06 Março 2020
Há uma palavra assustadora para a qual muitas pessoas da Igreja fecharam suas mentes, que está ganhando apoio rapidamente e ameaça deixar os católicos praticantes para trás. Essa palavra é “humanista”.
O comentário é de Andrew Macdonald Powney, publicado em The Tablet, 03-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com essa palavra, “humanista”, muitas pessoas agora descrevem não apenas a si mesmas, mas também as coisas que elas respeitam. Muitas vezes, os católicos não aprovam a palavra. Desaprovando-a, ignoram a mudança; ignorando-a, abandonam a cultura.
No ano passado, o número de funerais humanistas disparou na Escócia, assim como os casamentos humanistas na Inglaterra e no País de Gales. Casais ingleses correram para usar os arranjos mais pós-cristãos da Escócia. Neste Natal, pastores humanistas começaram a trabalhar na Irlanda do Norte.
Os cristãos geralmente veem essas tendências como eventos que afetam o cristianismo, quando, de fato, estão ocorrendo sem ele e têm um conteúdo positivo. Talvez a sensação de estar com um pé atrás nessas guerras culturais tenha tornado novamente apropriado aos católicos pensar institucional e defensivamente. Mas isso não é bom.
Uma Igreja missionária não pode ficar para trás das coisas com as quais o seu público se importa, principalmente se não quiser cair com elas. No entanto, quantos católicos se perguntam o que torna o humanismo um termo tão atraente ou se algo nessa atração é cristão?
O que está acontecendo é que “humanista” se tornou o principal modo de descrever e defender o que é espiritual.
No jornal Observer, Mark Kermode elogiou “1917” e “Um Sonho de Liberdade” como filmes humanistas porque falam sobre esperança. O site Spiked! defende o humanismo, e isso significa que o Spiked! abraça a ideia de “agência”, o novo termo para livre-arbítrio e emancipação, e “liberdade de expressão”, a esfera da consciência.
O álbum “Humanist” acaba de ser lançado por um compositor [Rob Marshall] que diz que não é religioso, mas “reconhece a necessidade de divindades”. O humanismo é frequentemente associado a sentimentos reais, em vez de formalidades: é o que é agradável em Hockney; é como o Vox elogia o novo filme “Emma”.
Não falar esse jargão significa negligenciar tacitamente qualquer defesa da consciência, do livre-arbítrio e da espiritualidade, feita em termos que a sociedade de hoje possa aceitar: os próprios conceitos no coração da Gaudium et spes. As mesmas coisas em documentos e sites nos quais os cristãos deveriam se agarrar como sementes do Evangelho não estão sendo absolutamente compartilhadas ou ditas por eles. Ao nosso redor existe uma cultura renovada, e os cristãos precisam se apropriar dela.
Em seu livro “True Humanism” (1936), Jacques Maritain argumentou que os filósofos que tomavam o ser humano como seu ponto de partida não precisavam reduzir a realidade ao humano, ou reduzir o que é humano simplesmente ao material.
O pensamento de Maritain era que, quando Christine de Pizan e Pico della Mirandola estavam florescendo, o humanismo era o humanismo cristão, mas que, em 1936, “humanismo” tornou-se a abreviação de humanismo secular.
Se a Igreja se envolve, ela opõe o humanismo secular ao humanismo cristão, como se 1936 fosse o dia de hoje. Mas muitas vezes, em 2020, os humanistas reconhecem a necessidade do espiritual. A maneira como as pessoas usam o humanismo como um termo de aprovação mostra que o Novo Ateísmo (o neodarwinismo de Dawkins e assim por diante) não é mais o problema agora.
O humanismo agora não é anticristão no tom. Isso é realmente pior para a Igreja. O problema urgente é o uso de uma linguagem alternativa forte para o bem que a Igreja não pode ouvir e não falará.
Nietzsche também faz parte dessa história, Maritain estava certo sobre isso; com a ideia nietzschiana de que o cristianismo encoraja a fraqueza. Todo pecado humano confirma esse viés. O marxismo também aparece, porque a versão soviética dos textos foi publicada por uma geração antes que o Marx-antes-de-Engels (que Maritain chama de “o jovem Marx”) fosse redescoberto. Em pouco tempo, pareciam duas formas de não liberdade: religião e política, Igreja e Estado.
Quando os estudantes crescem, são mais as perguntas que foram fechadas para eles que passam a definir as suas escolhas do que as habilidades que eles deveriam ter adquirido. Há um grande perigo agora pelo fato de os ateus estarem defendendo a agência, a liberdade de expressão e o espírito humano, enquanto a Igreja passa a ser associada com a crueldade, o encobrimento e o luto.
Não é preciso procurar mais do que na celebridade de Philip Pullman para ver que a situação mudou. Ateus que rejeitam uma ideia de Deus que nunca foi digna de aceitação defenderão a humanidade, eles serão os humanistas; e os católicos deixarão de depositar sua confiança no Deus-feito-homem.
O século em curso não é diferente do século IV a esse respeito. Então, também havia uma escuta mais simpática aos cristãos que apresentavam Cristo como divino mas humano, do que aos cristãos que enfatizavam a divindade às custas da humanidade. Os proselitistas de sucesso eram os arianos.
As falácias promulgadas nas escolas deviam ser atacadas. Antes da ciência moderna, ninguém estava tentando (e falhando) em fazer ciência. Antes de a ciência natural existir, as pessoas se envolviam com o mesmo mundo real, apenas em termos diferentes. A sua ideia sacramental da natureza, com Deus como a causa primeira, final e primária, pode coexistir com o nosso sucesso em dominar as causas secundárias.
O que é mais importante? Quando você conhece alguém que Karl Rahner considera como um cristão anônimo, que considera a si mesmo como não religioso, o que importa mais? Ganhar um debate que para ele é teórico? Falar na linguagem das suas próprias instituições? Ou se relacionar com essa pessoa naquilo que Escrivá chama de “mesma linguagem do coração”?
Se você pensou que as virtudes naturais podem ser construídas pelas teológicas, por que você começaria pela teologia, censurando a teologia ao longo do processo?
Por que a Igreja começaria pela aridez burocrática que o papa rejeitou quando poderíamos alcançar o diálogo com a misericórdia que Francisco recomenda?
Em uma época em que o discurso público está sendo cortado em câmaras de eco, quando as pessoas buscam ativamente confirmar sua tendenciosidade, a Igreja é outra câmara: aquela que não comunica o que quer comunicar e parece dizer o contrário. Então, precisamos começar pela palavra que significa algo para os outros.
O “humanismo integral” que Maritain defendia significa ver o transcendente e o indivíduo juntos, mas é com os indivíduos que todos os indivíduos devem começar. Os católicos e o clero católico deveriam defender o humanismo e usar exatamente essa palavra.
Somente usando uma linguagem inteligível é que a Igreja poderá ser ouvida em sua pretensão de ter uma visão mais longa e profunda. A Igreja “batizou” a teologia natural antes. Cristo é o verdadeiro ser humano. O humanismo é o começo de uma fé que funciona.
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Os ateus se tornaram defensores do bem? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU