12 Janeiro 2020
Uma análise do panorama econômico da América Latina ao início de uma nova década.
O artigo é de José Antonio Ocampo, economista colombiano, professor na Universidade de Columbia e presidente da Comissão de Políticas de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), publicado por Prodavinci e reproduzido por CPAL Social, 07-01-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nos anos 1980, a América Latina suportou uma crise da dívida tão severa que toda a década se “perdeu” como consequência de um mal desempenho econômico. Desde então, outras economias – especialmente, Japão – suportaram suas próprias “décadas perdidas”. Porém, hoje, é a América Latina que volta a enfrentar dificuldades. De fato, já se perderam cinco anos.
América Latina sofreu meia década de crescimento anêmico pela segunda vez desde os anos 1980, e seu quinquênio de pior desempenho desde a Segunda Guerra Mundial. Nos anteriores cinco anos perdidos da região, depois da crise do leste asiático em 1997, o crescimento anul do PIB tinha média de 1,2%. Em 1980-1985 – os piores cinco anos da crise da dívida –, o crescimento médio representou 0,7%. Nos últimos cinco anos, alcançou apenas 0,4%.
Isso, em parte, é resultado de um entorno global desfavorável, refletido na deterioração dos termos comerciais da América Latina desde 2014, o virtual estancamento do comércio internacional em geral e dois anos de renovada turbulência financeira nas economias emergentes. Porém outras regiões em desenvolvimento enfrentaram os mesmos ventos externos, e todas elas tiveram um desempenho melhor que a América Latina, não somente nos últimos cinco anos, mas sim desde 1990 – um período durante o qual o crescimento anual do PIB na região teve média de apenas 2,7%.
Claramente, fatores nacionais e regionais de longo prazo também contribuem ao mal desempenho da América Latina. Tem origens econômicas, porém também refletem crises políticas e transições políticas complexas em vários países.
Em nenhuma parte esses desafios políticos são mais evidentes que na Venezuela que, apesar de ter as maiores reservas petrolíferas do mundo, está economicamente em queda livre. Desde 2014, o PIB da Venezuela contraiu mais de 60% – uma das contrações econômicas mais marcadas na história para um país que não está em guerra.
As recentes sanções internacionais exacerbaram as penúrias econômicas de Venezuela. Porém os problemas começaram há muito tempo, e se viram alimentados pela marcada polarização política e as políticas econômicas catastróficas do presidente Nicolás Maduro, o sucessor eleito pelo defunto Hugo Chávez.
Deixando de lado a Venezuela, o crescimento médio do PIB da América Latina aumente, porém somente em 1% por ano – ainda pior que a última meia-década perdida da região. Isso, em parte, reflete o fato de que a principal economia da região, Brasil, experimentou sua recessão mais profunda desde a Segunda Guerra Mundial em 2015-16, e veio se recuperando muito lentamente.
No México, a segunda maior economia da América Latina, o presidente Andrés Manuel López Obrador (mais conhecido como AMLO) prometeu, ao assumir o cargo em dezembro de 2018, alcançar um crescimento do PIB do 4% anual. Pelo contrário, a economia se estancou e até caiu em uma recessão na primeira metade de 2019. Os temores pela gestão econômica da AMLO contribuíram a esse desenlace.
Em outras partes, Argentina lidou com desequilíbrios macroeconômicos domésticos, ademais da turbulência financeira global e, mais recentemente, os temores pelo retorno de um governo peronista. A agitação política no Equador, e mais recentemente na Bolívia e Chile, também minou o desempenho econômico.
Porém, os problemas econômicos da América Latina começaram muito antes da onda atual de instabilidade econômica e política. América Latina alcançou um crescimento mais rápido – uma taxa anual média de 5,5% – nos 30 anos que precederam a década perdida dos anos 1980, quando a industrialização liderada pelo Estado estava na ordem do dia, que vieram nos 30 anos que antecederam a década perdida da década de 1980, quando a industrialização liderada pelo estado estava na ordem do dia, do que nos 30 anos posteriores.
A ortodoxia econômica que se enraizou há três décadas zombou da estratégia liderada pelo estado e instou os países latino-americanos a empreender reformas de mercado que, até agora, não cumpriram sua promessa. Pelo contrário, o desmantelamento de suas políticas industriais pelos países – juntamente com as repercussões da crise da dívida, os efeitos da "doença holandesa" do superciclo do preço das matérias-primas após 2003 e a crescente concorrência chinesa levou à desindustrialização prematura.
Especificamente, a porcentagem do PIB correspondente à manufatura vem diminuindo consistentemente desde a década de 1980, a ponto de os níveis atuais serem semelhantes aos da década de 1950. Embora a saída da manufatura seja uma consequência natural do desenvolvimento econômico, na América Latina começou com níveis de renda muito mais baixos do que nos países desenvolvidos, tornando muito mais difícil para a região escapar da "armadilha da renda média". Embora a demanda chinesa por exportações de matérias-primas latino-americanas tenha experimentado um boom nos últimos dez anos, ainda é insuficiente para compensar as perdas industriais.
O que mais prejudica as perspectivas da América Latina são os baixos níveis de investimento em pesquisa e desenvolvimento: aproximadamente 0,7% do PIB, em média. Isso equivale a cerca de um terço do que a China (2,1%) e os países da OCDE (2,6%) investem. Na América Latina, apenas o Brasil investe mais de 1% do PIB em P&D. Durante a Quarta Revolução Industrial, nenhuma economia pode competir, muito menos subir do status de renda média para alta, sem uma forte capacidade de inovação.
A meia década perdida da América Latina teve sérias consequências sociais. De 2002 a 2014, a pobreza caiu rapidamente na região e a desigualdade – que havia aumentado durante os anos 1980 e 1990 – estava em uma tendência de baixa. Desde então, o progresso em matéria de desigualdade estancou-se – a distribuição de renda manteve-se relativamente constante desde 2010-11 – e a pobreza aumentou.
Ao entrar nos anos 2020, a América Latina deve tomar medidas para garantir que os próximos cinco anos não sejam anos perdidos. É verdade, o contexto internacional marcará uma diferença. É verdade, o contexto internacional marcará uma diferença. Porém, dentro do poder dos governos da região está melhorando significativamente o desempenho econômico. Podem fomentar a re-industrialização (inclusive implementando uma maior integração econômica regional, respaldando assim um comércio intrarregional de bens manufaturados) e investir em ciência e tecnologia. Junto com políticas sociais ativas, essas medidas de melhora do crescimento podem permitir a América Latina recuperar sua posição econômica.
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A América Latina pode evitar outra década perdida? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU