23 Novembro 2019
O país do dinheiro existe. Não possui fronteiras físicas, nem território, nem aparece nos mapas, mas é uma consequência real de como o mundo está mal repartido. O jornalista britânico Oliver Bullough o batizou como Moneyland e esse é justamente o título de seu último livro, publicado na Espanha pela editora Principal de los Libros.
A reportagem é de Jorge O. Maldonado, publicada por Público, 20-11-2019. A tradução é do Cepat.
Em giro por Madri e Barcelona, Bullough, correspondente na Rússia da agência Reuters, explica que Moneyland “é um sistema que permite aos ricos e às fortunas mais poderosas do mundo descumprir as leis que afetam o resto das pessoas”. O jornalista conta, em seu elogiado trabalho - que foi escolhido como livro do ano por The Economist, The Times e The Daily Mail -, como funciona esse perverso sistema e como fragiliza a democracia. Uma trama de paraísos fiscais, empresas de fachada, fundos em Jersey, práticas ilegais e redes financeiras ofuscas que compõem um universo separado, onde os ricos se tornam cada vez mais ricos, onde retorcem a lei ao seu capricho, onde nunca pagam o que deveriam pagar e onde, em suma, roubam dos governos parte de seus impostos, empobrecendo, assim, o restante da sociedade.
Moneyland é o principal foco de corrupção mundial, um refúgio para os grandes cleptocratas globais, sonegadores de impostos, ladrões, sátrapas e governantes corruptos, sustenta Bullough. “É o lugar mais democrático do mundo: enquanto você tiver muito dinheiro, sempre será bem-vindo, não importa o que tenha feito antes. Pode ter roubado e até mesmo matado, mas se tiver dinheiro e vontade de escondê-lo, Moneyland estará sempre aberto para você”, diz o autor.
Em seu livro, Bullough explica como funciona “esse sistema de injustiça global” e como surgiu. O surgimento dos primeiros paraísos fiscais mudou tudo, lembra o jornalista: “Moneyland foi inventado nos anos sessenta do século XX para ajudar, primeiro, os ocidentais que não queriam pagar mais impostos e, segundo, políticos corruptos e ditadores de países sul-americanos e africanos que precisavam esconder todo o dinheiro que roubavam”.
O sistema não deixou de ser aperfeiçoado desde então e hoje atingiu um refinamento maligno. “As leis têm limites físicos, mas o dinheiro não. A corrupção é global e Moneyland é, de fato, um país que alcança todos os lugares. Se você rouba dinheiro, não precisa mais colocá-lo em um cofre. Agora, pode transferi-lo do país para qualquer lugar do mundo comprando propriedades de todos os tipos - imóveis, arte, iates, itens de luxo, etc. ... - ou investindo”, lembra Bullough.
Boa parte da enorme quantidade de dinheiro que circula em Moneyland vem de países em desenvolvimento e do Leste Europeu. De fato, o interesse de Bullough por essa realidade surge após passar sete anos na Rússia, um dos epicentros de Moneyland.
Na verdade, o livro é uma rigorosa investigação jornalística, na qual esse jornalista britânico descreve casos que arrepiam os cabelos: a ganância do ex-presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovitch, a cleptocracia da família Obiang, na Guiné Equatorial, a permissividade fiscal de Donald Trump, a manobra de magnatas russos ajudados por Vladimir Putin e as armadilhas de bilionários árabes. Tem especial relevância o capítulo dedicado ao assassinato de Alexander Litvinenko, o espião russo morto em 2006 com uma dose letal de polônio, após denunciar os negócios de lavagem de dinheiro na Rússia, com a cumplicidade do governo de Putin.
Na Rússia e na Ucrânia, Bullough viu coisas incríveis, o alto grau de corrupção e de pilhagem (também de mau gosto). No entanto, o jornalista alerta que este é um fenômeno global que afeta a todos, da Rússia ao Caribe, da Nova Zelândia à Argentina. A Europa também não fica imune: “Na Europa Ocidental, Moneyland é muito menos óbvio porque temos menos desigualdade, mas se o dinheiro russo roubado ou fruto da corrupção chega a Marbella, isso também afeta a Espanha. O dinheiro corrupto é sempre dinheiro corrupto e sempre vai prejudicar a sociedade de alguma forma. Moneyland é inimigo da democracia, mina sua legitimidade. O que precisamos fazer é lutar contra isso”.
Como desativar um sistema tão perfeito e ofusco? Como lutar contra homens que roubaram o mundo inteiro e que têm um imenso poder? Bullough propõe “mais democracia”. “Temos que ter mais controle sobre a riqueza, maior transparência, precisamos saber quem é proprietário do quê e dificultar o roubo de dinheiro, porque agora é muito fácil roubá-lo. Também temos que dar mais meios à polícia, porque agora o dinheiro se movimenta com muita facilidade por toda a Europa. Nesse sentido, sou a favor de criar um FBI em nível europeu e apostar na cooperação internacional”.
No entanto, a permissividade, sobretudo dos governos ocidentais, na hora de aceitar dinheiro sujo e injetá-lo em suas economias é um obstáculo para combater Moneyland. Nesse sentido, os Estados Unidos são um caso paradigmático: “Os Estados Unidos são um paraíso fiscal muito importante, não apenas do dinheiro estrangeiro, mas também do dinheiro nacional”, diz Bullough.
E mais ainda agora que nos Estados Unidos governa Donald Trump, um habitante proeminente do país do dinheiro, um moneylander de manual. “Donald Trump, Vladimir Putin e muitos outros praticam o jogo de Moneyland: são bons em mentir sobre o seu dinheiro e como o conseguem e é por isso que também são bons em mentir sobre suas políticas. São mentirosos profissionais”, afirma Bullough.
No entanto, Bullough afirma que Moneyland, ao contrário do que muitos pensam, “não é um problema do capitalismo, mas um problema de criminalidade” e, portanto, deve ser combatido com as leis. “O capitalismo não é o problema. Meu livro é sobre como é fácil roubar e sobre a necessidade de mudar as leis. É simples assim”, diz Bullough, que reserva a última pergunta da conversa: “Por que não se está agindo?” Ele mesmo responde: “Existe uma indústria que dificulta a luta contra Moneyland. Uma pessoa muito rica desobedece a lei e praticamente nada é feito, mas se uma pessoa pobre faz isso, imediatamente sente no cangote o hálito da lei”.
Os poderosos de sempre continuam sendo muito poderosos. Diz Bullough: “Na verdade, tudo é uma mentira. Penso que um dos graves problemas que precisamos lidar com Moneyland é como enfrentar alguém que está mentindo. É muito mais fácil mentir do que demonstrar uma mentira. É preciso demonstrar o erro. Esse é o grande problema das fake news”.
Contudo, Bullough não quer terminar a conversa sem lançar uma mensagem otimista: “A Europa não conhece o poder que tem, é um gigante adormecido. Quem é mais poderoso: Putin ou a Europa? Se compararmos a economia da Europa com a da Rússia, já temos a resposta. O que precisamos fazer é rastrear o dinheiro, ver onde está e recuperá-lo. É simples”.
Agora, só precisamos colocar isso em prática e, nesse sentido, o livro de Bullough oferece várias pistas sobre como derrotar os “ladrões e trapaceiros que controlam o mundo”.
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‘Moneyland’. Assim os super-ricos nos roubam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU