publicar um ensaio “Este vírus que nos vuelve locos” (Ed. Esfera de los Libros) no qual reflete sobre as feridas que a covid-19 está deixando no mundo pós-coronavírus, e no qual as religiões, assim como os movimentos populistas de esquerda e direita, não deveriam ter espaço predominante.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 27-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em uma entrevista ao jornal El Mundo, perguntado pela direita influenciada pela Igreja – a qual crê que a pandemia é um castigo divino –, e pelos movimento antiglobalização, os quais alardeiam de ter previsto a catástrofe, Lévy responde: “ainda que acreditem ser diferentes ou opostos e, inclusive, adversários, na verdade dizem o mesmo e são gêmeos quase perfeitos. São duas religiões profanas, duas formas de dar sentido ao que não tem. E duas maneiras de subir nas costas das vítimas, de esmagá-las com nossa suficiência, e prosseguir com nossas pequenas manias de sempre”.
No ensaio, o pensador não é o que o vírus “disse”, mas o que o mundo o fez dizer. Ele não está interessado nas “lições” a serem tiradas da pandemia, mas no delírio interpretativo de cada um como augúrio do “mundo do depois”, em um momento em que está sozinho consigo mesmo.
E critica duramente os eclesiásticos que viram na pandemia uma ocasião para justificar suas teses. “À direita da direita”, escreve, “uma igreja pentecostal americana que viu na covid-19 uma punição divina, um acerto de contas que puniu os estados que legalizaram o aborto e o casamento igual. Ou aquele bispo francês que disse, em uma igreja vazia, que ‘Deus se vale das penas que padecemos’ para que possamos extrair delas ‘lições de conversão e purificação’”.
E também outros políticos, que estão “conectando a pandemia ao incêndio de Notre Dame, vendo o vírus como um segundo sinal – antes do terceiro, em sua trágica visão de mundo, que em breve chegará! – do teatro do castigo onde se representava, como para a esquerda, uma mudança de paradigma e de mundo”.
Assim, Lévy constata “o fechamento ou a hibernação dos faróis da civilização, como igrejas, sinagogas e outros locais, como museus, parques, jardins ou espaços profanos de meditação, onde a humanidade tem o costume de saciar sua sede espiritual, não computável, não mercantilizada”, e ele é muito crítico à atitude do papa Francisco.
“O espetáculo de um pontífice soberano, herdeiro do ‘Não tenhas medo’ de João Paulo II, tão eminentemente católico, de beijar os leprosos febris, eczematosos e outros das favelas de Buenos Aires, que agora se distancia do povo cristão, que só se comunica pela Internet e que ordena o esvaziamento das pias de água benta e que faz sua Via Crucis pelo átrio da basílica, em frente a uma deserta Praça São Pedro.
Suprimida a imagem judaica do Messias, que espera nos portões de Roma cercado por escrupulosos. Esqueceu o beijo de Jesus aos leprosos que, se ele ousasse santificar essa heroína luminosa, que deliberadamente beija um leproso e em retorno engravida por esse beijo, o tratariam de irresponsável, por cometer um crime à sociedade, ser um cidadão ruim”.
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“Às vítimas devemos uma coisa, cuidá-las. Sem fazer política e, menos ainda, religião em cima delas”, afirma o filósofo Bernard-Henri Lévy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU